O Fórum Econômico Mundial (FEM) não pediu a proibição da agricultura urbana nem disse que essa é “a causa das alterações climáticas”, como afirmam mensagens nas redes sociais. As publicações são compartilhadas desde 5 de fevereiro de 2024 e somam mais de 2 mil interações, porém o estudo utilizado para embasar as alegações não foi publicado pelo FEM, mas pela Universidade de Michigan, e somente estimou que a emissão de carbono da agricultura urbana é superior à convencional. Contudo, seus autores não desestimulam o plantio, pelo contrário, recomendam aumentar e melhorar sua utilização.

“O Fórum Económico Mundial promove a proibição de alimentos produzidos localmente para ‘combater as alterações climáticas’”, diz uma das publicações compartilhadas noFacebooke noTelegram.

As mensagens também circulam emespanhol.

De acordo com asmensagens, em“um estudo recente do WEF[sigla do fórum em inglês]”os pesquisadores teriam descoberto“que os alimentos cultivados localmente estão ‘destruindo o planeta’”. Por isso, os usuários afirmam que“o FEM e outros fanáticos globalistas do clima exigem agora que os governos intervenham e proíbam as pessoas a cultivar seus próprios alimentos para ‘salvar o planeta’ do ‘aquecimento global’”.

Algumas publicações incluem, ainda, capturas de telas que apresentam a informação como sendo uma reportagem jornalística.

Uma busca reversa pelas imagens dos conteúdos no Google e com palavras-chave permitiu indicar que os materiais correspondem a traduções dos portais em inglêsNews AddicteSlay News. Este último já difundiu anteriormente desinformação verificada pela AFP (1,2).

Além disso, os conteúdos mencionam uma pesquisa da Universidade de Michigan“financiada pelo WEF”, estabelecendo uma associação falsa entre as entidades.

Fundado em 1971 por Klaus Schwab, seu atual presidente, oFórum Econômico Mundialé uma organização internacional não governamental que organiza reuniões anuais em Davos, na Suíça, que reúnem políticos, empresários e agentes da economia global.

“O estudo analisou diferentes tipos de fazendas urbanas para identificar quanto dióxido de carbono (CO2) foi produzido durante o cultivo dos alimentos(...)os pesquisadores financiados pelo FEM afirmam que o impacto no meio ambiente é quase cinco vezes maior”do que as práticas agrícolas convencionais, diz oAlerta Digital, portal que compartilhou a versão em espanhol e que também já foi desmentido pela AFP anteriormente (1,2,3).

Estudo não sugere proibir plantios urbanos

O artigo citado nas publicações virais existe, de fato, e foi publicado pela Universidade de Michigan em 22 de janeiro de 2024 na revistaNature Cities, e reproduzido peloThe Telegraph. Porém, as publicações atribuem uma conclusão contrária à dos autores.

Benjamin Goldstein, professor adjunto especializado em meio ambiente da Universidade de Michigan e coautor do estudo, disse à AFP:“Não pedimos de forma alguma a proibição da agricultura urbana ou a proibição do cultivo de alimentos no próprio jardim”.

As publicações virais também associam falsamente essa pesquisa ao Fórum de Davos. O estudo da Universidade de Michigan“não tem nenhuma relação”com o Fórum Econômico Mundial, afirmou Goldstein.

Na seção de Agradecimentos, o estudo menciona que se baseia no projetoFEW-meter, uma iniciativa europeia que analisa os resultados de diferentes formas de agricultura urbana. A sigla “FEW” provém de “Food Energy Water” (“Alimento Energia Água”, em português).

A pesquisa indica que o projeto FEW-meter é financiado por entidades do Reino Unido, da Alemanha, da França, dos Estados Unidos, da Polônia e da União Europeia. Não é mencionada nenhuma intervenção do Fórum Econômico Mundial.

Estudo incentiva desenvolvimento da agricultura urbana

A pesquisa consistiu em analisar 73 empreendimentos agrícolas nos Estados Unidos e na Europa e comparou a quantidade de emissões de gases de efeito estufa emitidas pela agricultura urbana com a da agricultura convencional.

“Os resultados e as conclusões[do estudo]se referem somente às três formas de agricultura urbana que estudamos — hortas parciais, hortas compartilhadas e fazendas urbanas — nos países em questão”, disse Goldstein.

Os autores concluíram que“a pegada de carbono dos alimentos provenientes da agricultura urbana é seis vezes maior do que a da agricultura convencional”, principalmente devido à infraestrutura utilizada para este tipo de agricultura.

Mais especificamente, o estudo menciona“os canteiros elevados, a infraestrutura e as estruturas de compostagem”. Além disso, destaca que a agricultura urbana deve ser mantida por“longos períodos”para absorver as emissões associadas às infraestruturas; por exemplo, permanecendo em atuação por 20 anos ao invés de cinco.

Porém, na prática, devido às“limitações do desenvolvimento”das cidades, este tipo de infraestrutura é muitas vezes criada para um uso temporário.

Ao invés de concluir que é preciso evitar essa forma de agricultura, o estudo aponta para a importância de promover o desenvolvimento desse tipo de infraestrutura em longo prazo, mais precisamente para reduzir a pegada de carbono da agricultura urbana.

“O objetivo desse estudo era ajudar as pessoas[que cultivam este tipo de agricultura]a reduzir seu impacto sobre o clima, mantendo ao mesmo tempo seus benefícios sociais e sanitários. Acreditamos que é possível e, por isso, estimulamos as cidades a adotarem políticas de apoio à agricultura urbana e as pessoas a participarem deste processo. Além disso, ao fomentar a longevidade da agricultura urbana e das fazendas[urbanas],as cidades reduzirão seu impacto ambiental”, acrescentou Goldstein.

Assim como outras organizações internacionais, o Fórum Econômico Mundial é constantemente alvo de teorias da conspiração que o acusam de querer instaurar uma“nova ordem mundial”para“controlar”a população. 

A AFP já desmentiu alegações atribuídas ao FEM em outras ocasiões (1,2,3). Schwab também já foi alvo de acusações falsas (1,2).

Referências

Estudo publicado na Nature Cities

Matéria sobre o estudo no The Telegraph

Site oficial do FEW-meter