O Congresso argentino retoma, nesta quinta-feira (1º), o debate sobre o controverso pacote de reformas ultraliberais do presidente Javier Milei, em um contexto de tensão após os incidentes registrados na véspera entre manifestantes e forças de segurança em frente ao Parlamento.

A Câmara dos Deputados, onde o partido no poder tem apenas 38 das 257 cadeiras, deliberou na quarta-feira durante mais de 12 horas e depois entrou em recesso até 12h00 (hora local e de Brasília) desta quinta-feira. 

Por meio de alianças, Milei espera ter apoio para aprovar "em geral" a Lei Ônibus de reformas econômicas, políticas, de segurança e ambientais de quase 300 artigos, mas o resultado final dependerá da votação "artigo a artigo" da lei.

A oposição antecipou que o projeto sofreria alterações e, de fato, o debate começou com o partido no poder enumerando uma longa lista de artigos retirados do parecer original, cujo texto ainda é desconhecido na sua totalidade e ainda está em negociação.

Milhares de pessoas se reuniram na noite de quarta-feira em frente ao Congresso em repúdio à lei. Houve momentos de tensão entre manifestantes e policiais uniformizados, que atiraram spray de pimenta seguindo o chamado protocolo "anti-piquetes" do governo, que proíbe o fechamento de ruas. 

Os líderes de esquerda relataram quatro a seis detenções, mas não há um número preciso no momento.

"Havia um grupo de meninas cantando o hino, bateram nelas, levaram-nas e não nos deixaram entrar para preservar sua integridade", disse o deputado da oposição Eduardo Toniolli aos repórteres. 

A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, publicou na rede social X que seu "protocolo para manutenção da ordem pública ESTÁ CUMPRIDO". 

A oposição peronista, que governou até dezembro, e a minoria de esquerda (104 deputados) rejeitam o projeto, que inclui a concessão de poderes legislativos "delegados" a Milei, o que alarma os seus críticos.

Uma vez aprovada, a lei seguirá para o Senado, onde o governo tem apoio de apenas sete dos 72 senadores, mas também espera contar com os mesmos aliados que conquistou na Câmara dos Deputados

"O projeto é polêmico, mas só para quem quer cuidar dos seus privilégios, que vêm do modelo anterior que nos trouxe até aqui, a esse lugar de miséria, de indigência", disse o deputado oficial ultraliberal José Luis Espert , ao abrir a sessão de quarta-feira. 

"Sei que os cidadãos estão maduros para viver em liberdade", disse ele.

- "Poderes delegados" -

Há cinco dias, para garantir a aprovação da lei, o governo retirou um "capítulo fiscal" do projeto, com o qual buscava assegurar o "déficit zero" nas contas fiscais.

Também abriu mão de alterações no sistema previdenciário, que afetariam a atualização periódica da renda de quase seis milhões de aposentados, depreciada pela inflação.

A oposição rejeita a extensão e o alcance dos "poderes delegados", que permitem governar por decreto e que Milei exigiu para introduzir as reformas que forem excluídas na Lei. A situação propôs limitá-los a um ano e excluir os temas tributários e previdenciários.

O texto original da Lei Ônibus garantiria a Milei um corte nos gastos públicos de cerca de 5% do PIB, promessa que agora ele afirma alcançar com outras medidas de ajuste.

Desde que assumiu a Presidência há 50 dias, Milei concentrou suas reformas na Lei Ônibus e em um "megadecreto", com os quais pretende redefinir o sistema econômico e modificar centenas de normas e leis, visando reverter uma crise que mantém mais de 45% dos argentinos na pobreza, com uma inflação anual de 211% em 2023.

Milei já avançou com uma desvalorização em 50% do peso e a liberação de todos os preços da economia, acelerando a inflação para 25,5% em dezembro.

Além disso, resgatou o programa de crédito de 44 bilhões de dólares (R$ 217,3 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que elogiou esses primeiros ajustes, mas previu uma recessão de 2,8% na economia argentina em 2024. 

Após ser eleito, Milei reconheceu que o país entraria em uma fase de "estagflação", com duração prevista de dois anos.

Na quarta-feira, o FMI aprovou a liberação de 4,7 bilhões de dólares (23,2 bilhões de reais) – para saldar a sua própria dívida – em apoio às "medidas ousadas" de Milei, embora tenha alertado que "o caminho para a estabilização será difícil".

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