Há quatro anos, os jovens chilenos lideraram um levante social que sacudiu a América Latina e resultou no processo de remoção de um símbolo do passado: a Constituição da ditadura de Pinochet. No entanto, foram perdendo o interesse e protagonismo ao longo do tortuoso caminho.

Neste domingo, os chilenos votarão em um plebiscito sobre a segunda proposta de Constituição redigida em menos de dois anos, que, segundo as últimas pesquisas, pode ser rejeitada, assim como aconteceu com o primeiro projeto elaborado por movimentos de esquerda com o apoio do jovem presidente Gabriel Boric, de 37 anos.

"Há um desgaste. O Chile passa por eleições há mais de cinco anos, uma após a outra. Então as pessoas estão cansadas, esgotadas com o assunto. Dizem: 'o que nos garante que isso vai mudar?'", afirma Fernanda Ulloa, estudante de Ciências Políticas e presidente da juventude do partido político Evópoli (centro-direita), de 24 anos.

Após o fracasso do primeiro projeto, que propunha transformações profundas, como o direito ao aborto, iniciou-se um novo processo de reforma, desta vez liderado por um conselho escolhido por voto popular e dominado pelo Partido Republicano (extrema direita). Este segundo projeto propõe uma Constituição mais conservadora que a atual.

"Os movimentos estudantis não têm a força que tinham, e não estão mobilizados por este plebiscito, pois é entre a Constituição de 1980 e uma Constituição mais à direita que a de 1980", explica à AFP Claudia Heiss, cientista política da Universidade do Chile.

- Necessidades reais -

E embora a Constituição atual tenha passado por várias reformas que eliminaram suas normas mais autoritárias, ela ainda divide este país de quase 20 milhões de habitantes, com 70% nascidos após o início da ditadura.

Em 2019, os jovens protestaram em massa por maior acesso à educação e saúde, e a favor de aposentadorias justas, serviços praticamente privatizados desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). O levante acabou se tornando um clamor generalizado contra a desigualdade.

Mas entre uma discussão constitucional e outra, a sociedade mudou. O custo de vida, juntamente com a insegurança -que a direita relaciona à migração, principalmente de venezuelanos-, passaram a ser suas maiores preocupações.

"No final, os dois processos acabaram se afastando das necessidades reais das pessoas, mas a vontade transformadora ainda não se extinguiu", afirma Catalina Lufín, de 22 anos, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile.

- Aborto em revisão? -  

Mesmo assim, um dos temas que poderia despertar o interesse dos jovens é a lei do aborto de 2017, que autoriza a prática em três casos (risco de vida da mãe, inviabilidade do feto ou estupro) e que, sob a nova iniciativa, poderia ser revisada.

O Partido Republicano introduziu uma mudança aparentemente de forma, mas que alertou os movimentos feministas. Em vez da "proteção ao que está por nascer", vigente atualmente, o novo texto consagra o mesmo direito para "quem" está por nascer, o que, segundo seus defensores, garante que a vida começa desde a concepção.

"Na juventude republicana, assumimos como um desafio ser uma geração 'pró-vida' que se propõe, não hoje, mas nos anos necessários, a não ter nenhuma lei de aborto em nosso país", afirma o presidente da juventude do Partido Republicano, Cristóbal García, de 27 anos.    

- Direitos sociais -

A nova proposta aprofunda a autonomia do ensino nas escolas, dando até mesmo às famílias a opção de "ensinar por si mesmas" aos seus filhos, em vez de enviá-los à escola.

Também prevê que o Estado, em vez de atribuir um orçamento geral às escolas, pague por aluno matriculado, mantendo ainda a gratuidade em algumas universidades para os mais pobres.

Sem financiamento, dissipa-se o desejo de "educação pública, gratuita e de qualidade", observa Lufín.

Além disso, fortalece as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP) privadas, criadas na ditadura e muito criticadas pelas aposentadorias que fornecem: uma média equivalente à metade do salário mínimo (530 dólares) para as mulheres a partir dos 60 anos e para os homens a partir dos 65.

- Indígenas -

Embora o novo texto reconheça pela primeira vez os povos indígenas, não estabelece normas claras que garantam sua autonomia, como propunha a Constituição rejeitada em 2022, que declarava o Chile como um estado "plurinacional".

"Tínhamos que reconhecer constitucionalmente os povos originários, mas também tínhamos que dar-lhes participação política", lamenta Andrés Calfuqueo, estudante mapuche de Ciência Política da Universidade Católica, de 23 anos.

Historicamente discriminados, os indígenas representam 12% da população no Chile.

Caso neste domingo o "contra" prevaleça, a Constituição da ditadura será mantida, e o Chile terá voltado ao ponto de partida.

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