A decisão da Câmara dos Deputados de zerar o projeto de lei das fake news desacelera o enfrentamento a uma questão urgente para o país. As redes sociais tornaram-se instrumento para publicações de textos e gravações fantasiosas e agressivas que atingem instituições diversas, integrantes do Judiciário, Executivo e Legislativo, políticos dos mais diferentes matizes ideológicos e partidários, além de ilustres personalidades de diferentes segmentos sociais. Por meio delas, inverdades ganharam e seguem conquistando dimensões exponenciais – um fenômeno que ganha contornos ainda mais preocupantes em ano eleitoral.

Não há dúvidas quanto ao poder destruidor da desinformação. Os negacionistas da ciência, da medicina e de todos os avanços obtidos no país induziram parcela expressiva da população a rejeitar a vacinação durante a pandemia da COVID-19. A peste da descrença, que vinha se alastrando antes mesmo da crise sanitária, ganhou mais força. E ainda hoje se mantém atuante, com a rejeição de milhares de brasileiros ao cardápio de vacinas contra mais de uma dezena de doenças oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Na política, a prática de achincalhar os adversários e os apoiadores dos oponentes chegou aos tribunais – e, para muitos, rendeu gordas indenizações em dinheiro. Agora, mais do que nunca, desperta preocupação quanto ao cumprimento de regras eleitorais e uso de inteligência artificial. Não à toa, há um mês, o Tribunal Superior Eleitoral inaugurou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia.

Criar e disseminar fake news é comportamento absolutamente oposto à liberdade de expressão, direito basilar do Estado Democrático de Direito, que não comporta mentiras, difamações, discursos de ódio e apelos inflamados à violência. Ao infringirem os limites da liberdade de expressão, os antidemocráticos fomentaram os atos deletérios de 8 de janeiro de 2023. A expectativa era a de empurrar o Brasil e a conquista da democracia em 1985 para o abismo do obscurantismo, da violência, da supressão das liberdades individuais e coletivas. A união firme do Legislativo, Executivo e Judiciário impediu a vitória do atraso. Espera-se, agora, que a decisão de sepultar o projeto de lei das fake news tomada pela Câmara não se transforme em mais um capítulo da tensão entre os Poderes.

Diante da decisão da Câmara, o Supremo Tribunal Federal julgará uma ação que trata da responsabilização dos provedores pelos conteúdos criados por terceiros, como exige o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014), provocado pelo Facebook. Segundo o presidente da Casa Legislativa, Arthur Lira, a decisão tomada pelo ministro Dias Toffoli não é uma interferência indevida, “uma coisa não tem nada a ver com a outra”. Os deputados, segundo Lira, vão com “muita tranquilidade e transparência” atuar em grupos de trabalho para lidar com o tema.

O PL das fake news, porém, está adormecido há quatro anos. Ganhou nova urgência com os embates entre Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro Alexandre de Moraes. Que este seja, de fato, o momento para uma resposta à altura à sociedade. A democracia não pode esperar.