Candidato opositor Javier Milei acusa governo brasileiro de agir para influenciar a eleição a favor de seu rival, Sergio Massa; autoridades negam -  (crédito: Reuters)

Candidato opositor Javier Milei acusa governo brasileiro de agir para influenciar a eleição a favor de seu rival, Sergio Massa; autoridades negam

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Na contagem regressiva do segundo turno da eleição presidencial deste domingo (19/11) na Argentina, o candidato opositor Javier Milei, da coligação 'A Liberdade Avança', intensificou suas críticas contra o Brasil e os brasileiros e envolveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no que chamou de "campanha do medo".

A cinco dias antes da votação, diante de uma multidão na cidade de Rosario, a terceira maior do país, Milei pediu que seus eleitores "não sejam influenciados pelo medo" que, na sua visão, vem sendo imposto pela campanha do adversário, o ministro da Economia e presidenciável Sergio Massa, da 'União pela Pátria' (UP).

Vestido de jaqueta e jeans pretos, microfone em punho, falando de um caminhão branco, transformado em palco, na sequência da referência à "campanha do medo", ele citou o presidente brasileiro.

"Que [o candidato da situação] guarde todo o dinheiro que gastou com esses malditos brasileiros que vieram fazer campanha suja e pagos por Lula. Aqueles que falam sobre indústria nacional [Massa e sua equipe], contratam brasileiros para contaminar a campanha argentina", disse Milei.

O ultraliberal levou assim para o palanque os ataques que tinha realizado durante entrevistas à imprensa argentina e de outros países.

"Ele [Massa] trouxe brasileiros para me sujar, publicando vídeos que dizem coisas sem pé nem cabeça sobre mim", disse em entrevista ao canal LN+, de Buenos Aires.

No fim de semana passado, durante o debate presidencial com Massa, Milei já havia feito comentários semelhantes.

"Diga a seus amigos brasileiros que editem melhor os vídeos", afirmou em resposta a afirmações de Massa sobre o adversário.

E, na semana passada, durante entrevista a um jornalista peruano, Milei descreveu o presidente Lula de "comunista" e "corrupto", azedando ainda mais o tom do que pode ser a relação bilateral com o principal parceiro argentino, caso ele seja eleito o novo ocupante da Casa Rosada.

Se Milei vencer as eleições deste domingo, poderia haver uma "reedição" do que foi a relação entre o atual presidente Alberto Fernández e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo Juan Gabriel Tokatlian, professor de Relações Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella.

Ou seja, uma relação tensa e "com diálogo difícil", acrescentou o analista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires.

O próprio Milei se referiu àquele período, lembrando que Fernández e Bolsonaro não se falavam.

Ele indicou que o mesmo pode ocorrer, se for eleito, e acrescentou que os empresários "serão livres para negociar com os países que quiserem", mas que seu eventual governo não teria relação com o Brasil.

Mas, ao mesmo tempo, comentaram diplomatas brasileiros, como os dois países "se necessitam mutuamente pela ampla agenda que possuem", com o tempo, caso Milei seja eleito, a tendência seria de "normalização da relação", já que a Argentina depende do mercado brasileiro para suas exportações enquanto o mercado argentino é o principal destino das exportações industriais brasileiras.

Apoiadores de Milei
Reuters
Se Milei for eleito presidente da Argentina, relação com Lula pode ser tensa e 'com diálogo difícil', avaliam analistas políticos

O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina e nesta campanha passou a ser um tema onipresente no país vizinho.

Não somente pelas declarações de Milei ou pela agenda que pauta a relação bilateral, como o comércio e a forte presença de estudantes brasileiros no país vizinho.

Pesquisas apontam que o ultraliberal estaria à frente nas intenções de voto, mas dentro da margem de erro ou com pouca diferença para Massa, dependendo da sondagem.

Na terça-feira (14/11), em entrevista em seu podcast, Lula lembrou da importância da relação entre os dois países e, mesmo sem dizer os nomes dos candidatos à Casa Rosada, sugeriu preferência por Massa — defensor do Mercosul e da relação bilateral.

"Não posso falar sobre a eleição argentina porque é um direito soberano do povo argentino. Mas queria pedir para vocês [argentinos] que vocês lembrem que o Brasil precisa da Argentina e a Argentina precisa do Brasil", disse Lula.

"Dos empregos que o Brasil gera na Argentina e dos empregos que a Argentina gera no Brasil. Do fluxo comercial entre os países e de quanto nós podemos crescer juntos. Para isso é preciso ter um presidente que goste de democracia, que respeita as instituições, que goste do Mercosul, que goste da América do Sul", acrescentou o petista.

