A série “O Eternauta” da Netflix representa um marco histórico na produção audiovisual latino-americana ao se tornar a primeira adaptação televisiva de uma das graphic novels mais emblemáticas da Argentina. Estreando em 30 de abril de 2025, a produção protagonizada por Ricardo Darín conquistou o primeiro lugar em 20 países, incluindo Brasil, Chile, Colômbia e México, demonstrando o potencial global de narrativas regionais quando executadas com qualidade técnica de padrão internacional. A série alcançou 90% de aprovação da crítica e impressionantes 98% do público no Rotten Tomatoes, estabelecendo um novo paradigma para produções de ficção científica na América Latina.
Dirigida por Bruno Stagnaro (criador da cultuada “Okupas”), a adaptação combina tecnologia de ponta com sensibilidade narrativa, utilizando o StageCraft — a mesma tecnologia empregada em “The Mandalorian” — para recriar uma Buenos Aires apocalíptica. A produção envolveu mais de 35 locações reais e 25 sets construídos especificamente para capturar a essência visual da obra original de Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López. Esta fusão entre tradição e inovação tecnológica posicionou a série como referência para futuras adaptações de quadrinhos clássicos na região.
Qual é a trama de “O Eternauta”?
Em “O Eternauta”, a população de Buenos Aires enfrenta uma tempestade de neve tóxica que extermina todos que entram em contato com os flocos. O personagem central, Juan Salvo, tenta proteger sua família enquanto se une a outros sobreviventes para enfrentar uma ameaça ainda maior: a invasão de forças estrangeiras hostis. Com uma forte atmosfera de ficção científica, a série é a primeira adaptação audiovisual da obra original, mantendo a essência da crítica social presente na HQ.
Quem foi Héctor Germán Oesterheld?
Héctor Germán Oesterheld não era apenas um roteirista talentoso, mas também um militante político ativo contra a ditadura militar argentina nos anos 1970. Em 1977, ele foi sequestrado aos 58 anos e levado para centros de detenção clandestinos, onde continuou escrevendo mesmo sob tortura. No final de 1978, ele foi assassinado, e seu corpo nunca foi encontrado. A repressão não se limitou a ele; suas quatro filhas também foram sequestradas e assassinadas, tornando-se um símbolo da brutalidade do regime.
Por que “O Eternauta” é um símbolo de resistência?
O assassinato de Oesterheld e de seus familiares se tornou um dos símbolos mais violentos da repressão ocorrida na Argentina entre 1976 e 1983. Apesar disso, sua obra sobreviveu ao regime e ganhou reconhecimento internacional como exemplo de resistência por meio da arte. “O Eternauta” não é apenas uma história de ficção científica, mas também um testemunho da luta contra a opressão e a censura, refletindo a coragem de seu autor e sua família.
A primeira temporada de “O Eternauta” está disponível na Netflix, permitindo que novas gerações conheçam tanto a obra quanto a história de resistência que ela representa.
Como a tecnologia StageCraft revolucionou a produção argentina?
A implementação da tecnologia StageCraft em “O Eternauta” marca um salto qualitativo na produção audiovisual argentina, permitindo que cenários digitais e físicos se integrem de forma orgânica. Esta tecnologia, desenvolvida pela Industrial Light & Magic para a Disney, possibilita que atores performem em ambientes virtuais em tempo real, eliminando a necessidade de extensas sessões de pós-produção e oferecendo maior naturalidade nas interpretações. Para uma produção latino-americana, ter acesso a esta tecnologia representa democratização de ferramentas antes exclusivas de grandes estúdios hollywoodianos.
A equipe técnica argentina demonstrou capacidade excepcional ao dominar esta tecnologia complexa, provando que talentos locais podem competir em pé de igualdade com produções internacionais quando recebem recursos adequados. Os efeitos visuais dos “cascudos” (insetos gigantes alienígenas) e dos “homens-robô” estabeleceram novos padrões para o gênero na região, mesmo com algumas limitações técnicas ocasionais. Esta conquista tecnológica abre precedentes para futuras produções ambiciosas na América Latina, potencialmente atraindo investimentos internacionais para a indústria local.
Qual o impacto cultural da obra original de Oesterheld?
Héctor Germán Oesterheld criou “O Eternauta” entre 1957 e 1959 como uma alegoria antecipando os horrores da ditadura militar que assombrariam a Argentina décadas depois. A obra tornou-se símbolo de resistência especialmente após o desaparecimento forçado do autor e suas quatro filhas durante o regime militar dos anos 1970, transformando o Eternauta em ícone político frequentemente visto em grafites pelas ruas de Buenos Aires. Esta dimensão histórica adiciona camadas de significado à adaptação televisiva, onde cada cena de resistência contra invasores alienígenas ecoa lutas reais contra opressão política.
A Netflix assumiu a responsabilidade de honrar este legado ao manter a essência política e social da obra original, enquanto atualiza suas mensagens para contextos contemporâneos. A série preserva o foco na “força do coletivo” que Oesterheld considerava fundamental para enfrentar qualquer forma de autoritarismo. Para audiências latino-americanas familiarizadas com histórias de resistência contra regimes autoritários, estas conexões são imediatamente reconhecíveis e emocionalmente poderosas, explicando parcialmente o sucesso regional da adaptação.