prédio histórico que abriga o equipamento cultural atravessa séculos marcado por eventos simbólicos e com segredos ainda por revelar  -  (crédito: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)

prédio histórico que abriga o equipamento cultural atravessa séculos marcado por eventos simbólicos e com segredos ainda por revelar

crédito: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS

Ouro Preto – Digna de visitação por todos os brasileiros, pelos monumentos, história e riqueza cultural, a tricentenária Ouro Preto, na Região Central de Minas, guarda espaços essenciais ao conhecimento, à contemplação da paisagem barroca e a espetaculares viagens no tempo. Bem no coração da cidade, e unindo todas essas atrações, está o Museu Casa dos Contos, que neste ano faz dupla comemoração: completa seu cinquentenário e festeja 240 anos do imponente solar localizado na Rua São José. A celebração das datas será em 27 de junho, conforme adianta Leonardo Lopes, gestor do equipamento cultural vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI).

Para celebrar marcos tão importantes na história do casarão de cinco pavimentos, haverá programação especial incluindo a exposição “Mina de Ouro”, que promove a compreensão da história da mineração do cobiçado metal no município. O local escolhido não poderia ser mais apropriado: o subsolo calçado de pedras originais do imóvel. “Queremos nessa mostra propor novos significados para esse espaço.”


Com a curadoria de Paulo Eduardo Santos Lima, espeleólogo e formando em geologia, fotografia de Gabriel Lourenço e entrevistas com a historiadora Sidnéa dos Santos, o filósofo e pesquisador Douglas Aparecido e o dono da Mina du Veloso (atrativo turístico e de educação patrimonial), o engenheiro civil Eduardo Evangelista Ferreira (conhecido por Du), a exposição tem por objetivo “afirmar o protagonismo dos povos africanos e afrodescentes no desenvolvimento e aplicação de técnicas empregadas no processo de mineração na região, as quais propiciaram a evolução da sociedade sob diversos aspectos, dando origem a um ciclo econômico”, diz Leonardo.


No pátio ao lado do subsolo do imóvel onde residiu o contratador português João Rodrigues de Macedo, equipe do Laboratório de Pesquisas em Arqueologia, Patrimônio e Museologia Comunitária da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), coordenado pela professora Márcia Arcuri, faz prospecções para maior conhecimento da história do prédio erguido entre 1782 e 1784, em pleno declínio da extração de ouro na região.


“Ainda há muito para ser descoberto. Do subsolo, por exemplo, há diferentes ideias sobre os usos no passado ainda não revelados. O projeto busca qualificar as interpretações do uso do espaço e seu entorno”, conta o gestor. No subsolo, durante obras de restauração do piso, foram encontrados fragmentos dos cadinhos refratários usados na fundição do ouro, além de cachimbos.


Com o museu, inaugurado em 6 de fevereiro de 1974, está em atividade o Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, idealizado pelo historiador Tarquínio José Barbosa de Oliveira, com acervos bibliográfico, formado por mais de 7 mil livros, e arquivístico, com cerca de 1 milhão de documentos, alguns do século 17. “Todos foram microfilmados dos originais e estão sendo digitalizados para ficarem disponíveis na internet, a fim de ampliar e democratizar o acesso. Trata-se de uma documentação muito valiosa, que carrega grande potencial de pesquisas”, acrescenta Leonardo Lopes.

Equipe de arqueólogos ligada à UFOP faz pesquisas no pátio do Museu, a fim de obter mais informações sobre os usos do imóvel

Equipe de arqueólogos ligada à UFOP faz pesquisas no pátio do Museu, a fim de obter mais informações sobre os usos do imóvel

JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS


ESCADA DE PEDRA LEVA A NOVAS DESCOBERTAS


Do subsolo, subindo pela escada de pedra, a equipe do Estado de Minas chega ao primeiro andar do museu administrado pela Superintendência Regional de Administração (SRA-MG) do MGI. Nesse espaço, o gestor aponta a razão de ser e existir do museu: o público. E ele está ali, cheio de energia, com a presença de 94 estudantes, entre 13 e 14 anos, de uma escola visitante de BH. “Fizemos um trabalho sobre o livro ‘A ladeira da saudade’, de Ganimedes José, que retrata a história de Ouro Preto, e trouxemos a turma para conhecer a cidade”, contou o professor de literatura Flávio Albuquerque, ao lado da professora Paula Fortini, ambos do Colégio Dona Clara, de Belo Horizonte.


