Era fim de tarde em Belo Horizonte quando Clara Menezes, 36 anos, auxiliar administrativa, saiu mais cedo do trabalho para encontrar o ex-marido em um cartório de bairro. O casamento de 12 anos com Eduardo, 40 anos, empresário, já vinha se desgastando, e a proposta parecia prática: assinar alguns documentos para “acelerar o divórcio amigável” e evitar brigas na Justiça. Cansada dos conflitos e sem orientação jurídica, Clara confiou na explicação rápida que ouviu e assinou a procuração sem ler com atenção o que estava autorizando.
Como Clara perdeu o direito aos bens ao assinar a procuração sem entender o conteúdo
Eduardo chegou ao cartório com um advogado de sua confiança, que apresentou um documento já pronto, dizendo que era apenas para agilizar o processo no fórum e evitar custos extras. O que Clara não sabia era que aquela procuração concedia amplos poderes para que o ex-marido a representasse na partilha de bens, permitindo que ele definisse sozinho o destino do patrimônio construído durante o casamento.
Sem saber, Clara autorizou que Eduardo tratasse do divórcio e da divisão patrimonial como se ela estivesse presente, incluindo a renúncia a direitos. Semanas depois, recebeu uma carta informando que o divórcio e a partilha estavam concluídos, e descobriu que o apartamento do casal e o veículo adquirido em conjunto ficaram exclusivamente em nome dele, com base na procuração assinada por ela.

O que é vício de consentimento e quando ele permite anular uma partilha de bens
Ao procurar um advogado, o ponto central analisado foi o chamado vício de consentimento, previsto no Código Civil brasileiro. Esse vício ocorre quando a vontade declarada em um documento não corresponde, de forma livre e consciente, à real intenção da pessoa, seja por erro, engano ou manipulação de terceiros.
No caso de Clara, a alegação foi de erro e dolo, pois ela acreditava estar apenas autorizando o andamento do divórcio, sem saber que renunciava aos bens. Com base nos artigos 138 a 165 e no artigo 171, inciso II, do Código Civil, o advogado propôs uma Ação de Anulação de Partilha, defendendo que o negócio jurídico era anulável por vício de vontade.
Em quanto tempo é possível pedir a anulação da partilha de bens viciada por erro ou dolo
O prazo para reagir também é fundamental nesses casos. O artigo 178 do Código Civil prevê que a ação para anular um negócio jurídico viciado por erro, dolo ou coação deve ser proposta em até 4 anos, contados da assinatura do ato ou do momento em que cessa a coação, sob pena de perda do direito.
Para fortalecer sua ação, Clara reuniu provas que demonstrassem o contexto em que assinou a procuração e a ausência de plena compreensão do conteúdo. Entre os principais documentos e registros que podem ser usados em situações semelhantes, destacam-se:
- Cópia da procuração pública utilizada no divórcio e da escritura de divórcio extrajudicial com a partilha de bens;
- Mensagens em que uma das partes fala apenas em “agilizar o divórcio”, sem mencionar renúncia patrimonial;
- Comprovantes de participação na aquisição de bens, como financiamentos, recibos e extratos bancários;
- Elementos que indiquem pressão, omissão de informação ou orientação jurídica desequilibrada entre as partes.

Quais leis e normas protegem quem assina procuração sem entender o que está autorizando
A situação de Clara é protegida por regras gerais do Código Civil brasileiro, que exigem vontade livre e consciente para a validade dos negócios jurídicos. Quando a manifestação de vontade é viciada por erro, dolo ou coação, o ato pode ser anulado, desde que respeitado o prazo legal para questionamento.
No contexto dos divórcios em cartório, a legislação e os provimentos estaduais exigem que a procuração para divórcio e partilha seja pública, com poderes especiais e expressos, descrevendo claramente o divórcio e a forma de partilha. A ética também impede que o mesmo advogado atue com interesses conflitantes, sob pena de o ato ser questionado judicialmente por desequilíbrio e falta de transparência.
O que pode mudar nos divórcios até 2026 e como se proteger de novas formas de abuso
Tramitam no Congresso propostas como o Projeto de Lei nº 4/2025, que discute o divórcio unilateral em cartório, permitindo que apenas um dos cônjuges oficialize o divórcio extrajudicial após notificar o outro. Mesmo com maior agilidade, a partilha de bens e questões envolvendo filhos continuariam, em caso de conflito, sujeitas à via judicial e ao controle de legalidade.
Independentemente das mudanças, um ponto não muda: nenhum ato jurídico pode se sustentar sobre fraude, erro grave ou coação. Se você está em processo de separação ou prestes a assinar uma procuração, não faça isso no escuro. Busque orientação jurídica própria, leia cada cláusula e questione o que não entender. Se já assinou e desconfia de prejuízo, o tempo para reagir é limitado: procure um advogado de confiança agora e não deixe que o seu patrimônio e a sua história sejam decididos sem a sua verdadeira vontade.




