Cerca de 61% das mulheres que foram vítimas de violência não fizeram denúncia formal às autoridades policiais
 -  (crédito: Anete Lusina/Pexels)

Cerca de 61% das mulheres que foram vítimas de violência não fizeram denúncia formal às autoridades policiais

crédito: Anete Lusina/Pexels

O Brasil ainda enfrenta alta subnotificação policial de casos de violência contra a mulher, de acordo com dados divulgados pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero. Apesar de 30% das mulheres brasileiras terem declarado espontaneamente já terem sido vítimas de algum tipo de violência – doméstica ou familiar –, dessas, cerca de 61% não fizeram denúncia formal às autoridades policiais.

Além da disparidade entre os registros policiais e o tamanho do fenômeno no Brasil, o Mapa também apresenta o Índice de Subnotificação Desconhecida – quando a mulher não nomeia a violência doméstica e familiar como tal, mas, quando apresentada a exemplos, admite já ter passado por violências.

De acordo com os dados, três em cada dez mulheres brasileiras que não admitiram espontaneamente terem passado por algum tipo de violência, quando questionadas sobre situações específicas, admitem terem vivido situações de violência nos últimos 12 meses - o que sugere que os números de violência são maiores.

“Acreditamos que o enfrentamento da violência contra a mulher tenha, no lançamento do Mapa Nacional da Violência de Gênero, um marco histórico, em cumprimento ao artigo 8º da Lei Maria da Penha, que prevê a sistematização de dados a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas”, afirma a Diretora Executiva do Instituto Avon, Daniela Grelin.

“Por isso, o lançamento desta plataforma interativa é tão importante para pautarmos políticas públicas e ações focadas no enfrentamento das violências contra mulheres e meninas. A plataforma só foi possível graças a uma colaboração intensa e profícua entre o setor público (Senado) e organizações privadas como o Instituto Avon e a Gênero e Número”, complementa ela.

A violência contra as mulheres é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.

 

Parceria entre Estado e sociedade civil

O Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), do Senado Federal, em conjunto com o Instituto Avon e a Gênero e Número, lançou o Mapa Nacional da Violência de Gênero, projeto que disponibiliza dados atualizados e abertos sobre a violência de gênero. A plataforma reúne os principais dados nacionais públicos e indicadores de violência contra as mulheres.

Fruto de uma parceria entre Estado e sociedade civil, o projeto visa contribuir para a qualificação e unificação de dados que sejam utilizados como subsídios para formulação e monitoramento de políticas públicas baseadas em evidências. Os números trazidos pelo Mapa são disponibilizados em uma série de gráficos que salientam séries históricas, bem como recortes regionais e étnico-raciais.

"O Mapa é um legado de Estado, pois garante a transparência de dados públicos atualizados e sem risco de saírem do ar. Este acesso é fundamental para proteger as mulheres e ajudar a mudar a estrutura sexista da nossa sociedade. O Mapa traz ainda informações fundamentais sobre mulheres LGBTQIA +, que igualmente são vítimas de múltiplas violências", afirma Maria Martha Bruno, Diretora da Gênero e Número e uma das coordenadoras do Mapa.

A plataforma reúne informações de cinco bases de dados: Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp/MJSP); Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud/CNJ); SIM e Sinan, duas das bases do Sistema Único de Saúde (SUS); e a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o OMV.

Uma das principais conquistas do Mapa é a transparência, já que o projeto trará a divulgação de dados da segurança pública atualizados a cada dois meses. O acesso aos boletins de ocorrência de todo Brasil foi possível a partir de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Senado Federal e o Ministério da Justiça e Segurança Pública.


Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher

Mais de 20 mil mulheres foram entrevistadas para a 10ª edição da Pesquisa Nacional da Violência Contra a Mulher, que foi incluída no Mapa Nacional da Violência de Gênero. Realizada a cada dois anos desde 2005, a pesquisa foi criada para servir de subsídio para a elaboração da Lei Maria da Penha, e este foi o maior levantamento do país sobre o tema até o momento.

A pesquisa é realizada pelo Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), ambos do Senado Federal. Os dados do levantamento embasam índices de subnotificação criados especialmente para o Mapa.

“A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher contém dados oficiais que trazem a percepção da violência pela voz das próprias mulheres. A edição deste ano contou com um aumento de cerca de 3 mil para mais de 21 mil mulheres entrevistadas, o que só foi possível com a requisição da Senadora Zenaide Maia, Procuradora Especial da Mulher no Senado, parlamentar responsável tanto pelo Mapa quanto pela Pesquisa”, explica Maria Teresa Prado, coordenadora do Observatório da Mulher Contra a Violência, do Senado Federal.