Na entrada, pode ser vista uma das mais significativas obras de arte da edificação: a escadaria monumental em cantaria, obra-prima em seu gênero, e o arco abatido (decoração em estilo colonial), cuja trave central é de madeira simulando pedra.


Vê-se, a cada passo, como a preservação é fundamental na história dos 240 anos do imóvel e de meio século do museu. Entre 1983 e 1984, o solar foi totalmente restaurado para a celebração do bicentenário, com as obras coordenadas pelo então superintendente Regional do Ministério da Fazenda em Minas e na época diretor do Museu Casa dos Contos, Eugênio Ferraz, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Hoje, a Superintendência Regional de Administração (SRA-MG)/MGI tem à frente Acácio Cândido da Silveira Santos.


Já no primeiro pavimento do museu, está aberta a exposição “Olhares modernos – Festa e fotografia em Ouro Preto”, em cartaz até 19 de maio. Residente em Palmares (PE), a professora Wancilda Melo se sentiu “viajando pelos tempos do ouro em Minas Gerais”, tanto pelo acervo do equipamento cultural quanto pelas fotografias da mostra. “É sempre bom conhecer a história”, complementou a filha da turista, Isadora Melo, residente em Maceió (AL). Ainda nesse pavimento, os visitantes puderam apreciar as salas Cláudio Manoel da Costa e Vicente Vieira da Mota.

 

Se o interior do Museu abriga passagens marcantes da história, de suas janelas se descortina a riqueza do patrimônio de Ouro Preto

Se o interior do Museu abriga passagens marcantes da história, de suas janelas se descortina a riqueza do patrimônio de Ouro Preto

Jair Amaral/EM/D.A Press

 

DAS JANELAS, VISTA DO CORAÇÃO DA CIDADE


Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a construção do século 18 que abriga o Museu Casa dos Contos é um dos expoentes do conjunto arquitetônico e urbanístico de Ouro Preto, o primeiro no país reconhecido como Patrimônio Mundial (em 1980) pela Unesco. No imóvel, cada ângulo reserva uma descoberta para os sentidos.


No segundo andar, ao olhar pela janela envidraçada, o visitante pode admirar outros ícones do Centro da cidade: o Teatro Municipal Casa da Ópera, a Igreja do Carmo, o torreão do Museu da Inconfidência, uma parte do antigo Palácio dos Governadores, depois Escola de Minas e atualmente Museu de Ciência e Técnica da Ufop.


Nesse ponto da visita, o gestor Leonardo Lopes conta que quatro inconfidentes ficaram presos no prédio durante o movimento que teve como expoente maior o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792). Um dos detidos foi o poeta Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), encontrado morto no local em condições suspeitas. No espaço batizado com seu nome, a exposição conta a trajetória do personagem e também sobre a história social de Ouro Preto.

 


Depois de admirar a vista da janela e ouvir histórias como essa, não se pode perder um segundo sem observar os elementos artísticos como a pintura do forro do salão nobre atribuída a Manuel da Costa Ataíde, o Mestre Ataíde (1762-1830). Os passos, passando pelo mobiliário dos séculos 18 e 19, conduzem agora à exposição numismática da Casa da Moeda e do Banco Central do Brasil, mostrando a evolução do dinheiro do país, na forma de moeda e cédulas, desde os tempos coloniais.


“A missão institucional da Casa dos Contos é preservar a memória econômico-fiscal do Ciclo do Ouro, a arquitetura barroca e promover as artes e a cultura nacional. O imóvel é tombado pelo Iphan no Livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo de Belas Artes”, ressalta o gestor do equipamento cultural.


Ainda no segundo pavimento, se encontra a Sala de Fundição, mostrando como funcionava esse tipo de atividade nos tempos de Vila Rica, nome primitivo de Ouro Preto. Em 1821, foi instalada no imóvel a Casa de Fundição. No espaço, é apresentado acervo composto por objetos empregados nesse processo e na cunhagem de barras e moedas.


