Um mapeamento da qualidade do ar feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que os índices de poluição do ar em diversas vias de Belo Horizonte estão acima dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O levantamento faz parte do programa de pós-graduação em geografia do Instituto de Geociências (IGC) da UFMG e foi feito em sete vias da capital, em duas estações diferentes – inverno e verão – entre os anos de 2022 e 2023. Durante o período do inverno, todas estavam com uma concentração de poluentes acima do preconizado pela OMS.


As principais responsáveis pelo problema são as emissões veiculares. Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas descrevem as consequências para a saúde da exposição da população a esses poluentes e o que pode ser feito para mitigá-las.


O climatologista Alceu Raposo Júnior, autor da pesquisa, explica que o objetivo era entender as emissões atmosféricas e a relação com a qualidade do ar na capital. Ele também ressalta o uso de uma estação de qualidade do ar automática móvel, que é cerca de 20 vezes mais barata que as convencionais, que chegam a custar milhões de reais e são mais difíceis de serem transportadas. Com o equipamento, o climatologista espera que outros municípios também possam fazer seus próprios mapeamentos.


As medições foram feitas ao longo de todas as vias, a cada 50 m ou 100 m. As escolhidas foram: as avenidas Antônio Carlos, Amazonas, Silva Lobo, Barão Homem de Melo, Nossa Senhora do Carmo, além do Anel Rodoviário e da Rua Padre Eustáquio. Segundo o pesquisador, a escolha foi feita por serem vias de muito fluxo e que têm descolamento para a parte central de BH.


A Rua Padre Eustáquio, na Região Noroeste, foi a que apresentou a maior concentração de poluentes. Foram 78 µg/m³ (microgramas metro cúbico), sendo que o recomendado pela OMS são 45 µg/m³. Em seguida, estão as avenidas Antônio Carlos, Silva Lobo, Barão Homem de Melo e Nossa Senhora do Carmo, com 69 µg/m³. A Avenida Amazonas registrou 65 µg/m³ e o Anel, 57 µg/m³ .

EMISSÕES

O pesquisador explica que os poluentes registrados pelo equipamento são particulados, já que o aparelho não consegue medir os gasosos, embora ambos estejam presentes no ambiente. “São partículas finas de pedaços de borracha de pneus, areia, fuligem, produtos de combustão. No caso de Belo Horizonte, como não temos um parque industrial, a tese identificou que grande parte das emissões são veiculares”, aponta o pesquisador.


Para ele, o fato de a Rua Padre Eustáquio ocupar o primeiro lugar do ranking tem a ver com suas características urbanísticas. “Nas avenidas há uma readequação urbanística, as edificações ficam mais afastadas. O alargamento das vias faz com que o ar circule, haja uma troca gasosa maior e uma dispersão, com a limpeza do ar.” A rua, porém, é estreita, com edificações muito próximas da via. E o grande fluxo de veículos faz com que o trânsito fique mais lento, concentrando as partículas. “Além disso, o inverno é um período mais crítico porque o ar está mais seco. A umidade ajuda na limpeza do ar porque faz com que as partículas se depositem”, explica.

RISCOS PARA A SAÚDE

A piora na qualidade do ar tem impactos sobre a saúde das pessoas. O pesquisador destaca que as partículas de poluentes entram pelas vias respiratórias e se instalam nos pulmões. “Na troca gasosa, elas se conectam à hemoglobina e, com isso, o sangue leva menos moléculas de oxigênio para todos os órgãos. Eles se inflamam e desencadeiam doenças como AVC, infarto, câncer de pulmão, por exemplo.” De acordo com Raposo Júnior, cerca de 500 mil pessoas morrem em decorrência dessas doenças, causadas pela poluição do ar, por ano.


A médica pneumologista Michele Andreata diz que os primeiros sintomas da exposição são ardência nos olhos, nariz e garganta ao respirar, além de aumento da tosse e secreções. Com a exposição mais prolongada, a tendência é uma piora de algumas doenças crônicas como asma, rinite e sinusite.


A especialista destaca, ainda, que o corpo tem uma capacidade finita de filtrar o ar. “Os pelos do nariz ajudam a segurar as partículas maiores. Todos nós produzimos muco, ao longo do dia, que ajuda a umidificar e filtrar parte dessas partículas. O problema é que quando tem muita fuligem e a qualidade do ar cai muito, o corpo não consegue mais filtrar de forma adequada. Inalando essas partículas, o corpo inflama cronicamente, e essas doenças crônicas aumentam na população”, afirma.


A adoção de algumas medidas, individuais e coletivas, pode ajudar a mitigar os impactos dessa poluição para a saúde da população. Entre as individuais, ela cita o uso de máscara. “Ela ajuda a filtrar as partículas maiores e a manter um microambiente mais úmido. Ao chegar em casa, é importante também lavar as vias aéreas com soro fisiológico. Se a pessoa passa o dia fora, é importante levar o soro e lavar ao longo do dia.”


