A transferência do Aeroporto do Carlos Prates para a Prefeitura de Belo Horizonte pode se tornar um marco humanístico na inserção da capital dos mineiros no que há de mais contemporâneo no urbanismo mundial. Tudo vai depender da nossa capacidade – sociedade e autoridades locais – de, por meio de concursos e debates públicos, definirmos para aquela área o modelo de ocupação que melhor atenda não só à sua vizinhança, mas a toda a cidade e todo o estado. O Carlos Prates poderá se transformar no novo Parque Municipal da cidade; um símbolo de preservação e convivência que reflete a generosidade urbana.


Para começar, temos que reconhecer como é valioso o presente que nossa cidade acabou de ganhar. Nos últimos 100 anos, cidades-polo em todo o mundo passaram por um processo acelerado de ocupação e, não raro, de saturação dos seus espaços urbanos. Por isso mesmo, é cada dia mais dispendioso realizar obras que ocupem grandes áreas em meio aos centros urbanos.


Uma saída tem sido o reaproveitamento de áreas degradadas ou que deixaram de ser ocupadas por atividades industriais ou de infraestrutura. Mundo afora, esses espaços têm sido transformados em soluções urbanas humanizadas. Projetos assim aumentam a autoestima do cidadão e facilitam a administração da cidade, promovendo uma cidadania mais ativa e participativa.


É aí que entram os íntegros 547,5 mil metros quadrados do Aeroporto Carlos Prates, disponibilizados em plena malha urbana de Belo Horizonte. Vivendo entre muros e prédios, trincheiras, avenidas e túneis, o cidadão não quer mais esse modelo antigo. Pelo contrário, ele está mais perto de aderir à ideia de que o velho campo de pouso daria um ótimo parque. Relaxamento, crianças brincando, voltas de bicicleta, caminhadas sem pressa e a satisfação de rever amigos. Com teatros, lagos, quadras esportivas, arenas para grandes shows, hospital-escola, museus, inclusive o que conta a bela estória do aeroporto e sua brava gente.


Afinal, podemos ter de volta o título de Cidade Jardim: vastas áreas verdes para toda a gente. Dada a extensão da cidade, a criação de um parque de grandes proporções é essencial para atender às necessidades da população. Nossos olhos precisam “respirar”. Após anos de convivência com muros e divisões físicas, contemplar uma vista bela e desimpedida para a cidade e para a Serra do Curral é uma necessidade vital para nós belo-horizontinos. É a chance fundamental de promovermos inclusão e senso de comunidade. E ter motivos para amar ainda mais a nossa terra.


Urbanistas que se deram ao trabalho de ouvir as pessoas que vivem em grandes centros urbanos perceberam que, depois de cobrar de seus moradores mais pressa, mais esforço e produtividade, as cidades devem agora oferecer alguma compensação. Ou seja, a qualidade de vida ganhou a condição de prioridade e a cidadania não parece disposta a abrir mão disso. Nossa cidade não está fora do tempo nem do planeta. Também aqui se fazem necessários os gestos de generosidade; o mundo atual clama pelas “generoscidades”.


São muitos os exemplos que confirmam essa realidade. A municipalidade de Nova York, em parceria com a iniciativa privada, está investindo no reaproveitamento do antigo maior aterro sanitário do mundo, desativado em 2001. Será o mais amplo parque de diversões, relaxamento e esportes já construído na cidade, três vezes maior do que o icônico Central Park. Na Europa, essa prioridade tornou-se tão evidente, que os espanhóis não perderam tempo buscando áreas distantes. Em 2005, decidiram enterrar nada menos do que 6 km de antigas vias marginais ao longo do Rio Manzanares, que banha a capital Madri. Foram liberados 50 hectares que, hoje, abrigam um grande parque linear, além de terem sido saneadas as águas poluídas do rio.


O caso do desativado Aeroporto Tempelhof, de Berlim, é exemplar. Ouvida, a comunidade não só aprovou a transformação da imensa área em um parque, como aceitou participar da gestão do empreendimento. Devido ao tamanho do terreno, todos concordaram que ele seria ocupado aos poucos, discutindo-se cada futura fase e garantindo a manutenção da função original do parque.


Já a ocupação da área liberada pela desativação do Aeroporto Timbaba, num subúrbio densamente povoado do Cairo, capital do Egito, sofreu críticas. Além das áreas de diversão, o parque destinou parte do terreno para 3.700 apartamentos, logo habitados. Porém, as ruas não são definidas, dificultando a convivência e são claras as deficiências estruturais (água, energia e vias de acesso). Segundo os especialistas, a falta de comprometimento popular com esse parque se deve ao fato de os autores do projeto terem ignorado a opinião dos residentes.


Isso nos leva a uma inadiável reflexão. No Brasil, os conjuntos habitacionais, como o programa Minha Casa, Minha Vida, deveriam ser integrados em toda a cidade, conforme sugerem as teorias urbanísticas contemporâneas em todo o mundo. Áreas devolutas, como o eixo do Arrudas, por exemplo, próximas aos transportes públicos de massa, podem ser ocupadas para esse fim, promovendo uma distribuição mais equitativa e sustentável do espaço urbano.


Jan Ghel, arquiteto e urbanista dinamarquês, que já teve suas ideias sobre como devem ser os ambientes urbanos colocadas em prática em mais de 200 localidades pelo mundo, defende a ideia de que os municípios habitáveis são densos, caminháveis, vibrantes, seguros, sustentáveis e idealizados a partir da escala humana, com os indivíduos no centro das decisões em vez dos veículos.


Ao adotar esses princípios, adaptados à nossa realidade e respeitando as necessidades e particularidades da população de Belo Horizonte, podemos criar uma comunidade mais conectada e saudável. O Carlos Prates nos oferece uma oportunidade única para estabelecer um padrão dos novos tempos, de reutilização criativa de espaços urbanos. Este é o momento irrecusável de lutarmos por uma cidade que assume seu tamanho e a qualidade de ser território de se olhar para longe.

 

Gustavo Penna

Arquiteto e Urbanista

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