EM 2020, CHEIA DO cÓRREGO DO LEITÃO DESTRUIU ASFALTO DA RUA MARÍLIA DE DIRCEU, EM LOURDES -  (crédito: Alvaro Duarte/EM/D.A Press - 29/01/2020 )

EM 2020, CHEIA DO cÓRREGO DO LEITÃO DESTRUIU ASFALTO DA RUA MARÍLIA DE DIRCEU, EM LOURDES

crédito: Alvaro Duarte/EM/D.A Press - 29/01/2020

 

A Regional Centro-Sul de Belo Horizonte é a segunda área com maior potencial de intensificação de inundações no cenário de mudanças climáticas até 2030, segundo mapeamento da prefeitura da capital. Como o Estado de Minas mostrou em sua ediçao de ontem, a região que tem os metros quadrados mais caros da cidade só fica atrás em vulnerabilidade das regionais Nordeste/Pampulha, na área que coincide com o encontro do Córrego Cachoeirinha com os ribeirões Pampulha e do Onça e vários outros afluentes menores.


Na Região Centro-Sul, destacando os segmentos mais críticos, há dois que coincidem com as sub-bacias dos córregos da Serra (bairros Serra/Funcionários) e do Leitão (São Pedro, Cidade Jardim, Lourdes), também com histórico de fortes chuvas e inundações, como as ocorridas entre 2020 e 2021.


O Córrego do Leitão tem nascentes espalhadas em dois grandes setores, sendo um deles o dos cursos d'água vindos dos bairros São Bento, Luxemburgo e Santa Lúcia, passando pela barragem de detenção Santa Lúcia e ingressando em canalização da Avenida Prudente de Morais, seguindo sob a Avenida do Contorno até chegar à Rua Bárbara Heliodora, em Lourdes. A mancha de inundação mais crítica acompanha a Avenida Prudente de Morais desde a Barragem Santa Lúcia, passando por um dos pontos mais graves na baixada da Rua Joaquim Murtinho, próximo ao Museu Histórico Abílio Barreto, e voltando a surgir na Rua Marília de Dirceu.


A segunda vertente desce dos bairros São Pedro e Santo Antônio pela Rua Viçosa, já tendo provocado inundações e gerando uma mancha de risco entre depressões das ruas São Romão e São Domingos do Prata. Depois da Avenida do Contorno e por dentro das vias do Bairro de Lourdes esse braço do Córrego do Leitão encontra o outro na Rua Bárbara Heliodora, provocando nesse ponto um gargalo a depender do volume de água que se concentra no complexo.


Asfalto arrancado e imóveis invadidos

Em 28 de janeiro de 2020, uma forte chuva despejou 180 milímetros em três horas nessa região e fez transbordar os canais do Córrego do Leitão, provocando uma inundação que invadiu lojas, edifícios e arruinou o pavimento da Rua Marília de Dirceu e adjacências. Placas de asfalto arrancadas ficaram espalhadas pela força da água, que abriu buracos na terra exposta, nas drenagens e lançou carros danificados em várias partes, sobre passeios e postes. Clientes de restaurantes e funcionários ficaram ilhados, vários comerciantes perderam eletrodomésticos, insumos e sua produção.


Já Córrego da Serra tem vários afluentes que contribuem com seu fluxo principal e constituem áreas de risco crítico até 2030, segundo mapeamento do município. Um deles é o Córrego Bolina, na Vila Marçola, que recebe trabalhos preventivos de desobstrução e limpeza de sua galeria desde a Rua da Passagem até a Praça Dona Levy, pois tem o potencial de nos próximos anos ser um dos pontos críticos de inundações para áreas como a Rua Capivari e Rua Palmira, até entrar na Rua Dona Cecília, onde se encontrar com o Córrego da Serra.


O Córrego da Serra propriamente dito tem uma área de alagamentos em nível mais crítico pelo mapeamento desde a sua confluência com o Córrego Mangabeiras, na Avenida do Contorno com Rua Bernardo Guimarães, entre os bairros Serra e São Lucas, e as baixadas do bairro Funcionários, pela Avenida Getúlio Vargas com Rua dos Aimorés, Rua Piauí, Avenida Brasil, até ruas Padre Rolim e Maranhão, no Bairro Santa Efigênia, já na Regional Leste.


