A produção criada por Steven Knight chegou ao Disney+ em fevereiro de 2025 e rapidamente se estabeleceu como uma das séries mais comentadas da plataforma. Diferentemente de outras produções que demoram temporadas para encontrar seu ritmo, Mil Golpes conseguiu impressionar desde os primeiros episódios, alcançando incríveis 90% de aprovação no Rotten Tomatoes. A série não apenas conquistou o público brasileiro, mas se tornou um fenômeno global, especialmente entre os fãs que sentiram falta das narrativas intensas de Peaky Blinders.
O que mais chama atenção na recepção da obra é como ela conseguiu equilibrar entretenimento e responsabilidade histórica. Embora seja uma ficção baseada em eventos reais, Knight teve o cuidado de pesquisar arquivos de tribunais e artigos de jornal da época para construir uma narrativa autêntica. A segunda temporada, confirmada ainda antes da estreia da primeira, demonstra a confiança da produção no potencial da história.
Por que Mil Golpes se diferencia de outras séries históricas?
Enquanto muitas produções de época focam exclusivamente na aristocracia, Mil Golpes mergulha nas classes trabalhadoras e marginalizadas da Londres vitoriana. A série apresenta uma perspectiva única ao dar protagonismo a personagens que tradicionalmente ficaram de fora dos livros de história oficial. Hezekiah Moscow, interpretado por Malachi Kirby, representa não apenas um boxeador talentoso, mas um símbolo da luta dos imigrantes jamaicanos por reconhecimento numa sociedade hostil.
A autenticidade da produção vai além dos figurinos e cenários impecáveis. Knight reconstruiu não apenas a estética da época, mas também suas dinâmicas sociais complexas. O contraste entre o East End empobrecido e o West End aristocrático serve como pano de fundo para uma narrativa que explora temas como xenofobia, luta de classes e a busca por identidade numa sociedade em transformação.
Quem eram realmente os Quarenta Elefantes?
Um dos aspectos mais fascinantes da série é sua representação dos Quarenta Elefantes, uma gangue exclusivamente feminina que realmente existiu em Londres. Essa organização criminosa operou por décadas, desde pelo menos 1870 até 1950, especializando-se em roubos sofisticados e esquemas de confiança. Diferentemente da imagem estereotipada de gangues violentas, as Quarenta Elefantes eram conhecidas por sua inteligência e organização.
Mary Carr, interpretada por Erin Doherty, foi uma figura real que liderou o grupo entre 1890 e aproximadamente 1924. Na vida real, Carr foi presa múltiplas vezes, começando aos 14 anos por furto em lojas. O interessante é que a gangue operava de forma igualitária, dividindo igualmente os produtos de seus crimes, mas Carr mantinha autoridade executiva sobre as operações mais importantes. A série captura essa complexidade ao mostrar como essas mulheres criaram um império criminal numa época em que tinham pouquíssimos direitos legais.
Como a produção retrata o boxe vitoriano?
O universo do boxe apresentado em Mil Golpes reflete uma transição histórica real entre duas modalidades completamente diferentes. Na década de 1880, o boxe sem luvas dominava os círculos populares, sendo extremamente violento e frequentemente mortal. Paralelamente, a aristocracia começava a organizar o boxe com luvas, criando regras mais civilizadas e ambientes controlados.
Sugar Goodson, personagem baseado no boxer real Henry Goodson, nasceu em 1856 e perdeu um olho ainda jovem, possivelmente devido à varíola. O Goodson histórico era conhecido por sua resistência extraordinária e chegou a enfrentar boxeadores profissionais em combates ilegais. Em 1882, seu confronto com Jack Hicks terminou em caos total, com uma batida policial que resultou em dez prisões. A série amplifica essa rivalidade, mas mantém a essência de um mundo onde a violência era muitas vezes a única forma de ascensão social.

Qual o impacto da série na representação da diversidade?
Mil Golpes marca um momento importante na televisão ao centralizar personagens negros e imigrantes numa narrativa histórica européia. Malachi Kirby destacou em entrevistas como é “incrivelmente importante” contar essas histórias, especialmente numa época em que as pessoas aprendem sobre identidade e história principalmente através das telas.
A série evita o erro comum de romantizar a pobreza ou minimizar o racismo da época. Em vez disso, mostra de forma crua como Hezekiah e Alec precisam navegar em águas perigosas, enfrentando preconceitos e violência a cada esquina. O único albergue que aceita jamaicanos na série, administrado pelo personagem de Jason Tobin, reflete uma realidade histórica onde a segregação era institucionalizada, mesmo sem leis formais.
O que esperar das próximas temporadas?
Com uma segunda temporada já filmada, Mil Golpes tem material histórico suficiente para várias temporadas futuras. O destino real de Mary Carr oferece múltiplas possibilidades narrativas: após sua última prisão em 1909, ela praticamente desapareceu dos registros oficiais até sua morte estimada em 1924. A série pode explorar esses anos perdidos, criando arcos narrativos sobre reinvenção e segunda chances.
Há também a possibilidade de introduzir Alice Diamond, que historicamente assumiu a liderança dos Quarenta Elefantes após Carr e levou a organização a patamares ainda maiores. Diamond usava anéis de diamante não apenas como símbolo de status, mas como armas improvisadas, criando um personagem rico em possibilidades dramáticas. A série já sinalizou essa direção ao mostrar Diamond como protegida de Carr, sugerindo uma transição de poder natural para futuras temporadas.