Araucaria angustifolia, o pinheiro-do-Paraná, é uma espécie de árvore nativa do Brasil, está entre as raridades que podem desaparecer -  (crédito:  Hans ter Steege/Divulgação )

Araucaria angustifolia, o pinheiro-do-Paraná, é uma espécie de árvore nativa do Brasil, está entre as raridades que podem desaparecer

crédito: Hans ter Steege/Divulgação

Isabella Almeida

Pouco pode restar dos 24% originais da Mata Atlântica que resistem ao processo de desmatamento e às mudanças climáticas, cercados pela modernidade de concreto. O bioma abrange cerca de 15% do território nacional, conforme dados do SOS Mata Atlântica. Um estudo brasileiro detalhado, na revista Science, revela uma situação alarmante para o risco de extinção. De acordo com o relatório, aproximadamente dois terços das espécies de árvores que habitam essa biodiversidade estão agora ameaçadas de desaparecer. Isso inclui uma taxa de 82% das espécies endêmicas, exclusivas do bioma. Estima-se ainda que entre 35% a 43% de todas as espécies de árvores no planeta estejam sob ameaça de extinção devido à perda de habitat.

O sucesso das iniciativas de conservação depende frequentemente de avaliações precisas do estado de conservação das espécies, e uma dessas ferramentas é a renomada Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Essa lista categoriza os riscos de extinção com base em diversos critérios, mas sua elaboração requer dados detalhados, tempo e recursos consideráveis para cada espécie.

Em resposta a essa lacuna, Renato de Lima, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP-Esalq) e sua equipe desenvolveram um método inovador e automatizado. Baseando-se nas categorias e critérios da Lista Vermelha da IUCN, eles avaliaram o estado de conservação de todas as 4.950 espécies de árvores na Mata Atlântica, um hotspot relativamente rico em dados quando comparado a outras regiões de floresta tropical.

Preocupações

Os resultados são preocupantes: cerca de 65% de todas as espécies e alarmantes 82% das plantas exclusivas do bioma foram classificadas como ameaçadas. Embora a análise tenha redescoberto cinco espécies anteriormente listadas como extintas, identificou também 13 árvores exclusivas do bioma que agora estão possivelmente extintas.

Lima frisa que além de apontar quais espécies necessitam de atenção prioritária, como as espécies arbóreas classificadas como criticamente em perigo, eles descobriram qual é a principal causa de ameaça dessa biodiversidade: o desmatamento. "Também vimos onde estão concentradas ao longo da Mata Atlântica o maior número de espécies ameaçadas. Com o porquê e onde, podemos orientar quais devem ser as ações de conservação mais apropriadas e onde elas executadas."

Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, assinala que o grande destaque do ensaio é ressaltar que o desmatamento é um processo que ameaça cada espécie de forma única e que coloca em risco todos os ecossistemas e o bioma todo. "Olhando espécie por espécie, a gente olha questões mais pontuais, vamos proteger a espécie tal, o cedro, a peroba, vamos proteger o jequitibá e aqui o estudo mostra que é fundamental proteger a Mata Atlântica para a gente poder manter as suas árvores."

Alerta

O que foi encontrado a partir da pesquisa levanta a possibilidade de que o estado de conservação das florestas tropicais em todo o mundo seja mais crítico do que se imaginava. Para os estudiosos, as informações sugerem que as árvores podem estar entre os grupos de organismos mais ameaçados do planeta, exigindo ação imediata para reverter essa tendência preocupante.

Mary Sorage Praxedes da Silva Medeiros, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e gestora do Parque das Dunas, em Natal, Rio Grande do Norte, destaca o esforço conjunto de todos os atores da sociedade. "A começar pela mudança de postura colonial utilitarista, imediatista e de uso insustentável dos recursos naturais", diz ela.

Para a especialista, é urgente criar novas unidades de conservação (UC's). "Preferencialmente de proteção integral; ampliar os esforços de fiscalização nas UC´s já existentes; incentivar pesquisa científica, fortalecer e aprimorar a atuação dos órgãos ambientais que emitem licenças nessas regiões."

No entanto, Márcia Marques, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professora de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) reforça que os desafios para preservação são múltiplos, e que para criar unidades de conservação, é necessário que haja engajamento político, além dos estudos que delimitam as possíveis áreas.

