Episódios que geram clamor público no Brasil têm a capacidade de movimentar a classe política a ponto de viabilizar alterações legislativas, ainda que sem qualquer comprovação mínima de eficácia das medidas.


A notícia sobre atos de violência extrema causa reações emocionais naturais, que são muito bem aproveitadas pela classe política. Nessa circunstância, respostas simples para problemas complexos, com o apontamento de um inimigo facilmente identificável é a receita para ganhar cliques, curtidas e, claro, votos.


Nos últimos meses, a bola da vez tem sido o instituto da saída temporária, culpabilizado na mídia pelo terrível homicídio de um sargento da PM em Minas Gerais.


Descobriu-se que a pessoa que matou o policial estava em gozo de saída temporária. Daí a receita simples, que é facilmente assimilada pelo público impactado pela tragédia: “Vamos acabar com as saidinhas de presos”.


Não importa o fato de que, de qualquer maneira, em breve a pessoa presa voltará às ruas, seja em livramento condicional, prisão domiciliar ou mesmo após cumprir integralmente sua pena. Discutir os desafios para que essa pessoa não volte a delinquir e as falhas do sistema prisional nessa tarefa não é o melhor caminho para as curtidas. É mais fácil colocar a morte nos ombros da “saidinha”.


O apelido pejorativo ao instituto compõe a cereja do bolo da captação de likes.


Resume-se a violência à existência da saída temporária, sem análise de dados sobre a aplicação do instituto ou projeções científicas sobre as consequências de sua extinção.


A saída temporária acontece não apenas em datas comemorativas. Ela tem duração de 7 dias e pode ser renovada por mais quatro vezes durante o ano.


Porém, é cabível apenas para aqueles que se encontrem em regime semiaberto, que ostentem bom comportamento e que tenham cumprido 1/6 da pena (primário) ou 1/4 (reincidente). Além disso, é vedada a saída temporária para os que cumprem pena por crime hediondo com resultado morte.


Em Minas Gerais, dados levantados pelo MPMG demonstram que dos 3.707 presos que saíram no fim do ano de 2023, apenas 3,9% não retornaram, e destes, apenas 1,3% não foram rapidamente recapturados.
O cumprimento do dever de retorno sempre foi a regra, e a fuga, a exceção.


O Projeto de Lei 2.253/2022 aprovado pelo Senado, ao reduzir as saídas temporárias à sua quase inexistência, não se atenta para a importância do instituto para a prevenção da reincidência.


Esse instrumento traz para aquele que já cumpriu parte de sua pena o retorno paulatino à convivência familiar, conferindo-lhe um sutil aumento do nível de liberdade, lhe cobrando, proporcionalmente, mais responsabilidades.


Ao restabelecer uma convivência periódica, a saída temporária reduz também os efeitos nefastos da pena sobre os familiares, que se encontram privados do convívio com a pessoa custodiada.


A proposta contida no projeto aprovado no Senado desregula, por outro lado, o sistema progressivo e de responsabilização do preso, pois aproxima o regime semiaberto do fechado, reduzindo os incentivos para que se mantenha bom comportamento e não se pratiquem faltas graves.


Lembremos, ainda, que o sistema brasileiro não admite o cumprimento da pena no regime semiaberto em condições idênticas às do fechado. A saída temporária é um dos poucos institutos que diferenciam os regimes na prática.


A redução de direitos num sistema carcerário que já não garante o básico, por outro lado, fortalece a tendência de jovens encarcerados se tornarem presas fáceis das organizações criminosas, incrementando as possibilidades de se enveredarem, ainda mais, pela carreira no crime.


Extinguir a saída temporária é, portanto, medida apenas simbólica, que tenta atender a um clamor público, sem efeito positivo na prevenção da reincidência, trazendo, pelo contrário, sérios riscos de aumento da insegurança social. 

 

Paulo Henrique Drummond Monteiro

Defensor público de Minas Gerais com atribuição na Execução Penal. Membro da Câmara de Estudos em Execução Penal da DPMG. Mestre em Direito pela UFMG