Na opinião do analista argentino Rosendo Fraga, Milei "tem razão" quando se queixa da presença de equipes de assessores brasileiros na campanha de Massa.

"Sem dúvida, elas foram decisivas para a vitória de Massa no primeiro turno. E, ao mesmo tempo, depois que Milei disse que Lula é comunista e corrupto é natural que o presidente reaja e prefira a outra opção [para a Casa Rosada]", diz Fraga.

Logo depois das acusações de Milei contra Lula, o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, disse, em entrevista ao jornal O Globo, que as declarações do ultraliberal "são absolutamente erradas".

"Já vivi uma situação similar com Bolsonaro, e conseguimos reconstruir o vínculo bilateral. Agora [com Milei] nos encontramos com numa definição que é absolutamente errada, porque Lula não é nem comunista, nem corrupto. Que Lula não é corrupto foi dito, nada mais e nada menos, do que pela Corte Suprema de Justiça do Brasil, que falou no uso da Justiça com fins políticos", disse Scioli.

Em um almoço com empresários, na quinta-feira (16/11), Massa voltou a falar sobre a importância da relação com o Brasil, dizendo que o país gera empregos para os argentinos.

"Romper relações com o Brasil e o Mercosul resultará em 150 mil postos de trabalho a menos para os trabalhadores do setor automotivo da Província de Córdoba", disse ele.

Cartaz de campanha de Sergio Massa
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Na campanha, Massa tem falado sobre a importância da 'união nacional', contrastando com as atitudes de seu adversário político

Na campanha, o candidato governista tem falado sobre a importância da "união nacional" e sem demonstrar impaciência ou irritação, contrastando com os rompantes de seu adversário político.

A postura e as falas de Massa — que fazem até recordar o período da campanha de "Lula paz e amor" — também foram alvos das críticas de Milei.

"Houve um tempo em que vimos a Cristina (Kirchner, ex-presidente da Argentina) moderada, da sintonia fina, e acabou reeleita com 54% e fez coisas absurdas na sua gestão", disse Milei, em entrevista ao canal TN, de Buenos Aires.

Na reta final da campanha, Milei, por sua vez, deixou de ostentar a motosserra, que ergueu nas carreatas pelo interior do país e passou a dizer que "a esperança deve vencer o medo", enquanto um maior número de seus eleitores saiu com os rostos pintados como leões — alguns chegaram até a levar leões de pelúcia para os atos.

O animal é o símbolo da campanha do libertário, inspirada na sua cabeleira.

Falar sobre o Brasil passou a ser algo quase diário na campanha presidencial argentina.

Logo após o resultado do primeiro turno da eleição presidencial, no dia 22 de outubro, Massa teria recebido uma mensagem do presidente Lula parabenizando-o pelo resultado, segundo matéria do jornal argentino Clarín.

"Excelente, meu amigo", reproduziu o jornal argentino.

Na ocasião, Massa recebeu 36,6% e Milei 29,9%, segundo dados oficiais.

O portal de notícias La Politica online chegou a informar que "no governo de Lula comemoraram a vitória de Massa como uma derrota de Bolsonaro".

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, escreveu em suas redes sociais sobre a vitória de Massa no primeiro turno.

"Uma forte resposta do povo argentino nas urnas. Parabenizo o primeiro colocado na eleição desse domingo @SergioMassa. Viva a democracia!", escreveu Pimenta, com uma foto sua ao lado de Massa.

Nesta semana, procurado pela BBC News Brasil, o governo brasileiro não respondeu, até a conclusão desta reportagem, sobre o suposto vínculo de assessores ligados a Lula na campanha de Massa.

"O que sei é que as agências brasileiras que estão trabalhando na campanha de Massa são próximas do PT", afirmou um marqueteiro político, sob a condição do anonimato.

Um assessor do Partido dos Trabalhadores em Brasília afirmou: "As pessoas que estão aí são de agências comerciais que trabalham em várias campanhas pelo mundo, inclusive para candidaturas de direita [no Brasil e no exterior]. Não têm qualquer fundo de verdade a ideia que o Milei espalha sobre vínculo dessa galera com o PT."

Procurada pela BBC News Brasil, a assessoria do PT não respondeu até a conclusão desta reportagem.

Por sua vez, a assessoria de campanha de Massa disse que "não comenta estratégias de campanha".

A BBC News Brasil também procurou assessores do governo Lula, do PT e Edinho Silva, ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social durante o governo Dilma Rousseff, e agora prefeito de Araraquara.

