Bacia do Rio das Velhas: nascentes que sustentam o principal manancial da região metropolitana da capital estão pressionadas por superexploração econômica e perda vegetal -  (crédito: Leandro Couri)

Bacia do Rio das Velhas: nascentes que sustentam o principal manancial da região metropolitana da capital estão pressionadas por superexploração econômica e perda vegetal

crédito: Leandro Couri

O rio que mais contribui com o abastecimento da Grande BH, respondendo por atender 60% dos consumidores (3 milhões de pessoas), é também aquele que enfrenta mais desmatamento, focos de incêndio e interferências de mineração nas áreas que recarregam seus mananciais de classe especial com a água das chuvas. A classe especial equivale aos recursos hídricos mais puros, segundo os padrões do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), responsáveis por ajudar a diluir a poluição que é despejada e contamina o leito. Apesar de sua importância, a Bacia do Rio das Velhas enfrentou, nos últimos cinco anos, 298 focos de incêndio nos municípios onde ficam essas fontes de alta pureza, sendo que as áreas de recarga sofreram com a remoção de 55 hectares de cobertura vegetal no período, área equivalente à do Aeroporto Carlos Prates, em Belo Horizonte.

Os dados fazem parte de levantamento que a equipe do Estado de Minas fez com auxílio de especialistas em química, biologia e geografia, para mapear a situação das áreas de recarga dos mananciais de classe especial que abastecem Minas Gerais e outros oito estados. O trabalho foi possível cruzando o mapeamento das áreas de recarga fornecido pelo Instituto Mineiro de Águas (Igam) e pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), com informações sobre focos de incêndio via satélite do Instituto nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e sobre a remoção de cobertura verde quantificada pelos satélites usados pela ONG Global Forest Watch.

Cavidades abertas para exploração de recursos ou sondagens podem afetar a formação de nascentes e a distribuição de água entre bacias, alerta especialista

Cavidades abertas para exploração de recursos ou sondagens podem afetar a formação de nascentes e a distribuição de água entre bacias, alerta especialista

Leandro Couri

“A área de recarga é o espaço de solo por onde a água das chuvas penetra para alimentar o lençol freático, que posteriormente vai aflorar como uma nascente ou alimentar diretamente outro manancial. Essa chuva é absorvida com ajuda das raízes das plantas e pela porosidade do solo, o que leva algum tempo, por isso a cobertura vegetal é importante para amortecer a chuva. Caso contrário, ocorre um escorrimento da água e menos absorção”, afirma o químico, espeleologista e ambientalista Luciano Faria, um dos profissionais que contribuíram com a concepção da reportagem.

As agressões e ameaças às áreas de recarga de classe especial do alto Rio das Velhas também abrangem outras nascentes de rios da bacia, e já afetam a oferta e a qualidade do manancial, segundo a presidente do comitê da bacia hidrográfica (CBH Rio das Velhas), Poliana Valgas. “As séries históricas de vazões já mostram períodos de escassez, mesmo com chuvas, chegando a haver trechos com decretos de restrição de uso, devido à pouca água. O Rio das Velhas tem perdido o seu potencial de recarga e atribuímos isso muito às áreas sensíveis de produção em Nova Lima e na Serra da Moeda, que sofrem com parcelamento de terrenos para condomínios, mineração, desmatamento e fogo. A água já não se infiltra na mesma proporção, o que causa uma seca subterrânea. Isso é extremamente problemático”, considera.

MAteus 

A maior perda de cobertura vegetal nas áreas de recarga de mananciais de classe especial antes da captação da Grande BH em Bela Fama, em Nova Lima, foi registrada no próprio município. Em cinco anos, a área no entorno do Córrego Fechos, Córrego Marumbé e Ribeirão Macacos, espremida entre mineradoras, bairros e condomínios, perdeu 33 hectares de cobertura de árvores. Por outro lado, o município vizinho, Rio Acima, detém as áreas de recarga mais preservadas, com perda de 3 hectares, fato facilmente explicado por grande parte de seu território estar protegida dentro dos limites do Parque Nacional da Serra do Gandarela.

