Denomina-se colostro o leite produzido pela mãe logo após o parto. Geralmente, o bebê se alimenta dele em torno de três a cinco dias, sendo substituído pelo leite maduro depois desse período. Ele é espesso, amarelado e rico em anticorpos. Oferece ao recém-nascido a cobertura e proteção ao seu sistema imunológico ainda vulnerável.


Junto com o leite materno, vem do núcleo familiar a linguagem com o seu tom, alto ou baixo, e repertório rico ou pobre. As feições dos mais chegados apontam para um acolhedor bem-vindo(a) ou rejeição. É da casa que vêm os sons, cheiros, sabores, amores e dissabores. Nesse aconchego, valores e cultura são apresentados, criticados e vividos. Na convivência do dia a dia, como uma membrana celular, dá-se contorno e filtra-se para que nutrientes entrem e que resíduos saiam.


A família, com o passar dos anos, segue proporcionando aos filhos essa capacidade de autorregular as trocas com o ambiente. Há nessa interação elementos básicos de avaliação, análise, crítica e posicionamento daquilo que se vê, lê, ouve e sente. Esse colostro existencial dará àquele que chega régua e compasso para seguir em frente e se encontrar na vida com outras réguas e outros compassos.
Esse acesso ao mundo de forma humanizada vem sendo substituído pelas telas. Segundo Michel Desmurget, doutor em neurociências e autor do livro “A fábrica de cretinos digitais” (2023), “o consumo digital recreativo das novas gerações não é apenas ‘excessivo’ ou ‘exagerado’; ele é extravagante e está fora de controle”. Houve, e ainda há, da parte de muitos setores da nossa sociedade uma louvação generalizada às inovações digitais, contudo, desprovida de crítica e reflexão sobre os riscos dessa exposição excessiva. As portas das casas e de parte das escolas sem o colostro protetor, sem filtro e sem freio, foram escancaradas para abrir passagem às inocentes distrações ofertadas pelas telas.


Hoje, as pesquisas têm demonstrado esse equívoco e temos presenciado os inúmeros efeitos colaterais nas vidas de nossas crianças e jovens. Somos surpreendidos a todo momento com atitudes de adolescentes cada vez mais novos, desprovidas de qualquer noção de perigo, ética ou civilidade. Quando percebem o barulho provocado pelas suas ações, muitos se espantam, como se não entendessem o motivo do alarde. Famílias, quando chamadas, não acreditam que seus filhos foram capazes de tanta maldade e aqui falamos de todos os requintes de ofensa e exposição alheia, potencializados pela inteligência artificial.


Olhando de fora, vêm os julgamentos: que absurdo! Expulsa, processa, lincha e, assim, com palavras de ordem, o veredito criminaliza crianças e jovens como delinquentes e infratores, que, curiosamente, são identificados como “estudante da escola tal” e nunca como “filho(a) de fulano(a) de tal”. É lançada sobre a escola a responsabilidade, inclusive, daquilo que começou fora dela. Concordamos que não há como se esquivar dessas temáticas nem separar esses territórios, mesmo porque, na ausência da rua e de comunidades, é na escola que tudo deságua. Só que isso tem um limite.


A maternidade e a paternidade fazem parte de um chamado ao trabalho, não necessariamente uma experiência romântica e, muito menos, feita para selfies. A metáfora do leite materno aponta para esse serviço intransferível, artesanal, elaborado e que leva tempo, mas que entrega ao ser mais frágil os parâmetros de que ele precisará para viver em sociedade.