Um movimento que ganha adeptos impulsionado pelos programas e reality shows de sobrevivência para se embrenhar em ambiente natural, treinar formas para sobreviver ou praticar técnicas primitivas lançou uma corrente de incentivo nacional às atividades ao ar livre.

 

À frente de uma fogueira, seja em campings estruturados ou nas redes penduradas entre árvores, o chamado reúne mateiros, primitivistas, escaladores, trilheiros, aventureiros brasileiros que vão compartilhar experiências, técnicas e histórias no primeiro BushDay Brasil (#bushdaybr) ou dia do mato, que ocorre entre os dias 5 e 7 de abril. Grupos de mineiros de várias partes do estado aderiram e já preparam suas barracas, redes e facões.

 



A iniciativa procura incentivar as atividades no mato, na praia, na montanha ou no campo como forma de popularizar o gosto do brasileiro pelas atividades no meio natural.

 

A participação é livre, bastando cada pessoa ou grupo de aventureiros postar fotos, vídeos ou mensagens pelas redes sociais marcando #bushdaybr. Depois, é só interagir, conhecer gente nova e abordagens diferentes das diversas atividades.

 

A concepção do BushDay Brasil veio de uma das atividades ao ar livre que tende a ser um elo das várias formas de integração com a natureza e que cresce a cada dia no país. É o chamado bushcraft no termo inglês ou a arte do mato em tradução livre.

 

Uma releitura contemporânea das atividades mateiras desde a antiguidade e que veio para o Brasil inicialmente pelo ouro-pretano Giuliano Toniolo, uma das mais renomadas personalidades da sobrevivência e do bushcraft internacionais e instrutor da Escola Metre do Mato.

 

Os praticantes procuram sempre substituir equipamentos modernos - sem necessariamente deixar de os levar - por técnicas e instrumentos primitivos. Assim, o projeto do dia pode ser acender uma fogueira friccionando paus com arco e broca. Amarrar bambus para confeccionar mesas usando amarras e cipós. Erguer abrigos com folhagens e detritos e até mesmo lascar pedras para fazer facas e machados ao estilo pré-histórico.

 

Pioneiro no bushcraft no Brasil, Giuliano Toniolo treina gente de todo o Brasil em Minas Gerais e afirma que o contato com a natureza traz benefícios mentais e físicos

Arquivo Pessoal

 

"Bushcraft é o conhecimento e o entendimento do mundo natural. É aquilo que indígenas, ribeirinhos e povos do campo têm sobre as plantas e os animais e de como utilizar esses recursos", define Toniolo. Para o especialista, uma arte que extrapola a sobrevivência em ambientes hostis a partir dos recursos locais.

 

"O bushcraft pode ser usado para construção de abrigos e obtenção de fogo, mas permite que a pessoa prospere no meio ambiente. Com o conhecimento dos recursos naturais e poucas ferramentas a pessoa pode obter o que precisa para viver e prosperar", afirma o pioneiro da arte mateira.

 

No caso do Bushday Brasil a ideia veio após a pandemia do novo coronavírus, em 2020, como uma solução para manter o contato ainda que virtual entre os praticantes que vinham de todo o Brasil para o Encontro Nacional de Grupos de Bushcraft (ENGB) e ficaram impossibilitados.

 

"Nós da administração pensamos em como manter o evento diante dessas adversidades. Nasceu a ideia de centralizar a divulgação e a organização nacional, mas estimular que os grupos se reunissem sob a mesma bandeira, cada um em suas bases ou locais de evento próprio. Em 2021, o evento voltou a ocorrer com um local fixo, mas o gosto de reunir o Brasil no mato permaneceu. Nasceu, então, o BushDay Brasil, um final de semana em que todos estarão no mato", comemora Angelo dos Santos, um dos organizadores do evento e um dos administradores do Grupo Guerreiros Bushcraft, do Rio de Janeiro.

