Os chilenos começaram a votar, neste domingo (17), um plebiscito que irá determinar a manutenção da criticada Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet ou escolher um novo texto ainda mais conservador, longe da efervescência com a qual este processo político teve início há quatro anos.

Mais de 15 milhões de chilenos estão habilitados a votar "a favor" ou "contra" uma proposta de Constituição elaborada por um órgão dominado pelo ultraconservador Partido Republicano.

O texto reduz o peso do Estado, pode limitar alguns direitos, como o aborto terapêutico, e endurece o tratamento aos migrantes com a expulsão "no menor tempo possível" daqueles que estão em situação irregular.

As pesquisas, que não podem ser divulgadas nas duas últimas semanas antes da eleição, antecipam uma vitória da opção "contra", embora uma percentagem de dois dígitos de indecisos possa fazer pender a balança.

"Não estou muito interessada na escolha. Vou votar porque é obrigatório, mas sei que não vai dar em nada, vai acabar tudo igual", disse à AFP a técnica de enfermagem Paula, de 24 anos.

As mesas de votação abriram em todo o país às 8h locais (mesmo horário em Brasília) e funcionarão até as 16h. A previsão é de uma contagem rápida dos votos.

- Esgotamento constitucional -

Em novembro de 2020, 80% dos chilenos decidiram iniciar um processo para mudar a Constituição em vigor desde a ditadura (1973-1990), em resposta aos protestos maciços e violentos que eclodiram no país em outubro de 2019.

Uma Assembleia Constituinte comandada pela esquerda redigiu um texto progressista, que incluía transformações profundas, como a eliminação do Senado e o direito ao aborto, mas que acabou afastando os eleitores, que o rejeitaram por 62%.

Posteriormente, outro processo liderado pelo Partido Republicano elaborou um texto sob sua ideologia, mas sem chegar a um consenso.

"Há um esgotamento dos cidadãos em relação ao processo constitucional, onde nem no primeiro processo como neste não se chegou a um consenso sobre o que queriam", disse à AFP a advogada Carolina Lefort, de 42 anos.

- Outro Chile -

O aumento dos crimes violentos — que os chilenos associam à chegada de migrantes estrangeiros, em sua maioria venezuelanos — e uma economia que não arranca depois de um forte ajuste destinado a conter a inflação concentram agora a atenção da população.

Quatro anos após saírem às ruas para pedir maior justiça social, os habitantes agora querem mais policiais, ordem e segurança.

"É outro Chile. O país mudou drasticamente (...) e, de certa forma, tornou-se um país mais latino-americano. Os chilenos sempre se consideraram uma exceção, um país mais europeu, e não como os seus vizinhos, e agora parecem um pouco mais parecido com eles", analisou Michael Shifter, ex-presidente da instituição Inter-American Dialogue e professor da Universidade de Georgetown.

Embora reformada diversas vezes na democracia, mudar a Constituição de Pinochet era uma aspiração antiga da esquerda chilena, que denuncia sua origem ilegítima e a fraca proteção aos direitos sociais como saúde, habitação, aposentadorias e educação.

No entanto, confrontados com uma proposta ainda mais conservadora, os partidos de esquerda chilenos fazem um apelo ao voto "contra". 

"Prefiro voltar ao ponto de partida, que não é 100% a Constituição da ditadura, a ter um texto ruim que prejudica todos os chilenos e que nos divide profundamente", disse Carolina Leitão, porta-voz da campanha contra o novo texto conservador.

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