Uns querem alimentar um planeta superpovoado, outros, mantê-lo habitável. As posições entre agricultores e ambientalistas parecem inconciliáveis enquanto a insatisfação aumenta nos campos da Europa.

A França é um exemplo. O setor agrícola provoca 19% das emissões nacionais de gases de efeito estufa, e ao mesmo tempo, é vítima da mudança climática, que impacta seus rendimentos.

A questão ambiental não é um tabu, garante a federação de sindicatos agrícolas francesa, a FNSEA. No entanto, a União Europeia e o seu Acordo Verde geram mal-estar entre os agricultores. 

É o "menor denominador comum" de um mundo agrícola com demandas dispersas, setoriais e territoriais, afirma Pierre-Marie Aubert, do think tank IDDRI sobre desenvolvimento sustentável e relações internacionais. 

O Acordo Verde é uma estratégia europeia que reúne uma série de medidas, como a redução de pesticidas, com o objetivo de alcançar a neutralidade de carbono no bloco até 2050 e cumprir os objetivos do Acordo de Paris. 

"Não somos envenenadores! Pedimos apenas para viver livremente e que nos paguem por nosso trabalho", resumiu Thierry Sénéclauze, produtor de cereais no sudeste de França.

- "Viabilidade" -

O líder da FNSEA, Arnaud Rousseau, garante que os agricultores estariam dispostos a abolir "todos os pesticidas" se houvesse "outra solução", enquanto critica os obstáculos administrativos à plantação, por exemplo, de sebes (plantas que servem como barreiras), refúgio para a biodiversidade. 

Mas as ONGs ambientais denunciam a pressão constante em Bruxelas por parte de grupos agrícolas para relaxar as normas ambientais que, para o Greenpeace, procuram "garantir a viabilidade" do sistema alimentar e, portanto, "a sobrevivência dos agricultores". 

Em relação aos pesticidas, os sindicatos majoritários querem "avaliações de risco mais rápidas para introduzir novos pesticidas no mercado. Esta é a exigência oposta", afirma François Veillerette, porta-voz da ONG Générations Futures.

"É um mundo agrícola totalmente desamparado porque é responsabilizado pela urgência e necessidade de mudança, quando o problema é tão industrial e social quanto agrícola", explica Aubert.

- Alqueive e comércio -

A FNSEA critica a trajetória de "redução" de 15% da produção agrícola prevista no Acordo Verde e a obrigação de colocar 4% das terras aráveis em alqueive(ou pousio, uma pausa em terras já lavradas), em um contexto de tensão alimentar ligada à guerra na Ucrânia. 

A estratégia é ainda mais repudiada enquanto a UE negocia acordos de livre comércio que permitiriam a importação de produtos agrícolas mais baratos de outras regiões do mundo com regras menos rigorosas, como do Mercosul. 

A diminuição dos produtos fitossanitários disponíveis, sem ainda haver alternativas, também leva os produtores a "um beco sem saída que leva a importar mais e a destruir a agricultura francesa", segundo Rousseau. 

Os produtores de cereais rejeitam, por exemplo, o plano Ecophyto francês, que pretende reduzir à metade a utilização de pesticidas até 2030 (em relação ao período 2015-2017), defendendo que já a reduziram "46% em 20 anos".

- Paradoxo -

O pesquisador do IDDRI aponta um paradoxo: a rejeição ao Acordo Verde, que "de fato não teve nenhum impacto", já que dos 27 projetos em sua vertente agrícola, oito foram adotados de forma não vinculante e outro - na revisão do regulamentação de produtos fitossanitários - tratava de preparações naturais "de pouca preocupação". 

A questão da "redução da produção" é um ponto de atrito porque, na sua opinião, "a maioria do mundo agrícola quer acreditar que o sistema atual funcionará ante os desafios atuais: adaptação à mudança climática, competitividade dos setores, renovação geracional...". 

"A divergência é especialmente explicada por isto: quanto mais biodiversidade é colocada nos campos, mais aumentam as limitações de produção", diz Aubert, para quem a Europa deve considerar as dificuldades da transição e a viabilidade econômica para os agricultores.

sb/tjc/avl/jc/aa