 

Os organizadores do primeiro BushDay Brasil: Daniel Deluca (e), Ney Fagundes (c) e Angelo dos Santos (d)

Arquivo Pessoal

 

Na página do evento (www.bushday.com.br), dá para ver a grande adesão de gente de vários estados brasileiros, bem como de Minas Gerais que vão acampar em Paracatu (Noroeste), Camacho (Centro-Oeste), na região da Mantiqueira (Zona da Mata) e muitos outros.

 

"Após a pandemia, percebemos um significativo aumento da procura por atividades no meio outdoor, principalmente trilhas, travessias, ciclismo, ciclo turismo, campings etc. Entretanto, cada um sob sua bandeira, unido sob o meio próprio de atividade. O BushDay Brasil busca ir além: incentivá-los também a unir todas as práticas pelo Brasil inteiro", afirma Angelo.

 

No Centro-Oeste de Minas Gerais os Mateiros do Cerrado participam do evento acampados em redes, barracas e plataformas suspensas em volta de fogueiras

Arquivo Pessoal

Uma prática que traz benefícios para a mente e para a saúde no entendimento do pioneiro Giuliano Toniolo, que tem na região de Lagoa Santa e Jaboticatubas, na Grande BH, algumas de suas bases para o treinamento de bushcraft e de sobrevivência até mesmo para candidatos ao reality show Largados e Pelados, por meio da sua Escola Metre do Mato.

 

"O bushcraft se desenvolve hoje no Brasil por meio de trabalhos como o meu nas redes sociais, que inspiram as pessoas a buscar mais esse entendimento do mundo natural. Com isso está ocorrendo uma revalorização dos conhecimentos rurais e tradicionais, principalmente por que está no meio urbano. O bushcraft é uma excelente forma de se promover essa reconexão. Eventos como o BushDay Brasil estimulam a pessoa a estar em contato com a natureza e isso já é um grande ganho", considera Toniolo.

 

"Hoje em dia existe uma síndrome do déficit de natureza, o que traz problemas de desenvolvimento, problemas fisiológicos e psicológicos em crianças e adultos", afirma Toniolo. "Quando as pessoas se aproximam mais da natureza, elas conhecem, gostam e defendem mais o meio ambiente. Você só preserva aquilo que conhece", salienta.

 

Bandeiras de Minas Gerais vão tremular nas matas

 

Luciano Cândido e o grupo de bushcraft Mateiros do Cerrado trilham o Centro-Oeste mineiro para acampar e contemplar a natureza

Arquivo Pessoal

 

Branca, tremulando com o triângulo vermelho ao centro e o ideal de liberdade dos inconfidentes, a bandeira de Minas Gerais estará em vários cantos do país ajudando a ecoar a iniciativa do BushDay Brasil de levar todos para o mato. Sozinhos, com os amigos ou em grupos organizados, os mineiros vão às trilhas do cerrado à mata atlântica e caatinga buscar a proximidade com a natureza.

 

Criado em 2013, o grupo Mateiros do Cerrado desbrava a região Centro-Oeste de Minas e muitos integrantes vão acampar em base primitiva com fogueira, abrigo suspenso e rede no BushDay Brasil. Um dos fundadores, Luciano Cândido, de 47 anos, do município de Camacho, afirma que nem sempre planeja bem onde vai acampar, usando de seu olhar e experiência para encontrar o melhor abrigo.

 

"Nunca fiz um roteiro exato do que fazer no mato, em geral eu saio e vou. Caso eu vá acampar, eu levo o necessário para os dias que ficarei. Caso eu saia somente para uma trilha, em geral levo água, uma lâmina e um meio de produzir fogo", conta.

 

O mateiro conta que desde pequeno tinha contato com o mato, levado pelo pai e o tio que eram caçadores de subsistência das épocas passadas.

