“Há algo de profundamente comovente – para não dizer tragicômico – nesse balé anual do consumo brasileiro em dezembro. A cena se repete com a disciplina de um feriado nacional não decretado: o país inteiro acorda no primeiro dia do mês como se tivesse recebido uma ordem divina, uma epifania do comércio, uma convocação para salvar o varejo com o próprio suor… e com o próprio limite do cartão. A cada ano, estudiosos e pesquisas anunciam, com a solenidade de quem revela o PIB, que agora vai: só neste Natal, estima-se movimentar quase R$ 85 bilhões. Bilhões! Uma cifra que, se convertida em bom senso, resolveria a vida emocional de metade da população. É sempre impressionante como a simples visão de um panetone na prateleira ativa algum gene ancestral que sussurra: 'Gaste'. Não basta gastar – é preciso gastar mais do que no ano passado, com presentes melhores, maiores, mais caros, talvez capazes de compensar, com etiqueta e embrulho, o afeto corrido do resto do calendário. Já os que vão gastar menos, coitados, justificam com pudor: 'São as incertezas da economia'. Como se fosse preciso inventar desculpas para a prudência. O brasileiro planeja comprar quatro presentes – cinco, se tiver mais dinheiro que juízo – e paga tudo em quase cinco parcelas, o que empurra a última prestação para abril ou maio. Aprenda com esse povo: o futuro é sempre um problema da próxima estação. Nas lojas físicas, as multidões se acotovelam. A internet, por sua vez, vira território de caça: 82% vão pesquisar preços, como se esse ritual trouxesse algum alívio moral, uma absolvição dos pecados financeiros que virão. Há quem substitua presentes por experiências – jantares, viagens, passeios – mas tudo continua orbitando o mesmo mantra: 'é Natal, é preciso fazer alguma coisa'. Como se a alegria familiar dependesse dessa coreografia do consumo. Como se o afeto tivesse preço e prazo, e ambos expirassem no dia 26. No fundo, dezembro é o carnaval do capitalismo doméstico. Um mês em que todos fingem que o bolso é um pouco mais fundo, o saldo bancário um pouco mais generoso e o futuro um pouco mais distante. Depois, janeiro chega – sempre chega – trazendo boletos, lucidez e a ressaca moral de quem sabe, há anos, que caiu de novo no mesmo truque. Mas até lá, o brasileiro segue firme, embalado pelo cheiro de rabanada e pela promessa encantada de que, neste ano, agora sim, vai dar tudo certo. Ou pelo menos até a fatura fechar.”
GREGÓRIO JOSÉ
Belo Horizonte