Para aquelas pessoas que já têm problemas respiratórios, a recomendação da pneumologista é lembrar de usar a medicação conforme prescrição médica, para evitar as crises. “Cada vez que a pessoa entra em crise, o sistema respiratório não se regenera e gera uma fibrose, com perda de uma área respiratória”, alerta.

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45 µg/m³

É o limite de poluentes no ar aceito pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

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Já entre as coletivas, está eliminar o uso de vassouras e espanadores de pó na limpeza porque contribuem para que as partículas continuem dispersas no ar. A limpeza do ambiente deve ser feita, diariamente, com panos úmidos. Principalmente no período mais seco, umidificar o ambiente, com toalhas úmidas, bacias com água e umidificador de ar. “Com o ar mais úmido, a partícula tende a não ficar dispersa por tanto tempo, se deposita e facilita a limpeza.”


MEDIDAS DA PBH

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informa que está alinhada com planos e metas de redução e fiscalização de grandes agentes poluidores. Segundo a PBH, o Plano de Redução de Emissões de Gases do Efeito Estufa (Pregee) tem como meta reduzir em 20% as emissões até 2030, podendo alcançar 37% neste ano e 41% até 2040. Cita também o Plano Local de Ação Climática (Plac), lançado em 2022, que reúne estudos técnicos e ações para enfrentar o aquecimento global, mapeando políticas, planos e projetos voltados à ação climática.


O Executivo Municipal diz ainda que o Plano Diretor da capital “estabeleceu o compromisso de garantir a gestão sustentável dos recursos naturais, de forma a proteger e qualificar o ecossistema urbano, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e a poluição do ar. Planos e projetos são elaborados buscando a requalificação urbana e ambiental, com o objetivo de reduzir distâncias e percursos de carro, incentivar uma cidade caminhável e fomentar o desenvolvimento de novas centralidades em toda a cidade.”


Ainda de acordo com a PBH, o plano diretor tem a meta de substituir 40% da frota atual por ônibus com energia limpa até 2030. Destaca que mais de mil ônibus novos, que foram recentemente integrados ao sistema, já têm tecnologia sustentável, que reduz em até 80% a emissão de poluentes. Além disso, informa que o edital para aquisição de ônibus elétricos está pronto e as tratativas para a assinatura do contrato de financiamento com o BNDES já foram iniciadas.


O Executivo Municipal destaca ainda que fiscaliza a emissão de fumaça e gases poluentes oriundos dos veículos que circulam na capital, além de conscientizar motoristas e proprietários sobre a importância da manutenção regular dos veículos. Os irregulares são autuados e podem sofrer sanções. “Em 2024, de janeiro a setembro, foram realizadas 925 vistorias e aplicadas 89 multas. Em 2025, no mesmo período, foram 1.298 vistorias e 94 multas. O que representa um aumento de 40,32% nas vistorias realizadas no município”, detalha.


PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO

O aposentado Luis Carlos de Melo, de 79 anos, mora no Bairro Padre Eustáquio há três anos. Conta que não costuma ir à rua de mesmo nome com tanta frequência, mas opina sobre o principal responsável pela via ser a que apresentou a maior concentração de poluentes na pesquisa. “O movimento de carros aqui é muito grande, passa ônibus, caminhão.” Ele diz que as partículas do asfalto ficam depositadas em virtude do tempo seco. “Quase não chove. Mas na minha rua, a Itororó, não tem muito movimento.” Para o aposentado, o período de tempo seco é quando a piora na qualidade do ar fica mais perceptível.


O professor Ronaldo Rodrigues, de 58 anos, concorda. “A qualidade do ar sempre é pior no outono e inverno porque o ar está mais seco, tem mais partículas, o ar está mais carregado.” Ele também acredita que a piora pode estar relacionada com o fluxo maior de veículos que trafegam pela via. “Como é a parte mais alta do bairro, recebemos contribuição do fluxo não só da Rua Padre Eustáquio, mas também da (avenida) Pedro II, que está a dois quarteirões do ponto em que estamos. Tem também o fluxo da Via Expressa, que está a seis quarteirões para o outro lado. O (bairro) Padre Eustáquio está no meio de várias vias de fluxo intenso em Belo Horizonte. Acho que isso faz com que seja um bairro com mais poluição. Isso sem falar da (avenida) Carlos Luz e do Anel Rodoviário, que também estão próximos”.

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O investigador de polícia aposentado Ilveson Coelho, de 70, costuma passar pela Avenida Antônio Carlos em seus deslocamentos. Conta que percebe que, no período da tarde, a qualidade do ar é pior. Além disso, Coelho acredita que os impactos para a saúde são sentidos a longo prazo. “Ando bastante de ônibus, mas a maioria do tempo, de moto. Percebo bem a poluição e o ar contaminado, mas penso que está até um pouco melhor, em razão da fiscalização nos ônibus e caminhões.” 

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