É grande o constrangimento entre os militares das três Forças, mas principalmente do Exército, diante do envolvimento de generais quatro estrelas e oficiais que lhe eram subalternos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. O vídeo que registra a reunião ministerial comandada pelo então presidente Jair Bolsonaro, em julho de 2022, encontrado no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, é um espanto, seja pelo conteúdo político golpista das intervenções de Bolsonaro e seus generais, seja pela linguagem utilizada.


Particularmente constrangedora é a referência feita pelo então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, aos então comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica: "Senhor presidente, eu estou realizando reuniões com os comandantes de Forças quase que semanalmente. Esse cenário nós estudamos, nós trabalhamos, nós temos reuniões pela frente decisivas pra gente ver o que pode ser feito, que ações poderão ser tomadas para que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições transcorram da forma como a gente sonha, e o senhor, com o que a gente vê, no dia a dia, tenhamos o êxito de reelegê-lo. Esse é o desejo de todos nós".


Havia uma clara estratégia de intervenção militar no processo eleitoral, cuja condução constitucionalmente cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e de "virada de mesa" em caso de derrota para manter o presidente Jair Bolsonaro no poder. Mas não havia correlação de forças externa e interna para que o golpe fosse bem-sucedido. Seria um banho de sangue fadado ao fracasso, mais cedo ou mais tarde. Além disso, houve forte resistência no Alto Comando das Forças Armadas, inclusive, da Marinha, em razão da maioria legalista.


Sabe-se que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, foi muito pressionado, mas resistiu aos apelos para que apoiasse um golpe de Estado antes ou depois das eleições. O comandante da Aeronáutica, brigadeiro-do-ar Carlos de Almeida Baptista Junior, se opôs fortemente ao golpismo. Em troca de mensagens por celular com Mauro Cid, o primeiro foi chamado de "cagão" e o segundo, de "traidor da pátria", pelo ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro. Somente o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, apoiaria um golpe de Estado, segundo disse, mas caso recebesse ordens diretas de Bolsonaro, o que não aconteceu.


Havia outros militares envolvidos na trama golpista, alguns até estão presos preventivamente, mas o fato concreto é que não conseguiram o apoio de suas respectivas instituições. As Forças Armadas não apoiaram o golpe, esse é o divisor de águas a ser levado em conta pela sociedade, os meios de comunicação, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Sim, houve omissão e tolerância diante das manifestações golpistas, principalmente em relação aos acampamentos à frente dos quartéis, mas há que se considerar que havia uma cadeia de comando e a ordem deveria partir do Ministério da Defesa.


Os que protagonizaram as cenas de vandalismo deploráveis em 8 de janeiro, ao invadirem o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), e que, agora, estão sendo condenados, foram incentivados, organizados e até financiados por ordem da cúpula golpista, que está sendo investigada pela Polícia Federal (PF). Entretanto, há que se evitar prisões preventivas e esculachos. O inquérito não pode se transformar numa crise militar; e o julgamento dos golpistas, um catalisador da crise institucional. É imprescindível que o inquérito siga rigorosamente os ritos do devido processo legal e respeite o princípio da presunção de inocência, de todos os suspeitos.


No âmbito das casernas, as Forças Armadas vão superar o golpismo com base na hierarquia, na disciplina, no espírito democrático e patriótico da maioria de seus oficiais generais. O regimento disciplinar e o "almanaque" das Forças Armadas, que estabelecem as regras de promoção por antiguidade e merecimento, são instrumentos eficazes para isso. Como instituição, Marinha, Exército e Aeronáutica mantiveram-se leais à Constituição de 1988. É o que mais importa para o Estado de direito democrático.