 

"Quando comecei a compreender o significado do bushcraft, as coisas começaram a mudar na perspectiva que eu via do mato. Passei a fazer parte dele. Tirar o que for necessário sem causar danos, ou seja, realmente respeitar a natureza. O simples fato de ver um animal ou planta diferente no mato gera uma grande satisfação para mim. É uma conexão que vai além das habilidades que alguém possui no mato, é uma forma de amor à natureza", define Cândido.

 

O mateiro do Centro-Oeste afirma que o BushDay Brasil é uma forma de incentivar a prática, mas também de fazer com que as pessoas que não conhecem absorvam essa prática e a compreendam. "Mesmo no interior há superstições e lendas caminhando juntas. Para muitos é uma insanidade uma pessoa deixar o conforto da sua casa e passar a noite com chuva ou frio no mato. Na questão de levar isso para dentro da sociedade é um sonho complexo. Os dispositivos modernos forçam todos a irem contra isso, infelizmente. Mas eu não tenho dúvidas de que o contato com a natureza molda a visão do ser humano e agrega benefícios para ele e com quem se vive", afirma Cândido.

 

Nos planaltos de Paracatu, na Região Noroeste, outro mateiro mineiro enxerga no BushDay Brasil uma forma de difundir a cultura de contemplação e imersão no meio ambiente. Seja sozinho ou com amigos, o autônomo Rômulo Martins de Oliveira, de 43 anos, sempre gostou de ir para o mato, pratica as artes do mato há 5 anos e está criando o próprio grupo de bushcraft que vai se chamar Carcaça do Cerrado.

 

Rômulo e os amigos de Paracatu vão realizar atividades mateiras e de sobrevivência no BushDay Brasil

Arquivo Pessoal

 

"Sempre gostei dessa área da sobrevivência e com o tempo comecei a praticar o bushcraft, inspirado no Giuliano Toniolo da Escola Mestre do Mato, no Costa Bushcraft, nos Guerreiros Bushcraft, no Bushcraft Brasília, IDE Bushcraft, que são pioneiros e referências para mim. O que mais me atraiu, foi essa arte de aprender a aproveitar os meios que a natureza me oferece para sobreviver. Melhorou minha convivência com as pessoas e o respeito com a natureza", afirma Rômulo.

 

Neste fim de semana de BushDay Brasil ele pretende sair para acampar e já tem uma lista de atividades. "Quero praticar fogo primitivo, construção de abrigos improvisados, armadilhas somente para praticar, nada de capturar animais ou machucar e nem destruir ou cortar vegetação nativa ou qualquer outra, apenas práticas de arte do mato, nosso famoso bushcraft", salienta o mateiro do Noroeste.

 

Ele tem uma opinião semelhante à do mateiro Luciano Cândido de que as pessoas não compreendem bem as atividades mateiras e que o BushDay Brasil também vai ajudar neste sentido. "Algumas pessoas ficam assustadas, no começo, mas quando conhecem ficam encantadas com a prática do bushcraft. No Brasil a divulgação ainda é pouco mostrada pela mídia. Por isso os grupos de bushcraft têm feito um trabalho que tem chegado a muitas pessoas, que acabam encantadas", considera.

 

Os idealizadores do movimento também já têm a sua base para o encontro na data de comunhão mateira. "Nós do Guerreiros Bushcraft iremos fazer um grande acampamento recheado de atividades no Dia do Mato. O local escolhido é Santo Aleixo, no município de Magé, no Rio de Janeiro, onde ocorreu por 3 vezes o ENGB. É um lugar de beleza exuberante e rica da Mata Atlântica, cachoeiras paradisíacas de águas cristalinas e muita confraternização", afirma Angelo dos Santos.

 

Para participar do evento com os Guerreiros Bushcraft basta adquirir seu ingresso em: https://www.zig.tickets/eventos/bushday-brasil-rj

 

Se você é mineiro ou de outro estado e quer encontrar grupos de bushcraft que vão acampar para se unir a eles, procure contato pelas redes sociais dos grupos no site do #bushdaybr: www.bushday.com.br

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