A conservação dessas áreas é fundamental para a segurança hídrica da Grande BH, na visão do vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBH São Francisco), Marcus Vinícius Polignano. “Trata-se de um patrimônio hídrico que poucos locais ainda reservam. Precisamos de todo o esforço para mantê-lo a salvo de riscos da exploração minerária, desmatamento, fogo e especulação imobiliária. A água é insubstituível para o homem e para o nosso planeta”, destaca Polignano.

No alto, tudo aparenta estar seco e brotando entre rochas, sem grandes árvores se fechando unidas, desprendendo vapor d'água como ocorre na mata atlântica. Em vez disso, a vegetação é baixa. E parece disputar espaço entre pedregulhos de aparência árida dos solos de cangas de minério de ferro da Serra do Gandarela. Ou irromper por entre montes de cristais claros de quartzito da Serra do Cipó.

São vegetações que aparentam estar fadadas a secar e morrer. Mas, em vez disso, essas duas paisagens, à primeira vista improváveis de sustentar vida, não só o fazem, como armazenam e permitem a distribuição de águas subterrâneas que estão entre as de mais alto grau de pureza em Minas Gerais. E seguindo ainda para abastecer o Espírito Santo, revigorando o Rio Doce, além de Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, para diluir as cargas que poluem o Rio São Francisco.

É abaixo do solo das serras do Cipó e do Gandarela, formações montanhosas e de rica hidrologia, que se entende a proeza de absorção da água e dos abundantes recursos hídricos de qualidade tão elevada, nível descrito como Classe Especial, definido como recursos livres de exposição a poluentes. Tudo é mais bem compreendido em cavernas onde goteiras se multiplicam como uma chuva. Ao percorrerem estalactites, paredões ou pingarem em salto livre, dão ideia do quanto de água penetra subterrâneo adentro, convertendo-se em fontes que jorram o ano todo a quilômetros de distância.

Apesar de aparentar ser árida e hermética, a formação de minério de ferro que se une para compor a canga (presente no Parque Nacional da Serra do Gandarela e em outras áreas de recarga) é considerada uma espécie de “esponja” por pesquisadores. “Costumamos chamar de 'vegetação de rochas'. Tem a porosidade capaz de absorver a água das chuvas, antes que escorram e se percam, alimentando com abundância o lençol freático (reserva de águas subterrâneas)”, descreve o químico e ambientalista Luciano Faria, ex-diretor da Sociedade Brasileira de Espeleologia. “A litologia (composição das rochas e solos) da Serra do Cipó também propicia a absorção de água. O quartzito se degrada e gera grãos de muita porosidade, que funcionam como areia entre as pedras, absorvendo a água com facilidade”, completa.

A água boa do Gandarela corre sem tantos impactos por incêndios florestais e desmatamento, sendo a mais bem conservada área de recarga de mananciais de classe especial que antecede a captação de água da Grande BH, como mostra o levantamento do EM, embora ainda enfrente pressão da mineração. “O Gandarela é um parque de dimensões aproximadas às do território do município de Belo Horizonte, para se ter uma ideia da sua grandeza. Um grande fornecedor de água de excelente qualidade para o Rio das Velhas, e isso, antes da captação da Grande BH realizada em Nova Lima”, reforça o geógrafo Antoniel Fernandes, professor dos departamentos de Geografia e Biologia da PUC Minas.

“O Gandarela é a grande caixa d’água de Belo Horizonte e da Grande BH. É um seguro hídrico. O ponto de partida de diversos rios. Mas, mesmo protegido em áreas dentro e ao redor do Parque Nacional da Serra do Gandarela, sofre constantes ameaças, como queimadas e desmatamento na sua área de amortecimento”, afirma o químico, espeleólogo e ambientalista, lembrando ainda a pressão da mineração para processar o minério de ferro do subsolo.

Frágil equilíbrio no Gandarela

Divisora de águas, a Serra do Gandarela abastece com suas fontes de um lado o Rio das Velhas e de outro os afluentes do Rio Piracicaba, que desembocam no Rio Doce. Mas até o equilíbrio dessa intrincada dinâmica pode mudar com intervenções minerárias, como algumas encontradas nas áreas de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela. Mesmo em ações que aparentam ser menores do que as profundas cavas e enormes barragens, mas que causam grande impacto. Prospecções nas serras para encontrar minério acabam atingindo os lençóis subterrâneos, podendo interferir nessa dinâmica.