Mapa de alagamentos tende a se transformar

O mapeamento das áreas mais vulneráveis a inundações em Belo Horizonte até o ano de 2030 chama a atenção para o fato de que nem todas as bacias que inundam atualmente tendem a ser as com mais recorrências ou com situações mais críticas no período. Isso se deve a obras realizadas ao longo dos anos ou pela própria dinâmica das alterações climáticas. De acordo com o estudo, sub-bacias que hoje inundam com menores níveis de chuva por período tendem a registrar em 2030 ocorrência mais reduzida de inundações. Já as que atualmente alagam com maiores níveis de chuva por período tendem até 2030 a ter um aumento das ocorrências de inundações. “Portanto, embora menos frequentes em algumas sub-bacias hidrográficas, os eventos de inundação em Belo Horizonte tendem a ser mais intensos, devido a um maior volume de chuva horária, com maior propensão à geração de perdas e danos”, alerta o trabalho da prefeitura.


O levantamento destaca a mudança climática como um dos desafios mais complexos do século 21. “Uma das principais preocupações em relação às projeções do clima no futuro remete à intensificação e aumento da frequência dos eventos climáticos extremos. O objetivo do estudo, coordenado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, foi realizar uma análise de vulnerabilidade climática no município, considerando as projeções para o ano de 2030”, detalha o texto. Entre as fontes que embasam o trabalho estão o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Defesa Civil de BH.


“Para a composição do Índice de Vulnerabilidade foram utilizadas informações disponíveis sobre a exposição de riscos associados às alterações do clima, à sensibilidade socioambiental a essas variações e à capacidade do sistema urbano de lidar e se adaptar às condições mais extremas”, informa o estudo que resultou do mapeamento.


Ao todo, 10 sub-bacias apresentaram tendência de aumento de impactos potenciais até 2030. A de maior elevação de riscos foi a do Córrego Pintos, na Avenida Francisco Sá, seguida do Córrego do Açudinho; Ribeirão da Onça; Ribeirão do Isidoro; Córrego da Ressaca; Córrego da Mata; Córrego Vilarinho; Córrego do Navio; e Ribeirão Pampulha.


Por outro lado, 11 sub-bacias demonstraram tendência de redução a impactos potenciais até 2030. A sub-bacia que apresentou maior redução foi a do Ribeirão Barreiro, seguida de bacias como as do Córrego do Jatobá, Córrego Engenho Nogueira, Córrego Ituiutaba, Córrego Suzana, Córrego Santa Inês e Córrego do Nado.

 

Cada vez mais chuva em menos tempo

Os modelos do mapeamento das áreas mais vulneráveis a inundações até o ano de 2030 usados pela Prefeitura de Belo Horizonte levam em conta uma dinâmica cada vez mais observada e até esperada, caso não se revertam as mudanças climáticas e o aquecimento global. “O que se projeta e o que já vem sendo constatado em Belo Horizonte e em outras capitais são chuvas que ocorrem em menor período de tempo, mas são mais intensas e volumosas, despejando um grande volume de água em drenagens que muitas vezes não o comportam. Um processo que vem especialmente em função do uso e ocupação do solo nas grandes metrópoles”, afirma o professor Antoniel Fernandes, dos departamentos de Geografia e Biologia da PUC-Minas.


O especialista indica que uma das formas de medir isso é pelas normais climatológicas de 30 anos, feitas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “Se você comparar a penúltima medição (1961-1990), com a última medição (1991-2020), as chuvas em Belo Horizonte apresentam aumento em termos de volume de cerca de 300 milímetros (quase como se o volume de mais um mês de janeiro fosse acrescentado ao ano). Isso comprova que já houve um aumento importante do volume na cidade”, destaca o professor da PUC-Minas.


Um dos causadores dessas condições de aumento de chuva, na análise de Antoniel Fernandes, é a concentração de grandes edificações e a influência na reflexão do calor para o ambiente. “A incidência solar sobre as edificações, concreto e asfalto aquece o ar em períodos de grande insolação, como na época do verão. Tendo alta umidade, as nuvens acabam desaguando volumes expressivos de chuva, mais concentrados e não espaçados”, avalia.


