Tanto o combate quanto a liberação das drogas são temas controversos. De um lado, muitos defendem a liberação, como um dos meios para quebrar as organizações de traficantes, que acirram a violência e adoecem a população. De outro, há os que cobram leis mais severas contra a venda e o consumo dos entorpecentes. Argumentam que os danos à saúde física e mental são, em sua maioria, irreversíveis, sobretudo nos adolescentes e jovens.

Os efeitos da drogadição vão além das infrações penais e dos conflitos entre grupos criminosos, que espalham terror e cadáveres nas cidades. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que a guerra às drogas reduz, em média, em 4,2 meses a expectativa de vida dos brasileiros e causa um prejuízo de R$ 50 bilhões anuais - equivalente a 0,77% do Produto Interno Bruto (PIB) - devido às milhares de mortes no país.

Em 2021, mais de 400 mil pessoas foram atendidas por drogadição nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), alvo de reclamações dos usuários que, nem sempre, conseguem a assistência desejada devido à superlotação de hospitais e postos de saúde. O Relatório Mundial sobre Drogas, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), avalia que cerca de 284 milhões de pessoas, entre 15 e 64 anos, no planeta usaram drogas em 2020 - aumento de 26% em relação a 10 anos antes.

O cenário é caótico. Ainda assim, novos alucinógenos sintéticos, criados em outros países, chegam ao Brasil, tornam-se "moda", atraem e são consumidos pelos jovens por seus efeitos "psicodélicos", semelhantes aos do LSD. Nesta quarta-feira, agentes da Polícia Civil do Distrito Federal, com apoio de policiais de Goiás e do Piauí, cumpriram dois mandados de prisão preventiva, quatro de prisão temporária e 18 buscas e apreensão contra o tráfico de ketamina na capital federal. A substância de uso veterinário é, comumente, usada pelos bandidos para dopar e furtar, entre outros crimes, as vítimas - o conhecido golpe "boa noite Cinderela" -, mas começa a ser usada por jovens nas baladas.

A xilazina ou droga zumbi, K9, foi produzida em laboratório para uso como sedativo e analgésico veterinário. No ano passado, ela se tornou popular nos Estados Unidos, por meio de vídeos divulgados pela internet, em que as pessoas perdem o domínio sobre seus movimentos. O médico da Casa Branca, doutor Rahul Gupta, diretor do escritório de combate às drogas, admitiu que a K9 é uma ameaça emergente - reconhecimento, até então inédito pela maior potência do do planeta. A K9 desembarcou na cracolândia de São Paulo, no ano passado. Em cinco meses afetou 98 pessoas. Neste ano, foram identificados 216 usuários.

Todos os ensaios para erradicar as cracolândias espalhadas pelo país não surtiram o resultado esperado. Os serviços de inteligência do poder público não conseguem chegar aos chefes dos tráficos nem asfixiar a economia paralela, que comanda um estado concorrente dos órgãos oficiais. Impõe-se que tecnologia e outros meios do Estado sejam dedicados ao enfrentamento dessa verdadeira epidemia que consome vidas e desvia recursos, que poderiam ser destinados à saúde e a outros projetos necessários ao bem-estar da sociedade. Eis um desafio hercúleo aos Três Poderes da nação. n