Já um político experiente e experimentado, o ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985), diante de um impasse, costumava aconselhar os seus colegas com uma frase que se tornou um bordão da moderação: “Não são os homens, mas as ideias que brigam”. Apesar de curta, a sentença carrega uma lição gigantesca de moderação, bom senso e equilíbrio, aspectos fundamentais na política. Afinal de contas, a disputa de propostas, de pontos de vista e de opiniões é absolutamente necessária em uma sociedade democrática e plural, e o amplo acesso ao contraditório é pilar óbvio de um debate justo. Mas isso não pode interditar a busca por um meio termo razoável, tendendo ao equilíbrio, não importando o assunto. Ou seja: os homens públicos, independentemente de qual cargo ocupem, podem – e devem – discordar entre si quanto a propostas, visões de mundo e meios de se chegar a um objetivo, mas não devem jamais entrar em conflitos pessoais.

Apesar de datar de mais de meio século, o ensinamento de Tancredo não estava sendo absorvido e respeitado pela classe política recentemente. Talvez por isso causou polêmica quando foi aplicado na última sexta-feira, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante um evento que contou com a presença do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no porto de Santos. No aniversário de 132 anos do entreposto comercial, os dois decidiram fazer, em conjunto, o anúncio de um investimento em parceria entre os governos federal e estadual para a construção de um túnel ligando Santos e Guarujá, promessa antiga de várias gestões e que nunca saiu do papel. Porém, assim que subiu ao púlpito, o governador paulista foi recebido com aplausos tímidos e uma sonora vaia, já que boa parte da plateia era formada por apoiadores do petista.

Foi o que bastou para que o presidente passasse um pito nos próprios seguidores. Lula repreendeu o público, criticou as vaias ao governador e defendeu que Tarcísio, pelo cargo que ocupa, merece ser tratado com muito respeito. Garantiu ainda que ele terá todo apoio do governo federal, já que comanda o estado mais importante da Federação, e concluiu dizendo que o evento se tratava de um retorno do país à normalidade. “Normalidade é a gente respeitar o direito à diferença”, finalizou Lula, diante de um Tarcísio visivelmente satisfeito, e em uma evidente interpretação do ensinamento de Tancredo. Ou seja, apesar das divergências, ambos se respeitam e pretendem, cada um ao seu modo, trabalhar por melhorias.

No que se pese a preferência política por um ou outro, é um alívio constatar que o país vai, aos poucos, retomando uma certa harmonia entre governantes, com atitudes republicanas e estadistas, marcadas pelo respeito entre os cargos e à liturgia. Afinal, o ensinamento de Tancredo de que oposição é uma coisa e criar inimigos e dificultar o andamento do país e das políticas públicas é outra, andava esquecido nos últimos anos. Tomados por um baixíssimo nível de debate, políticos de todas as classes estavam mais preocupados com ataques pessoais e brigas selvagens do que com a discussão de ideias, projetos e objetivos para melhoria do país.

É possível que o espanto que a situação causou seja reflexo da divisão política e ideológica profunda que o país ainda atravessa. Mas a atitude do presidente e do governador deixam claro que ainda há espaço para um caminho que deixe a briga entre os homens de lado e promova, tão somente, a briga de ideias. Assim, com respeito à divergência, ganham todos – principalmente a democracia.