Obras antigas se tornaram obsoletas

O professor aponta que os lugares onde já existem problemas de inundação e que estão próximos a gargalos da ocupação da cidade receberam obras de drenagem muito antigas e já obsoletas. “A prefeitura vem tentando fazer obras estruturais, grandes intervenções que necessitam de muitos recursos, em alguns cursos da água que já têm esse histórico de inundação. Nos últimos anos, foram priorizados córregos na região do Bairro Betânia (Oeste) e do Barreiro e no Córrego do Vilarinho. Foram feitas grandes bacias de retenção e de contenção e outras estão em construção. São obras que tendem a atenuar os efeitos de inundações”, observa Antoniel Fernandes.


No caso dos mananciais mais críticos, como o Córrego Cachoeirinha, Ribeirão Pampulha e Ribeirão do Onça, as obras da PBH no Bairro São Gabriel servirão para segurar o volume de água durante temporais, para depois liberar o acumulado nos mananciais. “Esse é o modelo que já vem sendo adotado em algumas cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. Lá, eles são chamados de 'piscinões'. São obras caras e que precisam de muitos recursos, mas sua necessidade é real. Algumas prefeituras (gestões) anteriores não o fizeram. Isso deixou a cidade com um grande passivo de obras estruturantes de drenagem”, avalia o especialista.


Soma de medidas de menor impacto ajuda

O professor Antoniel Fernandes afirma que outras medidas não estruturantes, em seu conjunto, podem auxiliar a cidade a enfrentar as mudanças climáticas e as inundações causadas por elas. “Uma das mais importantes medidas foi adotada no Plano Diretor de BH (2019), quando foi instituída uma série de medidas a serem bancadas pelos empreendedores particulares nas novas construções, prevendo áreas de recarga para que as águas não corram tão rapidamente para o leito dos rios e causem inundações e enchentes”, indica o especialista do departamento de Geografia e Biologia da PUC Minas.


“Essas medidas ficaram mais rigorosas. Tornaram os lotes mais permeáveis, ao obrigar o construtor a deixar agora 20% da área do lote permeável. Cabe à prefeitura também fiscalizar para garantir que essas medidas estejam sendo cumpridas pelos novos empreendimentos. Nos antigos, isso não será feito”, pondera Fernandes.


O especialista destaca ainda a importância da educação ambiental contínua, para que a população evite atitudes como jogar lixo nas ruas, nas bocas de lobo ou lançar esgoto clandestino em galerias pluviais, pois elas desembocam nos mananciais. É importante ainda, considera, que sejam criados parques verdes.


“A cidade precisa de um conjunto de ações para que a água das chuvas não atinja rapidamente os córregos e ribeirões. Ações como a implantação de ilhas de infiltração de água, valas de infiltração em canteiros centrais, pisos drenantes, áreas de pequenas bacias, tudo para que a água possa se infiltrar no solo. Outra medida interessante é criar alternativas como bueiros permeáveis, que permitam a infiltração no solo. Hoje, os bueiros são caixas de concreto que destinam a água da chuva para as canalizações e os cursos d'água.”


Ele destaca ainda ações mais arrojadas como abrir rios canalizados e propiciar um paisagismo natural, com área de inundação de várzeas sem ocupações. “Na Coreia do Sul, em Seul, o prefeito revitalizou um trecho do rio e por conta disso houve uma supervalorização dos terrenos. As pessoas querem conviver mais com os rios abertos e não encaixotados como o Ribeirão Arrudas e o Córrego Cachoeirinha. Em Paris, há várias ações para tornar o Rio Sena balneável, para que já nos jogos olímpicos muitas modalidades possam ser disputadas nele. São medidas bem arrojadas, que dependiam de coragem para adotar.”


Os planos municipais para enfrentar o desafio

A Prefeitura de BH informa ter diversos estudos sobre a política climática e registros das emissões de gases que influem no aquecimento. Entre eles estão o Plano de Redução de Emissões de Gases Efeito Estufa e o Plano Local de Ações Climáticas, que norteiam as políticas públicas para enfrentar as mudanças no clima. As medidas incluem o uso de energias renováveis, a promoção da mobilidade ativa e do transporte público, a ampliação da coleta seletiva e o incentivo à preservação de áreas verdes, segundo a administração municipal.
A prefeitura informa ainda que desenvolve programas de educação ambiental e investe em obras de prevenção às enchentes e proteção contra os riscos de desastres. Há um Sistema de Monitoramento Hidrológico que subsidia as ações de alerta e enfrentamento do risco de inundações.