De acordo com ela, a pesquisa é a série histórica mais longa sobre o tema no Brasil, e o Mapa vem para complementá-la, expondo o retrato atual da violência contra as mulheres com números oficiais e permitindo o aprofundamento da avaliação de dados administrativos por meio da pesquisa – com dados que não são coletados por nenhuma outra fonte e que são complementares às demais estatísticas.

“Os registros oficiais podem apresentar lacunas na captação e na qualidade dos dados; no entanto a pesquisa, aplicada nacionalmente, de forma consistente, utilizando métodos estatísticos rigorosos ao longo de todas estas 10 edições, permite a comparação desses dados com a realidade das mulheres, realidade apresentada na voz delas. Os dados da Pesquisa Nacional mostram não só números, mas dizem respeito à própria vida e experiência das mulheres reais”, declara Maria Teresa.

 

Dados em destaque

O Mapa, além de identificar as subnotificações no número de vítimas que não registram as violências contra a mulher, também apresenta dados oficiais de segurança pública; mortes violentas de mulheres; registros de violência doméstica e sexual; além do número de mulheres que recorreram a medidas protetivas e processos.

De acordo com os dados fornecidos, 27% das mulheres que declaram ter sofrido violência solicitaram Medida Protetiva de Urgência e, entre elas, 48% afirmam que em algum momento houve descumprimento por parte do agressor.

Quando perguntadas sobre o que fizeram em relação à última agressão, 60% das vítimas buscaram a ajuda da família, 45% procuraram a igreja e 42% acessaram os amigos. Apenas 31% denunciaram em delegacias comuns e 22% foram às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.



Outras pesquisas

Em outubro, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da University of Washington (EUA) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), publicaram um estudo revelando que, no Brasil, a subnotificação da violência contra as mulheres no Brasil foi de 98,5%, 75,9% e 89,4% para as violências psicológica, física e sexual, respectivamente. Os números foram estimados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) para o Brasil e as unidades federativas.

De acordo com o estudo, o número de mulheres que sofreram violência e procuraram atendimento em saúde foi 10 vezes superior ao número de notificações de violência contra a mulher. Os estados das regiões Norte e Nordeste foram os que apresentaram maior percentual de subnotificação.

A violência psicológica foi a mais subnotificada em todos os estados brasileiros, enquanto a física foi a de menor subnotificação. Somente em Minas Gerais, o índice de subnotificação para violência psicológica foi de 98,5%; de 59,9% para violência física; e de 83,4% para violência sexual.

A doutoranda Nádia Machado de Vasconcelos, uma das autoras do estudo, ressalta que “esses achados mostram, de um lado, a magnitude da violação da saúde mental que a violência traz para as mulheres e, de outro, o quanto a violência psicológica parece ser marginalizada no campo da saúde.”

“Geralmente, as violências físicas são as que demandam maior atenção da saúde porque atentam diretamente contra a vida e, muitas vezes, deixam suas vítimas em risco de morte. Além disso, as consequências físicas costumam ser mais visíveis, o que pode elevar o reconhecimento da violência e engajar mais profissionais na notificação desses casos”, complementa ela.

A professora Deborah Carvalho Malta, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG relata que mulheres que convivem com a violência estão mais inclinadas a buscar serviços de saúde com demandas indiretas. Ela também reforça a necessidade de que os profissionais de saúde estejam atentos e preparados para a correta conduta frente a esses casos.

“A violência deve ser suspeitada quando a mulher apresenta sintomas de saúde inespecíficos, como cefaleia, dores abdominal e lombar, distúrbios do sono, fibromialgia e síndrome do intestino irritável. Além disso, mulheres que convivem com a violência estão mais propensas a hábitos de vida não saudáveis, como inatividade física, tabagismo e consumo abusivo de álcool”, afirma a professora.

Com o objetivo de melhorar as notificações e tendo em vista a necessidade de constante atualização dos profissionais de saúde, o Ministério da Saúde, em parceria com a UFMG, desenvolveu, em novembro de 2022, o NotiVIVA, aplicativo para qualificação de notificações.

“Esse aplicativo foi concebido para orientar os profissionais de saúde em relação à identificação dos tipos de violência, melhorar o preenchimento da Ficha de Notificação Individual (FNI) e apoiar os encaminhamentos dos casos suspeitos ou confirmados de violência para a rede de atenção à saúde e proteção social”, explica Deborah.

“Esperamos que a divulgação e a disseminação dele ampliem o conhecimento dos profissionais, contribuindo para a melhoria dos índices de notificação de violências no país”, conclui ela.