brechó Belle Pok -  (crédito:  Eloah Roberta/Divulgação)

brechó Belle Pok

crédito: Eloah Roberta/Divulgação


De cobertor a toalha de mesa, passando por vestido de noiva e camisola. Tudo se transforma nas mãos de Sandra Oliveira. A criadora da marca Salu Couture, que também é dona do brechó Belle Pok, usa tecidos antigos para desenvolver um trabalho totalmente autoral. “Gosto de falar que tudo na vida pode ter uma nova oportunidade”, comenta Sandra, que levanta a bandeira da moda consciente e responsável.

 

brechó Belle Pok

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Eloah Roberta/Divulgação

Desde pequena, no interior, Sandra se interessava por moda e fazia compras em brechó. Diz que puxou a sua avó, que gostava de misturar cores e estampas. Em 2012, ela se mudou de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, para Belo Horizonte e ficou deslumbrada com a oferta de roupas usadas. Os seus garimpos começaram a chamar a atenção de amigas e daí surgiu a ideia de montar um brechó.

 

brechó Belle Pok

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Eloah Roberta/Divulgação

Inicialmente, o Belle Pok funcionava na garagem de casa e pela internet. Mais tarde, ganhou loja física no Mercado Novo, no Centro da capital, que começava a ser reocupado por empresas criativas. Sandra viveu um turbilhão de emoções nessa fase da vida: novo negócio, gravidez, pandemia, depressão pós-parto. Logo depois, veio o desejo de fazer algo novo. Em outubro de 2021, ela lançou a Salu Couture. “A marca nasceu antes no meu coração. Sempre tive o sonho de fazer as minhas peças reutilizando outras roupas.”


Sandra fala que a Salu é uma marca muito afetiva, porque traz memórias da sua avó, que deixou de “herança” o amor por peças que contam histórias. Antes de lançar a marca, ela já tinha a mania de colecionar “coisas de vó”, como colchas, toalhas de mesa, paninhos, porta-copo etc. Se tivesse bordado, melhor ainda. Calcula que deve ter umas 500 peças. Algumas usava em casa, mas outras não tinha coragem de usar e ia guardando. Agora abre o seu “baú” de preciosidades para fazer do antigo o must have de hoje.


A marca também usa como matéria-prima roupas do Belle Pok. Geralmente, são peças que não encontram rapidamente um novo dono e acabam ficando muitos anos paradas nas araras. Vestidos de noiva e camisolas estão entre os itens que mais ganham nova chance na Salu. Por isso, ela trabalha muito com tafetá e seda. Ainda entram em cena artigos com modelagens e tamanhos muito específicos, que não se encaixam facilmente em outra pessoa. Em todos os casos, são tecidos únicos, que não se repetem.


“Já existe muito tecido para a gente transformar e dar uma nova cara. Não temos necessidade de fabricar mais, a meu ver, podemos reutilizar. Fora a qualidade, que para mim é incomparável. Não se compra tecido atual como os de antigamente”, aponta, dando como exemplo uma colcha, formada por uma “trama perfeita” de um algodão “maravilhoso”.


Tecidos que inspiram

O trabalho é apresentado ao público em microcoleções, sem nome ou tema. As roupas vão surgindo de acordo com os tecidos encontrados. “Não crio a peça e vou atrás do tecido. Crio a peça quando já tenho o tecido e sinto o que dá para fazer”, explica Sandra, que fez três períodos de faculdade de moda, mas acabou preferindo seguir a intuição. Ela também atende sob encomenda. O que não faz de jeito nenhum é produzir em grande escala. “A proposta da marca não é gerar mais resíduo. Pelo contrário, é resgatar o que já tem.”


Para não ficar limitada aos garimpos, que muitas vezes não são suficientes para fazer uma peça inteira, a estilista passou a trabalhar também com tecidos sustentáveis. Entre eles, o algodão orgânico, cultivado em pequenos terrenos, sem uso de defensivos agrícolas e fertilizantes químicos, que nascem naturalmente na cor terracota, e o algodão reciclado com fios de garrafa PET. Normalmente, aparecem em peças de alfaiataria.


Os volumes são uma característica marcante da Salu. Quanto mais exagerado, mais interessante fica a roupa, na visão da criadora. Sandra achava que suas roupas seriam mais conceituais do que comerciais. Para ela, o que importava era fazer o que gostaria de vestir. “Às vezes, fico dois, três meses com o tecido pensando o que vou fazer. Só levo para a costureira quando sinto que vou usar a peça. Tenho que estar muito apaixonada.”


Com o tempo, Sandra descobriu que muita gente (entre mulheres e homens) curtem o seu estilo “over”. O exagero pode estar, 

por exemplo, em mangas bufantes, laços enormes e comprimentos tão longos que quase se arrastam no chão.


A estilista tem uma paixão assumida pelos casacos, que acabaram se tornando os mais desejados pelos clientes. Ela se lembra com carinho de um modelo que mesclava dois cobertores vindos da Itália. A parte da frente tinha aquela padronagem clássica de xadrez, em verde, branco e cinza, e a parte de trás era toda em caramelo com desenhos geométricos na barra. Para fazer essa peça, ela aproveitou o máximo dos tecidos, inclusive as franjas, para evitar cortes, tanto que ficou super longo. Seu lema é reaproveitar e não desperdiçar.


Tapeçaria inteira

A mesma lógica foi usada para a criação de outro casaco. Era todo de algodão preto e, nas costas, a surpresa: uma peça inteira de tapeçaria antiga, com o desenho de uma cena do cotidiano. Sandra ficou tão apaixonada pelo achado que não admitia cortar nem um pedaço. Por isso, optou pela modelagem oversized. “Falei com a costureira que ela tinha que encaixar a tapeçaria sem tirar nada, então o casaco ficou gigante, muito largo e comprido.” Mais uma forma de brincar com os volumes. Quem comprou foi uma mulher que veste P.


No acervo de casacos, mais um inesquecível para Sandra. Em uma das laterais, uma coleção de botões que garimpou ao longo da vida. Por isso, foi uma das peças mais caras que já produziu. “Quem compra uma roupa nossa compra história e qualidade. Fora a exclusividade de usar uma peça única, que não vai encontrar em outro lugar.”


Depois dos casacos, os vestidos vêm na sequência em volume de produção e preferência dos clientes. Sandra elege como um dos seus queridinhos o vestido preto tubinho de mangas bufantes de tafetá na cor rosa pink. “É um vestido simples, mas muito maravilhoso.” Essas mesmas mangas são acopladas a um top cropped, aumentando o contraste de volumes.


Podemos falar também do vestido de tapeçaria com um enorme laço de organza nas costas e do vestido midi com babados na barra e laços nada discretos nos ombros.


Sandra costuma falar das roupas no passado porque já foram vendidas e não vão mais se repetir. São únicas. Há casos em que ela reproduz a modelagem, mas com outros tecidos. Por exemplo, o casaqueto (curto e com manga sino) que nasceu quando ela comprou um lote de tecidos de descarte da Itália. No meio, vieram sobras da marca Versace, com estampas bem icônicas. Não consegue mais fazer igual, mas pode fabricar em outros tecidos e cores.