Dercy -  (crédito: Gustavo Romanelli/Divulgação)

Dercy

crédito: Gustavo Romanelli/Divulgação

 

Não se trata apenas de montar a fantasia. A escolha do que vestir para seguir os blocos carnavalescos de Belo Horizonte diz muito sobre liberdade e ousadia. Quanto mais o tempo passa, mais as mulheres – e os homens, por que não – se sentem confortáveis para andar pelas ruas vestindo o que faz com que se sintam bem e belos. Hot pant de paetê, calça legging de oncinha e até tapa-seio de flor andam desfilando por aí. Essa mudança de comportamento é impulsionada por marcas que criam roupas coloridas e brilhantes para todos os corpos.


O olhar inclusivo da Costuras do Imaginário se estendeu para o carnaval. Conhecida pelas estampas em braile, a marca vem tornando as roupas para curtir a folia acessíveis a todos os corpos. Além de trabalhar com uma grade muito ampla – e de se disponibilizar a atender fora da grade, a designer Cintia Caroline incentiva as mulheres a vestir o que quiserem. “Temos um propósito forte de valorização de todo corpo, de você se mostrar do jeito que é.”


Apaixonada pelo carnaval desde pequena, Cintia usa o que chama de “tapa-teta” (que tampa os mamilos) há muito tempo. Foi incluir a peça na sua coleção para conquistar adeptas. “Antigamente éramos eu e pouquíssimas mulheres com o corpo dito padrão com tapa-teta. Hoje vejo as mulheres se permitindo mais, mostrando o corpo felizes e livres para serem quem são, mostrando a beleza que tem cada um com o seu corpo. Isso é muito legal”, diz a designer, que incluiu no ensaio fotográfico uma mulher com deficiência visual e outra acima dos 60 anos.


Para democratizar o tapa-teta, ela diversifica os modelos e tamanhos. A peça pode ser só uma flor ou um círculo de lantejoulas, que já vão com adesivo de uso único próprio para pele. Há também uma versão com bojo maior e amarração de faixas de tule. Visualmente, lembra o tapa-teta, mas tem a sustentação de um top, para que a mulher se sinta mais segura. Um dos modelos tem franjas coloridas, que são uma novidade desse ano.


As hot pants, que são sempre sucesso, também estão prontas para atender todos os corpos. A marca trabalha com tamanhos do PP ao 4G (e ainda sob medida) e modelagens mais ou menos cavadas. “No ano passado, fiz uma pesquisa com o público perguntando se preferiam a hot pant maior ou cavada. Ganhou a maior. Mesmo assim, este ano, resolvi lançar um pouco mais da cavada e ela acabou rapidamente. Isso mostra que as mulheres estão conquistando mais liberdade ao longo dos anos.” De lurex, elas dão o brilho esperado no carnaval.

Como tatuagem


Cintia também incentiva o uso de transparência com croppeds, camisetas e quimonos de tule. É o tecido que ela usava nas suas próprias fantasias e sempre chamava a atenção por ser diferente. Para que fique o mais camuflado possível, dando um efeito de quase nudez, quem tem a pele negra pode usar o tom mais escuro e quem tem a pele branca, o mais claro.


O diferencial do trabalho da Costuras do Imaginário está em um pequeno, mas muito valioso detalhe: a estampa. A designer transfere para o tecido frases encorajadoras com a sua própria caligrafia. São elas “Todo corpo é poesia” e “Que nunca falte tesão”. Embaixo, a tradução em braile. “Foi um desafio, porque normalmente trabalho com peças de malha de algodão, então nunca tinha aplicado braile nos tecidos de carnaval. Levei um tempo testando para entender o que funcionava.”


No caso do hot pant, o escrito fica na altura do bumbum. Já nas peças de tule, aparecem na parte da frente ou de trás. Por causa da transparência, vira uma tatuagem na pele.

Grade ampliada


Ano a ano, Débora Cruz, uma das criadoras da Dercy, observa que mais mulheres vão se sentindo confortáveis de mostrar o corpo. Por isso, a marca ampliou a grade de numeração, mesmo das peças mais curtas e justas. “Antes a roupa tinha que cobrir a bunda. Hoje mais mulheres se permitem usar body e hot pant. Isso se democratizou. Elas estão mais à vontade com o corpo que têm e compram a proposta mais despudorada do carnaval.”


Não faltam opções para as mulheres que querem se sentir livres e lindas. O body de cetim (tecido usado pela primeira vez, ideal para quem prioriza conforto, mas quer brilho e cores) pode ser de um ombro só com babados ou frente única. O de oncinha com babados estruturados nos ombros em paetês coloridos entrega luxo e ousadia. Ainda tem o de malha lurex com aplicação de estrelas brilhantes e o de tule com broches de strass em formato de coração que funcionam como tapa-mamilo.


Na categoria hot pant, a marca oferece desde o estilo short até o tipo calcinha de biquíni (mais ou menos cavada). Você tem a possibilidade de combinar as hot pants com saias de tule, que fazem um jogo de sobreposição com transparência.


