Desde o veto dos Estados Unidos ao projeto de resolução do Brasil aprovado pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que propunha um imediato cessar-fogo na Faixa de Gaza, aprovado por 12 votos a favor, um contra e duas abstenções (Rússia e Inglaterra), existe um mal-estar entre o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O comportamento do governo de Israel em relação aos brasileiros que aguardam repatriamento na fronteira com o Egito e a atuação do embaixador israelense aqui no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, refletem essa tensão.

Na quarta-feira, o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu a uma recepção oferecida pela Embaixada de Israel a cerca de 300 parlamentares e posou para fotografias com Zonshine. Imediatamente, nas redes sociais circularam fake news que atribuíam ao ex-presidente a entrada dos brasileiros na lista de refugiados que deveriam ter saído de Gaza ontem, o que não aconteceu. Na verdade, o resgate dos brasileiros é objeto de longas negociações com as autoridades de Israel e Egito conduzidas pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e os embaixadores brasileiros nos dois países e na Cisjordânia.

A posição do Itamaraty diante da questão é não perder o foco nas negociações para resgatar os brasileiros que ainda correm risco de vida na Faixa de Gaza. Ou seja, não aceitar provocação. Na diplomacia, sabe-se que nenhum embaixador se comporta como Zonshine sem orientação de sua chancelaria – no caso, o governo de Israel. É nesse contexto que devemos examinar a suposta interferência do Mossad, o serviço secreto de Israel, nas investigações que estão sendo realizadas pela Polícia Federal sobre a suspeita de preparação de um atentado terrorista contra sinagogas e outras instituições judaicas no Brasil.

Em 10 de setembro, ou seja, antes do atentado terrorista do Hamas de 7 de outubro, o Federal Bureau of Investigation (FBI) alertou as autoridades brasileiras que pessoas suspeitas de ligação com o grupo islâmico Hezbollah planejavam cometer atos terroristas no Brasil. Na quarta-feira, a Justiça Federal foi acionada e autorizou a prisão de dois suspeitos e o comprimento de 11 mandados de busca e apreensão. Tanto a PF quanto o Ministério da Justiça e Segurança Pública têm evitado associar os alvos da operação policial à milícia xiita do Líbano.

A Operação Trapiche é resultado de investigações que a Divisão de Enfrentamento ao Terrorismo da PF instaurou após o FBI encaminhar às autoridades brasileiras uma lista de brasileiros natos ou naturalizados cujas identidades não foram reveladas até o momento e que estão sendo investigados, supostamente ligados a organizações terroristas. A Polícia Federal atua em cooperação com a Interpol e outros órgãos policiais, como o FBI.

Entretanto, as investigações são realizadas de acordo com a legislação e a orientação da Justiça brasileira. Por isso mesmo, a nota divulgada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na qual afirma que a operação foi realizada com a cooperação do Mossad e frustrou “um ataque no Brasil promovido pela organização terrorista Hamas” se inscreve na tentativa de Israel de pressionar o Brasil a apoiá-lo na guerra com o Hamas. A posição do governo brasileiro é a favor da paz e da ajuda humanitária aos civis palestinos.

Fez bem o ministro da Justiça, Flávio Dino, ao reagir de forma cautelosa e esclarecer que a PF realiza “uma investigação em torno da hipótese de uma rede terrorista buscar se instalar no Brasil”. Com razão, afirmou que “nenhum representante de governo estrangeiro pode pretender antecipar resultado de investigação conduzida pela Polícia Federal, ainda em andamento”.