O número de pessoas que se declaram pardas no Brasil é, pela primeira vez, maior que o de brancas: 45,3% e 43,5% da população, respectivamente, segundo novos dados do Censo 2022. Desde 1991, a mudança se sinalizava. À época, as taxas eram de 42,5% e 51,6%, respectivamente; 20 anos depois, 43,1% e 47,7%. Com a virada no recorte cor ou raça, o país que se enxerga de um novo jeito tem, agora, informações oficiais para embasar mudanças cotidianas, incluindo um fazer político que considere a força do atual movimento de pertencimento étnico-racial e todas as suas facetas.


Somos mais pardos e também mais indígenas e pretos, por exemplo. E esse processo de reconhecimento foi, estatisticamente, ainda maior na última fase do recenseamento, de 2010 a 2022. Enquanto a população parda teve um aumento percentual de 11,9%, a evolução da indígena foi de 89%, e a da preta, 42,3%. No mesmo período, a população brasileira como um todo cresceu 6,5% – o que indica que apenas as taxas de natalidade não explicariam o atual retrato étnico-racial brasileiro.


Segundo a coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, Marta Antunes, fatores como migração, fecundidade e mortalidade serão considerados em futuras análises sobre esse novo recorte. A especialista explica que os critérios de pertencimento variam de acordo com o contexto social, as relações interraciais e a forma como cada indivíduo se percebe — ou seja, aspectos pessoais e coletivos. Não há dúvidas de que há um movimento em curso no país de valorização da negritude e de resgate das origens entre pessoas de diferentes faixas etárias.


Quanto aos aspectos mais coletivos, entre os fatores que podem favorecer a sensação de pertencimento, está a maior representatividade em cargos estratégicos públicos e privados. As contratações estão longe de reproduzir o Brasil das ruas, mas há sinais de mudança, como a nomeação de Sônia Guajajara, primeira ministra indígena do país, e, mais recentemente, a de Vera Lúcia Araújo, nova ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).


Em entrevistas ao longo deste ano, a advogada, que não “tem tradição jurídica na família”, ressaltou que o Brasil tem “uma elite negra cultural e acadêmica” preparada para dialogar com os governos e pensar junto. “O fazer jurídico pelo Estado somente pode ser qualificado se você insere na cúpula um pensamento mais diverso, mais oxigenado, que carrega os saberes das nossas maiorias” , indicou, em março.


Verinha é a segunda negra a ocupar uma vaga na instância máxima da Justiça Eleitoral – em agosto, o presidente Lula indicou Edilene Lôbo. Era também um dos nomes estampados em campanhas do movimento negro para a vaga do Supremo Tribunal Federal (STF) aberta com a aposentadoria de Rosa Weber. Esse tipo de pressão, segundo especialistas, ganha embasamento com dados científicos, como os do IBGE, que evidenciam as discrepâncias entre a forma como a população brasileira se percebe e como é representada.


Nesse sentido, os dados inéditos sobre a população quilombola brasileira, trazidos também pelo Censo 2022, são importante ferramenta estatística para jogar os holofotes sobre uma população ainda mais invisível no mapa oficial do país. Pela primeira vez, retratou-se um grupo composto por 1,32 milhão de pessoas, quase a população do Recife, distribuídas em 1.696 municípios. Presente na divulgação dos dados, a secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio, afirmou que, “para fazer política para o povo, é preciso fazer com o povo”. O povo respondeu ao chamado, disse aos recenseadores quem é e precisa ser legitimado.