"Uma espécie de ampla distribuição tem chances de ser conservada em outras áreas. As endêmicas, não, elas só podem ser conservadas ali. Isso impõe muito mais desafios para criar unidades de conservação que sejam efetivas para essas espécies endêmicas", afirma Márcia Marques.

Regeneração

"Muito da cobertura florestal de hoje é regenerada. Desde 2005, a Mata Atlântica já ganha mais do que perde, ou melhor, tem mais regeneração que desmatamento. No entanto, essa recuperação tem sempre uma floresta mais pobre no começo. Há estudos que mostram que vai demorar 90 anos, ou que nunca vai atingir a mesma quantidade de espécies de uma mata original. Essa floresta replantada é muito importante para absorver carbono, ela cresce no entorno dos rios, e protege a água. Tem que ser desmatamento zero para a Mata Atlântica, para que a gente consiga preservar essa biodiversidade que existe hoje." Marcos Reis Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.

Arquitetura antiga


Uma pesquisa internacional revelou um sistema urbano pré-hispânico surpreendente no alto Amazonas. Composto por plataformas, praças e estradas retas, o complexo urbano agrário de baixa densidade, datado de 2.500 anos atrás, destaca-se como o maior documentado na região. "Tal descoberta é outro exemplo vívido da subestimação da dupla herança da Amazônia: ambiental, mas também cultural e, portanto, indígena", frisou, em nota, Stéphen Rostain, cientista do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS) e líder do ensaio.

Reminiscente dos sistemas urbanos maias, a descoberta, detalhada, na revista Science, desafia a visão anterior da região. Localizado no Vale Upano, Equador Amazônico, o sítio abrange 300 km², com mais de 6 mil plataformas retangulares conectadas por estradas. As escavações arqueológicas indicam ocupação entre 500 antes de Cristo e 600 depois de Cristo pelos povos Kilamope e Upano.

Recentemente, vários outros sítios arqueológicos monumentais foram encontrados na floresta. Alguns deles contam com plataformas terrestres de vários tamanhos com diversas características, incluindo passagens, montes, canais, ou fortificações. Estão localizados em regiões como llanos de Barinas, na Venezuela, Llanos de Mojos, na Bolívia, no Alto Xingu e no centro da Amazônia, no Brasil.

O estudo destaca ainda uma extensa e complexa rede rodoviária de escala regional que conecta os centros urbanos e as áreas circundantes. Essa intricada malha viária demonstra avançadas habilidades de planejamento e engenharia. Os pesquisadores identificaram pelo menos 15 locais de assentamento distintos, revelando uma organização social complexa e a presença de comunidades interligadas. Para os cientistas, a amplitude temporal das escavações destaca a sustentabilidade e resiliência dessa civilização que prosperou em harmonia com a densa selva amazônica.

Sumiço na caatinga


Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros revela cenários preocupantes para a Caatinga, bioma semiárido do Nordeste do Brasil. Publicado na revista Global Change Biology o ensaio prevê um futuro catastrófico com uma projeção de 91,6% de perdas de espécies de mamíferos terrestres e 87% de perda de habitat, até 2060.

O ensaio antecipa os impactos considerando o aumento médio de temperatura nas terras áridas da América do Sul em até 2,7 °C até 2060, com prolongamento da estação seca."Esse é o melhor cenário, que pressupõe que a humanidade cumpra as promessas feitas no Acordo de Paris, reduza as emissões de gases de efeito de estufa e abrande o ritmo do aquecimento global previsto para as próximas décadas", frisou, em comunicado, Mário Ribeiro de Moura, autor correspondente do artigo, coordenador do estudo e pesquisador do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ao cruzar dados de projeções de temperatura do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) com informações de mamíferos terrestres na Caatinga, os cientistas usaram modelos estatísticos para avaliar a tolerância das espécies às mudanças climáticas. No entanto, mesmo sob o melhor cenário, apenas alguns animais, como tatus e veados, encontrarão ambientes adequados, enquanto primatas perderão sua casa.

Espécies pequenas, representando 54% dos mamíferos da Caatinga, serão as mais afetadas, com previsão de perda completa de habitat de 12,8% até 2060 e 30% até 2100, na pior hipótese. A região leste da Caatinga, próxima à zona de transição para a Mata Atlântica, será a mais impactada, ampliando preocupações com desflorestação e caça furtiva. O estudo destaca a necessidade urgente de integrar previsões de biodiversidade em políticas socioambientais e planos de conservação.