A democracia brasileira tem muito a comemorar. Um ano depois da infâmia do 8 de janeiro, quando golpistas invadiram as sedes dos Três Poderes, o regime que preserva as liberdades e o direito ao contraditório está mais forte do que nunca. Não fosse, porém, a reação rápida e firme do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, o Brasil poderia estar amargando uma autocracia, em que os civis estariam com seus direitos cerceados. A sociedade deve se pautar pelo dia da barbárie para não permitir que o país flerte novamente com o autoritarismo.

Apesar do fortalecimento da democracia e do compromisso inequívoco da maior parte da população com esse regime, há um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil seja pacificado. Infelizmente, a divisão política inflamada pelas redes sociais e pela disseminação de fake news continua alimentando o ódio e semeando a discórdia. Há profundas feridas abertas por anos seguidos de ataques às instituições, aos Poderes constituídos, que precisam ser cicatrizadas. A cura passa pelo diálogo e pelo respeito à Constituição.

Não há dúvidas de que a regulação das redes sociais é um dos remédios a serem prescritos. O submundo digital se transformou numa ferramenta vital para que grupos que desprezam os sistemas democráticos usem a mentira para destruir a história e minar as bases dos pilares que sustentam o que se aprendeu chamar de civilidade. Trata-se de um movimento global, em que o Brasil é uma peça importante para a ação dos que repudiam as liberdades. Não por acaso, há, hoje, no mundo, um número maior de países com autocracias do que nações democráticas. É assustadora, por exemplo, a constatação de que metade dos jovens alemães não sabe exatamente o que foi o nazismo, fruto do desinteresse pelo fato, uma arma para os manipuladores.

Um ano após as atrocidades que ocorreram em Brasília, o país deve repudiar, com veemência, a tentativa de alguns segmentos da sociedade de minimizar os fatos. Os atos terroristas, que resultaram na destruição do coração da República e de parte importante do patrimônio histórico não foram coisas de maluco. As terríveis imagens guardadas na memória de todos escancaram que havia métodos e muito planejamento por trás das invasões ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Palácio do Planalto.

A punição aos que atentaram contra a democracia não pode se restringir aos que praticaram o vandalismo, deve atingir, sobretudo, aqueles que financiaram e idealizaram os movimentos golpistas. Não pode haver complacência, independentemente da origem, do poder econômico ou da farda vestida pelos que conspiraram em favor do autoritarismo. As penas devem decorrer de julgamentos justos e com amplo direito de defesa, tudo o que desprezam os artífices da infâmia. Assim como foi fundamental para evitar a ruptura institucional, o Judiciário brasileiro deve mostrar isenção e responsabilidade nesse processo.

Há que se ressaltar a coerência dos chefes das Forças Armadas. A despeito da tentação imperando dentro dos quartéis, todos optaram pelo compromisso com a democracia. Tiveram a consciência de que não poderiam abraçar uma aventura, sob o risco de empurrarem o Brasil para o caos e para o isolamento no mundo. A reação internacional, repudiando a tentativa de golpe, explicitou que 1964 não se repetiria. A partir de agora, cabe às instituições redefinirem o papel dos militares, para que fantasias golpistas sejam extirpadas de vez.

Nesta segunda-feira, 8 de janeiro de 2024, quando as instituições reforçarão o importante compromisso com a democracia, é fundamental que os brasileiros repudiem todo e qualquer movimento autoritário, que despreze as liberdades e os direitos básicos dos cidadãos. Quase 40 anos após o fim da ditadura, o Brasil deve concentrar todos os esforços para se tornar uma nação mais justa, com menos desigualdades sociais e mais oportunidades, em especial, para os mais pobres. É preciso reforçar que, nesse compromisso, previsto na atual Constituição, o 8 de janeiro de 2023 jamais se repetirá. E jamais será esquecido.