O Sr. se formou em direito na UFMG em 2002 e é mestre em filosofia pela PUC-SP. Como se deu a decisão de ingressar no Ministério Público Federal e em que a filosofia o ajuda em sua missão?
O Ministério Público me chamou a atenção ainda na faculdade. Estagiei em uma vara cível de Contagem (MG), com o dr. Estevão Lucchesi; ali acompanhava a atuação do promotor de justiça, dr. Wagner Lúcio Leão. Me interessei e fui atrás de maiores informações. Quando entendi que o promotor defendia a ordem jurídica e protegia os direitos da coletividade com ampla liberdade de atuação, vi que tinha nascido para aquilo. Estava tão decidido a ser promotor de justiça que achava uma extravagância que ele recebesse um bom salário para fazer o que era certo. Era o melhor dos mundos. Fui muito feliz sendo promotor de justiça aqui em Minas e me realizo hoje sendo procurador da República. A filosofia chegou um pouco mais tarde. Hegel disse que a coruja de Minerva, símbolo da filosofia, só levanta voo ao entardecer. Comigo foi assim. A filosofia me ajuda a olhar para a realidade com os olhos de uma criança curiosa, que não aceita com facilidade as respostas majoritárias e que consegue enxergar o que o olhar cansado já não vê.
O Sr. atua na área criminal e no Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri Federal, tendo atuado no processo criminal por homicídio no caso de Brumadinho, que tramita desde 2020. Nessa semana foram marcadas audiências para oitiva de testemunhas nas ações criminais envolvendo a tragédia da barragem da Minas do Córrego do Feijão, da Vale. Esse processo envolve quantas pessoas e quais imputações? Qual a expectativa do MPF?
Esse é um caso muito sensível e complexo. O Ministério Público denunciou dezesseis pessoas pelas 270 mortes em decorrência do rompimento da barragem em Brumadinho. A acusação, para cada caso, é de homicídio duplamente qualificado. A denúncia em relação aos crimes ambientais, inclusive contra a Vale e a Tüv Süd, correm em outro processo. Há duas semanas, a juíza designou as audiências de instrução, que irão até maio de 2027. Nossa expectativa é que, ao final, a Justiça Federal pronuncie os acusados, para que sejam julgados pelo Tribunal do Júri. Logo no começo, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região concedeu um habeas corpus e trancou a ação penal em relação ao presidente da Vale. Há três semanas, o Superior Tribunal de Justiça iniciou o julgamento do recurso que apresentamos contra essa decisão; o primeiro ministro a votar concordou com o Ministério Público. O julgamento prosseguirá com o voto dos demais ministros da turma. Entendemos que a condenação dos acusados é justa e reduzirá, senão a dor dos familiares, pelo menos a desolação em que vivem desde que esse rompimento, perfeitamente evitável, tirou a vida de seus familiares.
O Sr. atuou, também, no caso do Novo Cangaço de Varginha. No que consiste esse tipo de crime e como o MPF e as forças de segurança os têm enfrentado?
Esse é outro caso bastante complexo. A Polícia Federal indiciou 38 policiais rodoviários federais e policiais militares pela morte de 26 pessoas que preparavam um ataque conhecido como “domínio de cidades” em Varginha (MG), no final de outubro de 2021. O trabalho da Polícia Federal indicou que nem todas as mortes ocorreram no contexto de legítima defesa. Por isso, o Ministério Público Federal denunciou dez policiais pela morte de cinco pessoas, além de tortura e fraude processual. Há duas semanas a Justiça Federal recebeu a denúncia em relação aos homicídios, mas a rejeitou quanto aos demais crimes. O fato está completando quatro anos agora. Desde então, a ocorrência desse tipo de crime, que vinha num crescendo, acabou diminuindo, se é que houve alguma outra ocorrência. A posição do Ministério Público é a de validar o trabalho da polícia quando ele é pautado pela lei, e a de buscar a punição, com rigor, quando comprovadamente houver abuso, como, em parte, ocorreu no episódio de Varginha.
Em dezembro, o Sr. lançará seu primeiro romance, que é inspirado em um caso no qual atuou em Recife/PE, envolvendo o assassinato de um promotor de justiça. Pode nos falar um pouco desse enredo e o que o levou a escrever um romance a respeito?
Meu romance é inspirado num rumoroso caso em que atuei em 2016, em Recife. Mas a imaginação me levou para muito longe e o livro se tornou a história de uma cidade chamada Rio Comprido, inspirada na cidade de Águas Formosas (MG), onde fui promotor. O enredo envolve quatro famílias em torno de um coronel e sua esposa, que morreram sem deixar filhos. A disputa em torno da herança do coronel se acirra com a chegada do promotor de justiça na comarca. Não foi fácil, para um estreante, contar uma história de mais de cem anos com dezenas de personagens. A editora Pessôa, de Belo Horizonte, aceitou o desafio de publicar a obra. Espero que gostem.
