Logo após justificar a existência de quase 40 ministérios em seu governo, Lula conta como começou a se interessar pela música brasileira, de Luiz Gonzaga a Maria Bethânia. "Eu sou da terra do forró", lembra, em sua live nas redes sociais.

Cenas como essa, em que o presidente mistura política e histórias pessoais, viraram rotina em 2023, lembrando as transmissões ao vivo de Jair Bolsonaro, mas nunca com o mesmo sucesso de seu antecessor.

Impacto que o ex-mandatário continua tendo mesmo fora do poder. Uma única live feita com seus filhos no último 28 de janeiro, em meio à investigação da Polícia Federal sobre a "Abin paralela", superou 2 milhões de visualizações no YouTube desde então.

Mais do que todas as transmissões juntas da série "Conversa com o presidente" de Lula, um programa pensado para ser semanal, mas que foi ao ar pela última vez em 19 de dezembro.

O exemplo é simbólico de como, após um ano de governo, Lula e seus aliados não alcançaram o bolsonarismo em termos de engajamento online, um importante desafio, inclusive para as eleições municipais de 2024. 

Para o professor associado da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Arthur Ituassu, que analisa compartilhamentos, comentários e interações de políticos em redes sociais, o cenário é claro: "Em qualquer métrica, a preponderância de políticos da direita radical em relação aos outros políticos brasileiros nas redes sociais é bem nítida".

O efeito disso pôde ser visto, na prática, em 8 de janeiro passado. Lula organizou uma cerimônia com a intenção de "lembrar que houve tentativa de golpe" quando simpatizantes de Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, um ano antes. 

Mas, nas redes sociais, muitos dos conteúdos com maior engajamento negavam o teor golpista dos atos.

No mesmo dia, das 25 publicações mais compartilhadas no X (antigo Twitter) sobre o tema, 20 vinham de contas de apoiadores de Jair Bolsonaro, segundo levantamento da consultoria Bites para o jornal O Globo.

- 'Acertos tímidos' -

Esse protagonismo digital pode ser valioso no Brasil, terceiro país que mais consome redes sociais no mundo, segundo pesquisa da empresa de análise de audiências Comscore.

E o governo parece reconhecer isso. Em janeiro deste ano, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência lançou um edital de R$ 197 milhões para contratar empresas que passarão a cuidar da comunicação digital do Executivo.

Mas, em 2023, os acertos nessa área foram "tímidos", aponta Viktor Chagas, professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF).  

"Diferentemente do que ocorria com as lives de Bolsonaro, Lula não usa esses programas para pautar os meios de comunicação, e não estimula suas bases para participarem de um diálogo", explica.

E, com o a saída de Flávio Dino do Ministério da Justiça para o Supremo Tribunal Federal (STF), o governo perde um bom jogador, como reconhece o ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta. 

"No governo cada um vai ter que se superar, melhorar, ter mais engajamento", aponta à AFP. "Não temos um Maradona, um Pelé para colocar no lugar do Dino". 

- 'Censura' -

Mesmo assim, o ministro avalia que o campo de batalha digital está "equilibrado". A direita pode ter um número maior de ativistas online com "grandes engajamentos", "mas nós temos uma rede maior, com pessoas de menor engajamento", defende.

Segundo ele, a força da direita se explica em grande parte pela disseminação de conteúdos falsos: eles fizeram das plataformas um "território da impunidade, onde as mentiras, as fake news e a desinformação ganham muito terreno". 

Diante das acusações de "fake news", o campo bolsonarista costuma alegar "censura", "perseguição" e até "ditadura", como fizeram quando o ex-presidente se tornou inelegível por oito anos por difundir informações falsas sobre o sistema eleitoral em uma reunião transmitida ao vivo na internet.

Mas há outro motivo para o destaque da direita nas redes sociais, coincidem os especialistas: o tipo de linguagem. 

"Sua mensagem é muito mais adaptável ao cotidiano, ela apela mais diretamente ao cidadão comum", opina Viktor Chagas, da UFF.

"Uma brutal simplificação dos problemas, dos discursos" faz com que "essas mensagens sejam mais impactantes, mobilizem mais", enfatiza Victor Piaia, professor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV ECMI).

A alguns meses das eleições municipais, essa mobilização pode fazer a diferença, destaca Piaia: "As redes sem dúvida têm papel central". 

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