Caiu a ficha no governo federal de que nada será como antes na vida das cidades brasileiras, a maioria construída no litoral ou nos vales dos rios. Com a urbanização acelerada que se seguiu à industrialização do país na segunda metade do século passado e a consolidação de ocupações urbanas em áreas de risco, mangues, várzeas e encostas, as cidades brasileiras não estão preparadas para as mudanças climáticas.


A prova mais eloquente é a tragédia de proporções bíblicas que ocorre no Rio Grande do Sul, cuja capital continua debaixo d'água. O ministro das Cidades, Jader Filho, pôs o dedo na ferida ao afirmar que investir em prevenção e preparação dos municípios brasileiros exige a compreensão de uma nova realidade, a das mudanças climáticas: "Eu tenho dito que esse é o novo normal. A gente tem discutido isso nos fóruns globais. Seja na ONU - Habitat ou na COP28, essa discussão tem sido feita em todos os países. Todo mundo tem discutido essa nova realidade."


Entretanto, apesar das declarações do ministro, existe uma espécie de "negacionismo estrutural" em relação às mudanças climáticas. Todo mundo fala nisso, admite que é preciso conter o aquecimento global, mas joga a responsabilidade sobre os ombros dos outros. Na questão da redução das emissões de carbono, por exemplo, os mesmos países que mais defendem e financiam o combate ao desmatamento não fazem o dever de casa em relação à adoção de energia limpa e continuam explorando e/ou utilizando petróleo e gás em larga escala, inclusive, para aquecimento das casas.


Também aqui no Brasil, em meio aos desastres, esse negacionismo se apresenta quando um prefeito foge à responsabilidade, por exemplo, ao afirmar que uma tragédia ocorreu porque houve omissão nos governos anteriores. "A gente precisa deixar as cidades preparadas para terem estrutura para poder enfrentar essa nova realidade. Nós precisamos entender que a política de prevenção não pode ser a política do vai e vem. Constrói, destrói e constrói", argumenta o ministro Jader Filho.


O governo anunciou mais de R$ 56 bilhões de ajuda ao Rio Grande do Sul, mas esses recursos precisam chegar na ponta. E não basta restabelecer o que existia antes. As mudanças climáticas são um fato comprovado cientificamente e, com o aquecimento das águas do Atlântico, em 1,5o nos últimos 20 anos, todo o regime de chuvas e seca no país está sendo alterado, como de resto nos hemisférios Norte e Sul, em razão do derretimento da calota polar. Não basta preservar a Floresta da Amazônia e outros biomas, como os pampas. É preciso repensar todo o planejamento urbano, os sistemas de macrodrenagem e de saneamento.


Por exemplo, o governo já havia anunciado o recurso extraordinário de R$ 195 milhões do Ministério das Cidades para o Vale do Taquari em razão das enchentes de 2023. Pretende construir 1.086 unidades habitacionais em 13 municípios nas áreas urbanas e 600 moradias em 39 municípios para áreas rurais. Todos esses recursos estão empenhados, mas é preciso que as prefeituras apresentem projetos de acordo com as novas condições climáticas. Não basta reconstruir o que foi destruído pelas águas nos mesmos locais e/ou da mesma forma.


A realidade impõe novas concepções urbanísticas, que reduzam a impermeabilização do solo e a ocupação das várzeas dos rios e das encostas, e construções mais preparadas para resistir aos "eventos extremos". Planos de macrodrenagem e contenção de encostas, que contam com recursos de R$ 6,4 bilhões no Orçamento Geral da União em 2024, destinados a 200 municípios com antecedentes de tragédias ambientais, precisam ser elaborados com a consistência técnica adequada. Os Planos Municipais de Redução de Risco, em muitos casos, continuam no papel ou sequer foram elaborados.