No alto, tudo aparenta estar seco e brotando entre rochas, sem grandes árvores se fechando unidas, desprendendo vapor d'água como ocorre na mata atlântica. Em vez disso, a vegetação é baixa. E parece disputar espaço entre pedregulhos de aparência árida dos solos de cangas de minério de ferro da Serra do Gandarela. Ou irromper por entre montes de cristais claros de quartzito da Serra do Cipó.

São vegetações que aparentam estar fadadas a secar e morrer. Mas, em vez disso, essas duas paisagens, à primeira vista improváveis de sustentar vida, não só o fazem, como armazenam e permitem a distribuição de águas subterrâneas que estão entre as de mais alto grau de pureza em Minas Gerais. E seguindo ainda para abastecer o Espírito Santo, revigorando o Rio Doce, além de Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, para diluir as cargas que poluem o Rio São Francisco.

É abaixo do solo das serras do Cipó e do Gandarela, formações montanhosas e de rica hidrologia, que se entende a proeza de absorção da água e dos abundantes recursos hídricos de qualidade tão elevada, nível descrito como Classe Especial, definido como recursos livres de exposição a poluentes. Tudo é mais bem compreendido em cavernas onde goteiras se multiplicam como uma chuva. Ao percorrerem estalactites, paredões ou pingarem em salto livre, dão ideia do quanto de água penetra subterrâneo adentro, convertendo-se em fontes que jorram o ano todo a quilômetros de distância.

Apesar de aparentar ser árida e hermética, a formação de minério de ferro que se une para compor a canga (presente no Parque Nacional da Serra do Gandarela e em outras áreas de recarga) é considerada uma espécie de “esponja” por pesquisadores. “Costumamos chamar de 'vegetação de rochas'. Tem a porosidade capaz de absorver a água das chuvas, antes que escorram e se percam, alimentando com abundância o lençol freático (reserva de águas subterrâneas)”, descreve o químico e ambientalista Luciano Faria, ex-diretor da Sociedade Brasileira de Espeleologia. “A litologia (composição das rochas e solos) da Serra do Cipó também propicia a absorção de água. O quartzito se degrada e gera grãos de muita porosidade, que funcionam como areia entre as pedras, absorvendo a água com facilidade”, completa.

A água boa do Gandarela corre sem tantos impactos por incêndios florestais e desmatamento, sendo a mais bem conservada área de recarga de mananciais de classe especial que antecede a captação de água da Grande BH, como mostra o levantamento do EM, embora ainda enfrente pressão da mineração. “O Gandarela é um parque de dimensões aproximadas às do território do município de Belo Horizonte, para se ter uma ideia da sua grandeza. Um grande fornecedor de água de excelente qualidade para o Rio das Velhas, e isso, antes da captação da Grande BH realizada em Nova Lima”, reforça o geógrafo Antoniel Fernandes, professor dos departamentos de Geografia e Biologia da PUC Minas.

“O Gandarela é a grande caixa d’água de Belo Horizonte e da Grande BH. É um seguro hídrico. O ponto de partida de diversos rios. Mas, mesmo protegido em áreas dentro e ao redor do Parque Nacional da Serra do Gandarela, sofre constantes ameaças, como queimadas e desmatamento na sua área de amortecimento”, afirma o químico, espeleólogo e ambientalista, lembrando ainda a pressão da mineração para processar o minério de ferro do subsolo.

Frágil equilíbrio
no Gandarela

Divisora de águas, a Serra do Gandarela abastece com suas fontes de um lado o Rio das Velhas e de outro os afluentes do Rio Piracicaba, que desembocam no Rio Doce. Mas até o equilíbrio dessa intrincada dinâmica pode mudar com intervenções minerárias, como algumas encontradas nas áreas de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Gandarela. Mesmo em ações que aparentam ser menores do que as profundas cavas e enormes barragens, mas que causam grande impacto. Prospecções nas serras para encontrar minério acabam atingindo os lençóis subterrâneos, podendo interferir nessa dinâmica.