“Criar um novo vínculo agora será um processo lento e doloroso, e a gente nem sabe se vai conseguir”

Zilma Moreira, Mãe de Diógenes, aluno da Escola Municipal Dulce Viana de Assis

JÚLIO MOREIRA

“Meu filho regrediu 99,9%. Está agressivo, chora, não quer mais ir à escola. Parece que tiraram dele um direito.” O desabafo é de Zilma Moreira, mãe de Diógenes, aluno da Escola Municipal Dulce Viana de Assis, em Santa Luzia, na Grande BH. A frase resume o drama vivido por diversas famílias após a substituição repentina de profissionais de apoio escolar da rede municipal. Para muitas crianças com deficiência, o rompimento abrupto de vínculos afetivos com os profissionais que os acompanhavam diariamente representa muito mais do que uma simples troca de funcionários: é uma quebra na segurança emocional e na rotina estruturada de que tanto dependem.


Zilma conta que, desde a mudança, o comportamento do filho se transformou. O menino, que tinha desenvolvido uma relação de confiança com a profissional anterior, agora demonstra resistência em ir à escola e não aceita a nova acompanhante. “Criar um novo vínculo agora será um processo lento e doloroso, e a gente nem sabe se vai conseguir”, diz.


Situações semelhantes se repetem em outras unidades da rede. Na Escola Municipal Professora Ceçota Diniz, uma mãe relata que o filho de de 6 anos teve a profissional que o acompanhava retirada sem qualquer tipo de transição. “No dia 9 de maio, a profissional simplesmente foi embora. Meu filho estava se desenvolvendo, interagindo, avançando. Agora está desorganizado, confuso. Criança atípica precisa de previsibilidade, e isso foi quebrado.”


Outro caso grave envolve um estudante de 9 anos, surdo e autista, matriculado na Escola Municipal Santa Luzia. Por mais de quatro anos, ele foi acompanhado pela mesma intérprete, que também fazia o papel de apoio escolar. De forma inesperada, a profissional foi substituída. Desde então, o menino apresenta crises de ansiedade, estereotipias intensificadas e episódios de agitação. “Era uma referência para ele. A presença dela o acalmava. Agora, ele está completamente perdido”, afirma a mãe, visivelmente abalada.


Além do impacto emocional, as famílias denunciam sobrecarga e falhas no planejamento pedagógico. Em algumas unidades, um único profissional de apoio tem sido designado para atender até três alunos com perfis distintos — alguns com necessidades severas, outros com transtornos de comportamento. “Isso é inviável. Não tem como garantir um atendimento de qualidade assim. Alguém vai sair prejudicado e esse alguém é sempre a criança”, alerta uma das mães.


Os relatos reforçam o papel central que esses profissionais de apoio desempenham na rotina escolar de crianças com deficiência. Mais do que auxílio técnico, segundo especialistas, eles representam segurança emocional, estabilidade e mediação com o ambiente. Quando esses vínculos são quebrados sem planejamento, as consequências vão além do desempenho escolar: afetam o bem-estar de toda a família.


A psicopedagoga Carolle Savaget Barbosa, especialista em educação inclusiva, alerta para os impactos da quebra de vínculo entre alunos com deficiência e os profissionais de apoio, intérpretes ou instrutores de Libras. Segundo ela, essa mudança pode gerar ansiedade, desestabilização emocional e rigidez cognitiva, especialmente em crianças que se beneficiam da previsibilidade e da presença constante de alguém que já compreende suas necessidades. “A falta de continuidade no acompanhamento pode prejudicar o desenvolvimento em áreas fundamentais como comunicação, interação social, aprendizado e aspectos emocionais”, afirma. Em muitos casos, a ruptura pode causar retrocessos no processo educacional e afetar também a vivência cotidiana do aluno.


Para Carolle, também é inviável que um único profissional de apoio acompanhe três crianças com necessidades diferentes. Ela defende que cada aluno com deficiência possui singularidades que exigem intervenções específicas e contínuas. “Um só profissional não consegue atender de forma efetiva todas as demandas, o que compromete o processo de superação de barreiras e o pleno desenvolvimento das potencialidades de cada criança”, destaca. O cenário, segundo a especialista, compromete não apenas o aprendizado, mas também a inclusão real e significativa no ambiente escolar.


O que diz a Prefeitura


A Prefeitura de Santa Luzia informou, por meio de nota, que as substituições dos profissionais ocorreram em razão do encerramento dos contratos temporários firmados via Processo Seletivo Simplificado (PSS) de 2023. A gestão alega que esses contratos atingiram o limite legal de dois anos e, portanto, não poderiam ser prorrogados.


Segundo a Secretaria de Educação, o novo PSS foi amplamente divulgado e o processo de substituição seguiu as normas legais. A prefeitura destaca que os alunos com deficiência continuam assistidos pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar da Educação Inclusiva (Ceamei), que oferece suporte psicopedagógico e multiprofissional.


Quanto à denúncia de sobrecarga, o município afirma que a legislação permite que um profissional de apoio atenda até três alunos, desde que haja compatibilidade entre os perfis. Ainda assim, segundo a nota, a maioria dos atendimentos permanece individualizada, conforme avaliação da equipe técnica.


Enquanto isso, mães e pais continuam apreensivos. Para eles, a legalidade das medidas não exime a responsabilidade do poder público em assegurar estabilidade emocional e dignidade no processo de inclusão. “Queremos mais do que respostas burocráticas. Nossos filhos não são números. Eles precisam de cuidado, continuidade e respeito”, conclui uma das mães.

compartilhe