Novidade desta coleção, a calça legging de lurex com estampa de oncinha chega com o nível máximo de irreverência. Os babados de paetês coloridos, que vão de cima abaixo, na perna direita, fazem com que ela seja ainda mais surpreendente. Essa peça foi pensada para vestir homens e mulheres, assim como o short esportivo, a regata (que tem modelagem oversized) e o quimono. Segundo Débora, o público masculino está investindo cada vez mais no look de carnaval.


Quem quer se vestir de oncinha da cabeça aos pés pode se resolver com as luvas compridas com amarração de paetês e a touca com orelhinhas.

Bolsas divertidas


Outro lançamento que está dando o que falar é a linha de bolsas. Na verdade, bolsa não explica totalmente o acessório acolchoado que veste o corpo e vira uma fantasia sem muito esforço. Tem formato de estrela e de coração. “Quando idealizei, seria só para enfeitar o corpo, mas resolvi acrescentar uma função muito prática, de guardar básico com segurança”, conta a estilista, que brinca. Um zíper discreto “esconde” o compartimento para carregar celular, carteira e chave.


No site, a marca avisa que a bolsa pode ganhar outros usos: “é boa para ninguém te amassar no bloco e ainda dá para usar de travesseiro na volta para casa”.
Idealizada em 2017, a Dercy continua a apostar na estética do brilho, do exagero e da ousadia. Débora e a sócia, Alice Corrêa, se inspiraram em Dercy Gonçalves, mulher “transgressora e à frente do tempo”.
As estilistas foram umas das primeiras em BH a oferecer roupas coloridas e brilhantes, com matéria-prima nobre e informação de moda, que podem ou não virar uma fantasia temática. A proposta é que sejam peças “para o carnaval e para a vida”. “Temos uma saia dourada de paetê super chique que dá para usar tranquilamente em uma festa. As nossas peças são para durar vários usos e vários carnavais.”

Conquista para todas


Gabriela Ruas também acompanha o processo de mudança de comportamento das foliãs desde 2017, quando nasceu a Viva Bossa, marca que criou com a mãe e a irmã. Antigamente, as clientes não queriam nem experimentar as peças que deixavam o corpo mais à mostra. Agora, a cada carnaval, voltam buscando mais ousadia. “Quando a mulher se veste e vê o quanto ficou radiante, autêntica e livre, não tem volta. É uma conquista. Somos uma ferramenta para que ela se veja nesse lugar e se sinta maravilhosa, feliz e confortável”, comenta.


O hot short (chamado assim por ser um pouco maior que a hot pant) é a peça mais desejada da marca. Tanto que pode ser encontrado em mais de 10 cores. Como não tem zíper nem botões, e pela elasticidade do lurex, entrega conforto para pular o carnaval por horas seguidas. Mas sempre tem quem queira usar hot pant, que tem uma modelagem mais cavada, saia curtinha com fenda e maiô. O quimono e o colete podem entrar como segunda ou terceira peça.


A grande novidade deste ano são os corselets de paetê com amarração nas costas. “A minha mãe foi modelista a vida toda, então busca muita inspiração no que ela modelava, revisita muitos modelos. Trazemos essa peça clássica com um toque moderno.” A marca também aposta em tops de tela transparente com aplicação de pedrarias, franjas e correntes. Faz muito sucesso o top de crochê feito a mão pela tia de Gabriela. A linha felpuda faz com que tenha um toque fofo e macio.


Chama a atenção a diversidade de cores, texturas e modelos na coleção da Viva Bossa. Além de querer abranger todos os corpos e preferências, mãe e filhas optam por garimpar tecidos. Ou seja, não compram de grandes fornecedores, só usam o que acham na cidade.


“Essa diversidade é muito influenciada pela pequena quantidade de tecidos que encontramos, o que gera peças muito exclusivas. Acreditamos que essa é a forma de cada um expressar a sua autenticidade.” Assim, produzindo de pouco em pouco, elas acabam lançando modelos até a véspera do carnaval.

Mais qualidade


Lá no início, Gabriela se lembra de que só conseguia encontrar um lamê que desbotava muito rapidamente e manchava em contato com água ou suor. Mal durava um carnaval. Ainda bem que a oferta aumentou, assim como a qualidade. “Entendemos as roupas de carnaval como acervo. Todo ano você compra e vai juntando com peças que já tem no armário. Somos a favor da moda durável e para o ano todo. Por que não levar o espírito do carnaval para outros momentos?”. Depois do carnaval, a frente única de paetê pode fazer bonito com uma calça jeans básica.


A marca não fala que vende fantasia, mas peças que proporcionam combinações infinitas para cada um montar a sua fantasia. Gabriela, inclusive, gosta muito de acompanhar as clientes na montagem do look.
O brilho continua a ser muito desejado, mas ninguém quer abrir mão do conforto. O desafio, então, é equilibrar exuberância e conforto na mesma peça. O elastano e as modelagens mais soltas ajudam nisso. Neste ano, pelo que já deu para perceber, o público está procurando muito prata e rosa. “Acredito que seja por causa do tour da Beyoncé e do filme da Barbie. É interessante ver como as tendências do mundo pop chegam para a gente no carnaval”, observa Gabriela. Independentemente da moda, o neon é sempre um clássico de carnaval.