Uma pessoa próxima de Silva descartou que ele esteja na campanha de Massa, como havia circulado.

"Completamente falso", disse, sob a condição do anonimato. "Aliás, ninguém que está aí [na Argentina] está no PT", acrescentou.

O partido divulgou uma nota, no dia 5 de novembro, declarando apoio a Massa.

"Dois projetos de sociedade se enfrentam: um, representado pela candidatura presidencial de Sergio Massa, de perfil democrático e popular, com um programa de governo de desenvolvimento e justiça social; e outro, do candidato Javier Milei, representando a extrema-direita e o ultraneoliberalismo econômico do salve-se quem puder", diz o texto.

Fontes conhecedoras da relação próxima entre Lula, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, e Massa dizem que foi o petista quem sugeriu nomes de marqueteiros brasileiros para trabalhar com o presidenciável argentino.

Lula teria indicado Sidônio Palmeira e Raul Rabelo, que atuaram em sua campanha de 2022.

Eles, porém, não seriam os únicos nomes de especialistas brasileiros em campanha definindo o rumo da campanha de Massa.

Um dos nomes dessa equipe brasileira na Argentina mais citados na imprensa local e brasileira é Otávio Antunes, que fez a campanha presidencial do petista Fernando Haddad em 2018 e assessorou o atual ministro na disputa pelo governo de São Paulo no ano passado.

Duas fontes com conhecimento do assunto confirmaram à reportagem que Antunes está trabalhando para Massa.

No âmbito político da situação no Brasil e na Argentina, como a reportagem apurou, a "ajuda" do presidente Lula na campanha do candidato governista do país vizinho foi convidar a Argentina para ser parte do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a partir de janeiro, e pedir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que "desse um tempo para a Argentina cumprir seus compromissos" com o organismo.

Segundo uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Antunes integra a equipe de marqueteiros que se intitulou "brigada antifascismo" dentro da campanha de Massa, especializando-se em buscar ataques e contra-ataques a Milei.

Um dos trunfos seria usar a experiência dos petistas em campanhas contra o bolsonarismo que, assim como Javier Milei, mira as redes sociais.

Ainda segundo a Folha de S. Paulo, não é a primeira vez que Antunes tenta levar esse know-how anti-bolsonarista para fora.

Segundo o jornal, o publicitário trabalhou na campanha presidencial vitoriosa de Gustavo Petro na Colômbia.

Javier Milei ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro
Reprodução
Milei conta com apoio de nomes do bolsonarismo, como Eduardo Bolsonaro

Já Milei conta com apoio de nomes expressivos do bolsonarismo, como o do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que esteve em Buenos Aires durante o primeiro turno das eleições presidenciais e concedeu entrevistas à imprensa argentina dizendo que esperava a vitória do ultraliberal.

O ex-chanceler Ernesto Araújo do governo Bolsonaro esteve no comitê de campanha Milei, no dia da eleição.

Ele afirmou que a vitória de Milei poderia representar um "estímulo" para a direita no Brasil, após a derrota de Bolsonaro para Lula.

"Esperamos que [a eleição de Milei] seja um novo estímulo para os conservadores no Brasil", disse.

O próprio Bolsonaro já fez várias declarações de apoio ao adversário de Massa.

"Olá, prezado Javier Milei. [Aqui é] Jair Bolsonaro. Temos muita coisa em comum. A começar que nós queremos o bem dos nossos países. Nós defendemos a família, a propriedade privada, o livre mercado, a liberdade de expressão, o legítimo direito à defesa e queremos sim ser grandes à altura do nosso território e da nossa população", disse o ex-presidente num vídeo que divulgou apoiando Milei antes das eleições primárias, realizadas em agosto, e que antecederam o primeiro turno.

Fora da esfera política, nesta semana, brasileiros que moram em Buenos Aires e que reprovam a gestão de Bolsonaro, se manifestaram a favor de Massa e contra Milei durante viagens no metrô de Buenos Aires, segundo as TVs locais.

"Milei é Bolsonaro", disseram.

Segundo o analista político argentino Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires, a presença brasileira na campanha argentina não é novidade.

Na campanha de 2015, lembra ele, o ex-presidente Maurício Macri "reclamava que Lula fazia campanha a favor de Scioli" (hoje embaixador argentino no Brasil).

"Lula também apoiou claramente a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, em 2019, e Fernández visitou Lula na cadeia depois que foi indicado candidato à Casa Rosada", conclui Fraga.