Em sua primeira viagem à cidade, o casal Bruno Monteiro, funcionário público, e Priscyla Ribeiro, dentista, residente em Recife (PE), elogiou a organização do museu e a estrutura, percorrendo com calma os espaços.

 

"A missão institucional da Casa dos Contos é preservar a memória econômico-fiscal do Ciclo do Ouro, a arquitetura barroca e promover as artes e a cultura nacional" , Leonardo Lopes, Gestor do Museu Casa dos Contos

"A missão institucional da Casa dos Contos é preservar a memória econômico-fiscal do Ciclo do Ouro, a arquitetura barroca e promover as artes e a cultura nacional" , Leonardo Lopes, Gestor do Museu Casa dos Contos

JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS


A CIDADE A SEUS PÉS, DO ALTO DO MIRANTE


A visita vai terminando, mas é preciso chegar ao mirante, passando antes por uma área administrativa, que fica no terceiro andar. Após uma escada bem estreia e bem inclinada, com 49 degraus, é hora de contemplar outros lados de Ouro Preto por meio das janelas coloniais do prédio em estilo rococó.


Sentada nos bancos existentes no mirante, a equipe do EM fica sabendo mais sobre a história do solar, cujo risco (projeto) é atribuído ao mestre Antônio de Souza Calheiros, para servir de residência e Loja de Contratos do português João Rodrigues de Macedo. A partir de 1792, com a instalação da sede da Administração e Contabilidade Pública da Capitania de Minas, o imóvel passou a ser chamado “Casa dos Contos”, nome dado a repartições fazendárias portuguesas até a segunda metade do Século 18.


Ao longo dos seus 240 anos, o edifício teve diferentes usos. Desde 1974, abriga o Museu e o Centro de Estudos do Ciclo do Ouro – entre as raridades impressas de seu acervo, há uma obra de 1652, “Agiologio Lusitano”, e o “Livro de Ouro”, com a assinatura do imperador dom Pedro II (1825-1891), que esteve na cidade em 1881.


Proprietário original do imóvel, o português João Rodrigues de Macedo era um afortunado comerciante de gêneros como sal e açúcar. Arrematou em leilão promovido pela Coroa portuguesa o Contrato das Entradas, que lhe conferia o direito de arrecadar o imposto incidente sobre a comercialização de gêneros alimentícios, gado e escravizados que entravam na Capitania de Minas pelos triênios entre 1776 e 1781; e o Contrato dos Dízimos, que lhe conferia o direito de arrecadar o imposto incidente à alíquota de 10% sobre o valor da produção agrícola e pecuária destinada à venda.


Como a maioria dos contratadores de sua época, Macedo, embora muito rico, teve dificuldades para quitar suas dívidas com a Coroa, oriundas dos contratos que arrematara. Os problemas deviam-se à grande inadimplência de seus devedores e à conjuntura econômica desfavorável da época, ocasionada pelo declínio da extração aurífera.


No mesmo pavimento, o proprietário mantinha quarto de hóspedes em que hospedava altas figuras da Capitania e, nos fundos, senzalas e armazéns para os gêneros que comercializava. O contratador residia no segundo pavimento, local em que recebia ilustres convidados em eventos sociais frequentados pela elite de Vila Rica.


Pesquisa do Museu Casa dos Contos mostra que, em razão de suas elevadas dívidas com a Coroa, João Rodrigues teve seu imóvel leiloado em 1803. O contratador foi então morar em São Gonçalo do Sapucaí, no Sul de Minas, onde morreu em 1807.


Olhos no passado e visão para o futuro

Se celebra a história, o Museu Casa dos Contos está também de olho no futuro. “Estamos elaborando o plano museológico, refletindo sobre a vocação do museu, no sentido de reorientar sua missão nos próximos 50 anos, o que inclui diretrizes, planejamento, programas educativos e preservação do acervo”, observa o gestor. No presente, a função social do equipamento se mostra bem-sucedida. Em 2023, o Casa dos Contos recebeu 170,3 mil visitantes, dos quais 25% estudantes em excursão.