Na ciência política, o conceito de tecnopolítica já é bastante conhecido desde a última década. Trata-se do uso das ferramentas digitais como peça central da atuação política. Como se a gestão de um mandato parlamentar, de um ator do Executivo ou de um partido, por exemplo, fosse moldada a partir do mundo digital. Não se trata de um fenômeno estritamente negativo, porém também há seu viés prejudicial à democracia.


O debate sobre o Projeto de Lei 5582/2025, o chamado PL Antifacção, é a prova mais recente do mau uso da tecnopolítica. O texto, que deveria discutir um necessário cerco às organizações criminosas internacionais que operam no Brasil, se transformou em palanque para parlamentares do Congresso Nacional, em uma clara tentativa de apropriação de determinadas posições para agradar o eleitorado a menos de um ano das eleições.


Um dos pontos de maior discussão tratava da equiparação das facções a organizações terroristas. O texto aprovado pela Câmara, no entanto, excluiu essa possibilidade, defendida, principalmente, pelos governadores mais conservadores, que disputam um espaço no eleitorado para tentar concorrer ao Planalto no ano que vem.


Sem entrar em demais pontos técnicos (e importantes) do projeto, acertou o relator Guilherme Derrite (PP-SP), secretário de Segurança Pública de São Paulo temporariamente licenciado, ao retirar a equiparação do texto final.


Em primeiro lugar, o mais óbvio: os crimes cometidos pelas facções são graves, mas não são, tecnicamente, classificados como terrorismo. A definição dada pela ONU é recente, mas bastante assertiva neste sentido. Em artigo publicado no jornal O Globo em 2005, o ex-secretário-geral Kofi Annan classificou o terror como "qualquer ação que vise a causar a morte ou provocar danos corporais graves a civis ou não-combatentes, com o objetivo de intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer alguma coisa".


Ou seja, ainda que as facções criem distorções e prejuízos enormes para a sociedade, eles não ocorrem num contexto de disputa política não resolvida, como agiu, por exemplo, a Al-Qaeda de Osama Bin Laden em setembro de 2001.


Além do mais, a classificação das facções como terroristas poderia abrir um precedente perigoso do ponto de vista das relações internacionais. País líder da chamada "guerra ao terror", os Estados Unidos têm adotado táticas intervencionistas em todo o mundo para combater organizações classificadas por ele mesmo como terroristas.


Na prática, sem qualquer respeito ao regramento jurídico de cada país, os EUA têm adotado ofensivas para frear o que ele mesmo julga como terrorismo, ainda que não se tenha um critério definido para isso. Vale lembrar dos mais recentes ataques ordenados por Donald Trump contra embarcações venezuelanas.


Mesmo sem uma definição clara se uma facção realmente coordena o tráfico internacional de drogas da Venezuela para o restante do mundo, Trump classifica o chamado Cartel de los Soles como terrorista, o que dá permissão para intervenção direta da CIA. A medida tem como pano de fundo a inevitável disputa política entre a Casa Branca e a ditadura de Nicolás Maduro. Por que o mesmo não é adotado, por exemplo, em outros países historicamente ligados à fabricação e exportação da cocaína na América Latina, como Bolívia e Colômbia?


Diante disso, não cabe ao Brasil abrir qualquer precedente para intervenção externa, ainda que o necessário combate às facções precise ser uma das primeiras prioridades deste e de próximos governos.


Ao mesmo tempo, não se pode usar essa demanda como trampolim para se posicionar nas mídias sociais, até porque o combate a essas organizações passa muito mais pelo cerco às suas atividades econômicas do que pela coerção.

compartilhe