A lápide sobre a qual se inscreve o nome de Bárbara Heliodora, no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, deixa de ser apenas uma menção, ao passar a recobrir um punhado de matéria trazida da sepultura em que se depositaram seus restos mortais, no cemitério de São Gonçalo do Sapucaí. A cerimônia realiza-se no dia 21 de abril, quando o Brasil celebra o heroísmo do mártir Tiradentes e o sonho de independência dos conjurados de 1789.


Há muito reivindica-se a recuperação da presença feminina na Inconfidência Mineira, para além da evocação lírica de Marília, a musa do poeta Tomás Antônio Gonzaga. Os despojos de Maria Doroteia Joaquina de Seixas (1767-1853) foram trasladados da Matriz da Conceição de Antônio Dias para a Sala da Inconfidência, que antecede o Panteão em que se guardam porções dos restos dos principais conjurados. Projetado pelo arquiteto José de Souza Reis, o Panteão foi inaugurado em 1942, sesquicentenário da execução da sentença, dois anos antes da abertura oficial do Museu. Sob o patrocínio do presidente Getúlio Vargas, em 1938, foram trazidos restos dos inconfidentes exumados nos locais em que tiveram sepultura na África. Convencionou-se que caberia à noiva de Gonzaga a Sala e não o Panteão, por não ter sido ré, nem tido uma participação direta no movimento.


Muitos foram, porém, os que enfatizaram a necessidade de Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira merecer igual homenagem. Tanto assim que, por instância do historiador, jurista e deputado federal paulista Aureliano Leite (1886-1976), mineiro de Ouro Fino e descendente da família dela, o diretor do Iphan, Rodrigo Melo Franco de Andrade, providenciou junto ao cônego Raimundo Otávio da Trindade, historiador e diretor do Museu, a colocação de uma lápide com o nome de Bárbara Heliodora, ao lado da campa de Marília de Dirceu.


O fato ocorreu em 1957. Como não foram localizados com precisão os seus restos mortais, a pedra apenas acolheu o nome entalhado da heroína. O padre português Ruela Pombo havia reformado a Matriz de São Gonçalo do Sapucaí, faz cem anos agora, e todos os despojos que se encontravam nas campas da nave do templo transferiram-se para a vala comum do cemitério municipal. Estariam então perdidos os vestígios de Bárbara Heliodora.


Aureliano Leite publicou em São Paulo, há exatos 60 anos, o livro “A Vida Heroica de Bárbara Eliodora”, e sempre insistiu na grafia sem H, com base em investigação realizada em arquivos nos quais constam documentos por ela assinados. Nascida em São João del-Rei, em 1759, morreu aos 60 anos, em 1819, na cidade de São Gonçalo do Sapucaí. Toda a sua trajetória pode ser vivenciada nas páginas do romance da escritora e magistrada Mônica Sifuentes, “Um poema para Bárbara – A história de amor que ajudou a escrever a História do Brasil”. A partir de documentação historiográfica, a autora encenou a caminhada da menina nobre do Rio das Mortes à mulher resistente ante os embates da repressão à conjura, até a fazendeira e mineradora do Sapucaí, afastada dos algozes que a sufocavam nas vilas do ouro. Descendente de uma ilustre família portuguesa de Tomar e do tronco paulista de Amador Bueno, ela é considerada a primeira poeta brasileira.


A obra de Mônica Sifuentes veio sugerir o resgate de matéria contida no túmulo da necrópole de São Gonçalo, tal como há pouco se fez com Hipólita Jacinta Teixeira de Melo (1748-1828), mulher do inconfidente Francisco Antônio de Oliveira Lopes. Por iniciativa da historiadora Heloísa Starling e da ministra do STF Cármen Lúcia Antunes Rocha, um pouco de terra da casa de Hipólita, no largo da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Prados, foi exumado no Panteão dos Inconfidentes. Reconheceu-se o papel por ela desempenhado nos momentos cruciais da conjura, quando, tomada de coragem e determinação admiráveis, procurou proteger e animar os conspiradores, vindo mais tarde a reagir contra as penas que o poder colonial quis impor-lhe.


Não foi diverso o protagonismo de Bárbara Heliodora. Ela encorajou e incentivou o marido, o poeta e ouvidor do Rio das Mortes Inácio José Alvarenga Peixoto (1742-1792). Degredado, logo faleceu, vítima de febre tropical, em Ambaca, Angola. A viúva resistiu às pressões e restrições impostas pelo governo colonial e conseguiu recuperar a fazenda de São Gonçalo da Campanha do Rio Verde (hoje São Gonçalo do Sapucaí), agindo com firmeza na proteção de seus filhos.


“Que o mundo são brevíssimos instantes”, diz um verso de Alvarenga Peixoto. Duzentos e cinco anos após a sua morte, “Bárbara bela, do Norte estrela”, pode “ser feliz na eternidade”. Finalmente reconhecida na plena dimensão de partícipe do movimento de 1789 e da resiliência com que sobreviveu às “duras penas” nas “bruscas penhas” sofridas pelos insurgentes, ela volta a Vila Rica de Ouro Preto sem deixar São Gonçalo do Sapucaí. No Panteão da Inconfidência Mineira, Bárbara Heliodora dá testemunho da luta da mulher pela liberdade. 

 

Angelo Oswaldo de Araújo Santos

Prefeito de Ouro Preto