Já teve a oportunidade de fazer uma ação que de fato mudou a vida de alguém? Talvez, em algum momento, sem perceber fazemos algo que ajuda uma pessoa e nem ficamos sabendo. Mas já fez, conscientemente, alguma ação que transformou uma vida? Pois é isso que Mary Figueiredo Arantes tem feito há anos.
Nascida no Vale do Jequitinhonha, artista nata, Mary é a caçula de oito irmãos. A mãe era professora primária – e deve ter feito só o primário –, e o pai era alfaiate. A família nunca passou fome, mas viviam na escassez natural da região. A casa não tinha geladeira. E onde há falta, sobra criatividade. Cresceu entendendo sobre sustentabilidade e reaproveitamento porque na sua casa não tinha lixo. Cascas de legumes e de ovos viravam adubo e o banheiro era fossa, ou seja, um buraco no chão, e tudo que por lá ficava, inclusive o papel, era decomposto na terra.
Mary Figueiredo Arantes
Veio para Belo Horizonte para estudar. E crescida criou a Mary Design, marca de bijuterias que explodiu no país e no exterior com exportação para vários países, inclusive Japão. Tudo isso ao lado do marido, José de Paula Arantes Júnior, mais conhecido como Moreco, que foi o responsável pela parte administrativa, financeira e de suprimentos. A empresa era exemplo de organização graças a ele. Chegaram a ter 60 funcionários registrados e outros 80 terceirizados. E foi neste momento que eles perceberam que o momento do país não concebia custos tão altos e decidiram fechar a empresa. “Foi um parto, tinha oito representantes nacionais e quatro internacionais. E toda mudança dá medo. Foi muito doído, mas foi necessário”, diz Mary.
Se pensa que a inquieta Mary pensou em ficar parada, engana-se. Uma amiga deu a ela a ideia de fazer um bazar, nos moldes do Bazarte – bazar beneficente que ela fez por anos –, só que dessa vez, seria comercial mesmo, com vários participantes. Nasceu assim a Quermesse.
Foi com o Bazarte que a Mary começou a fazer curadoria, mesmo sem perceber. Como eram vários expositores e muitos tinham o mesmo seguimento ela direcionava o que cada deveria levar para não ficar peças parecidas, ou expositores semelhantes com as mesmas cores, nem levar peças que não combinavam com a histografia ou com a temática do evento.
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minha história
Mary faz questão de ir na casa dos produtores artesão ou em seus ateliês porque ela consegue conhecer assim a essência da pessoa e acaba descobrindo verdadeiros tesouros abandonados. “Vejo um pedaço de madeira ou de cerâmica jogado em um canto e pergunto sobre aquilo. Geralmente dizem que é algo que não deu certo. Às vezes eu resgato aquela peça e se torna o melhor do trabalho, ou dali a pessoa dá continuidade e faz uma série. Esse meu olhar vem de onde eu nasci, isso é fundamental em toda minha história, primordial, porque foi no Vale do Jequitinhonha que eu aprendi a fazer o melhor que eu podia com nada, com a simplicidade dos materiais, na quase escassez”, conta.
Mary se tornou consultora do Sebrae e viajou o país inteiro com o projeto Talentos do Brasil achando que seria uma troca de saber com as pessoas das comunidades pequenas e carentes, fazendo trabalhos manuais para aumentar a renda. “O artesanato sempre surge da necessidade de um povo, e o artesão quase nunca compra o material, a base com o qual ele trabalha. É o barro que está no rio, o troco de madeira que caiu na mata que ele pega e trabalha, esculpe, dá forma”, explica. Não precisa falar que Mary aprendeu muito mais do ensinou. Inclusive ela fez um trabalho com dr. Márcio Miranda de relações interpessoais, por quase dois anos, para aprender sobre escuta que ela diz que mudou sua vida.
As histórias, as experiências vividas e os casos são muitos e cada um mais interessante que o outro, e foi toda essa vivência que deu à Mary Arantes a bagagem que a transformou nessa curadora competente e sensível, profunda conhecedora do artesanato brasileiro. E ela continua vagando por essas estradas de terra batida, indo a pequenas casinhas no meio do nada para achar talentos e jogar luz sobre eles.
A fada do bem não se contenta em descobrir o artesão e trazê-lo para uma quermesse. Ela também o ensina a precificar seu trabalho, a dar nome para a coleção, ela fotografa suas peças, ajuda a escrever sua história, prepara o artista para falar sobre o que faz. E tudo isso sem cobrar um centavo.
As viagens dos artesãos para BH são patrocinadas pela Fundação beneficente Valley for Vale, criada por Andrea Fiuza Hunt residente em Nova York, que custeia as passagens, transporte das peças, hotel e alimentação.
outros olhos.
Mary diz que um dos maiores cases de sucesso dela é a Madame Frufru, de Miriam Thomé que ela conheceu vendendo tapete na rua. “Ela vendia tapetes de frufru em forma de joaninha, girassol etc. Muito bem-feito. O avesso era perfeito. Ela é uma mulher negra, maravilhosa, um sorriso encantador. Um dia minha nora perguntou se eu já tinha reparado que quase não tinha negro na minha quermesse, isso foi uma facada para mim e fui atrás da Miriam e disse que eu queria dar uma consultoria para ela. Foi das coisas mais lindas, porque ela diz que eu a ensinei a olhar o mundo com outros olhos. Ela diz que hoje ela olha o mundo com olhos de coruja. Ela dançava na exposição, ela entendida que se ela recortasse cada quadro daria um tapete diferente. Aí caiu a ficha toda. Eu mostrei várias possibilidades a ela. Ela virou outra, se formou em psicologia, montou consultório. A cabeça dela explodiu. Já foi para a feira Rosembaum várias vezes, já saiu na revista Vogue duas vezes, já exportou”, relembra.
Este trabalho tão cuidadoso e apurado de Mary levou o artesanato ao Museu de Artes e Ofícios e agora leva ao CCBB em duas edições do Salão das Artes, a primeira de 11 a 14, e a segunda de 18 a 21, sempre das 10h às 20h, com entrada gratuita. O Salão das Artes acontece pela primeira vez e compõe a programação oficial da Vila Mineiridade, novo espaço instalado na Praça José Mendes Júnior, entre a Rua da Bahia e a Praça da Liberdade, projeto de Aluizer Malab, da Malab Produções. E é maravilhoso ver a valorização dos artesãos. Entre os expositores está o Daniel Santana, um ceramista de Cachoeira do Fanado, pequena comunidade de Minas Novas. Aos 5 anos fazia burrinhos e bois de cera de abelha. Depois que saiu da sua terra foi no fundo do poço, mas lembrou das esculturas que fazia, e lembrou da palavra Dom que as pessoas diziam que ele tinha, e voltou para a casa de sua mãe, que também é ceramista. Mais uma descoberta de Mary que colocou holofote sobre o artista e sua obra.
Além do Salão das Artes no CCBB, Mary também faz a sua tradicional Quermesse da Mary, nos dias 12, 13 e 14, na Rua Iraí, na Serra. São três oportunidade para adquirir presentes originais, criativos, bonitos, exclusivos, artísticos e artesanais.
