Está dito, com todas as letras, no artigo 114, inciso I da Constituição da República, que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho”.


Entretanto, não obstante a clareza do Texto Constitucional, há no Brasil um movimento jurisprudencial, muito influenciado por recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, com nítida tendência ao indevido esvaziamento da competência constitucional da Justiça do Trabalho por compreender que as lides envolvendo relações de trabalho, sobretudo aquelas que visam discutir a natureza da contratação e obter a declaração judicial de vínculo de emprego, devem ser processadas e julgadas pela justiça comum, na contramão do que dispõe o já mencionado artigo 114, inciso I da CF/88.


Pois bem.


Quando um prestador de serviços autônomo, ou um trabalhador de aplicativo, ingressa em juízo contra o seu tomador de serviços, visando obter a assinatura de sua CTPS e o pagamento de verbas tipicamente trabalhistas, ao argumento de que a modalidade de contratação adotada foi desvirtuada e utilizada de forma inadequada, com o intuito de impedir a aplicação da CLT no caso concreto, será a Justiça do Trabalho, nos termos da Constituição da República, o órgão jurisdicional competente para apreciar a demanda e resolver o conflito.


Não se discute, neste momento, a existência ou não do pretendido elo empregatício. Tal conclusão é matéria de mérito, que caberá ao juiz sentenciar, após a instrução processual.


O que se coloca é que o juiz competente para dizer o direito no caso concreto é o juiz do trabalho, por sua vocação constitucional, e não o juiz de direito, ou juiz estadual, cuja formação e atuação jurisdicional passam ao largo das questões laborais.


Portanto, é preciso avaliar e repensar o rumo que a jurisprudência tem trilhado, pois a existência ou não do elo de emprego em uma determinada situação ou a autorização da terceirização em qualquer atividade da empresa ou mesmo a permissão legal de várias formas de trabalho que não apenas a relação de emprego, não têm o condão de alterar a competência constitucional da Justiça do Trabalho e tornar os conflitos oriundos da relação de trabalho inseridos na competência da justiça comum.


Trata-se, como visto, de institutos distintos! O primeiro, relacionado à esfera processual (competência), o outro, relacionado ao resultado (mérito da demanda).


Além disso, submeter ao crivo da justiça comum as ações relacionadas às relações de trabalho implica em efeitos colaterais e grave risco à efetivação da garantia constitucional da duração razoável do processo, uma vez que a justiça estadual receberá expressivo número de demandas e ficará ainda mais morosa e sobrecarregada, além de colocar em xeque também a qualidade e eficiência dos pronunciamentos judiciais a respeito, eis que o julgador não terá a especialização necessária para a matéria, o que também traduz prejuízo à garantia constitucional do acesso à ordem jurídica justa e adequada.


Enfim: está no DNA da Justiça do Trabalho dirimir conflitos decorrentes das relações de trabalho (gênero) e das relações de emprego (espécie). É exatamente para isso que ela foi concebida como integrante da estrutura do Poder Judiciário!


Por fim, nunca se pode perder de vista que o direito material do trabalho tem nítida natureza alimentar e existencial. Logo, o processo que lhe serve, como instrumento de jurisdição, deve ser constituído de princípios, regras e peculiaridades próprias, como é o caso do direito processual do trabalho. E toda essa engrenagem – direito material + direito processual – tem um palco jurisdicional reservado e especializado para sua concretização, claramente definido na Carta Magna de 1988: a Justiça do Trabalho. 

 

Conrado Di Mambro Oliveira
Diretor da Associação Mineira da Advocacia Trabalhista (Amat)