O senhor se formou em direito em 1994, pela PUC-MG e é mestre em direito administrativo pela UFMG. Procurador do Estado desde 1998 e, desde 2019 até o mês passado, chefiou a Advocacia-Geral do Estado (AGE). Nesses seis anos, um dos mais longevos à frente da instituição, quais foram os principais desafios e mais importantes conquistas?
O início da gestão em 2019 foi marcado pelo rompimento da barragem em Córrego do Feijão, município de Brumadinho. Com 25 dias à frente da Advocacia-Geral do Estado (AGE) o desafio impôs a necessidade de uma imediata mobilização das equipes em prol da adoção de medidas administrativas e judiciais para o imediato atendimento das pessoas atingidas. Algumas horas após a tragédia ambiental, a AGE já havia ajuizado ação com o propósito de assegurar o bloqueio de recursos da empresa visando assegurar a adoção de medidas emergenciais que assegurassem a subsistência dos atingidos. Obtida a decisão judicial favorável, o passo seguinte direcionou-se na interlocução com as instituições de Justiça na perspectiva de adoção de métodos alternativos de solução de controvérsias. Em tempo recorde para os padrões brasileiros, em um esforço coletivo e colaborativo dos diversos atores envolvidos – AGE, instituições de Justiça (MPMG, MPF e DPE) e empresa – sob a mediação do TJMG homologou-se um acordo de reparação coletiva dos danos ambientais e socioeconômicos com a estruturação de obrigações de fazer e de pagar voltadas à reparação integral direcionada às comunidades atingidas, sob monitoramento não só dos órgãos do Poder Executivo, mas, igualmente, das instituições de justiça, TCE e Poder Judiciário. A postura colaborativa e de diálogo adotada neste importante caso direcionou os alicerces da gestão, que se estendeu no período de seis anos e nove meses, a qual se apoiou na perspectiva de uma advocacia pública preventiva, resolutiva e voltada à cultura da paz proporcionando caminhos de desjudicialização a partir da incorporação de ferramentas de tecnologia da informação, de linguagem simples e de direito visual. Outros acordos de relevância para a reestruturação financeira do Estado foram efetivados sob a orientação do governador do estado que priorizou a adoção de postura dialógica na perspectiva de superação de passivos existentes. Assim, alcançaram-se soluções negociadas para temas importantes à efetivação de políticas públicas tais como os repasses de tributos aos municípios mineiros, repasses de verbas da saúde também aos municípios mineiros e a adoção de um conjunto de medidas administrativas e judiciais para a estruturação da superação do quadro de irregularidade fiscal do estado. A partir destes desafios iniciais, em articulação com o governador do estado, encaminhou-se à Assembleia Legislativa projeto de lei visando a atualização da legislação orgânica da AGE, com o ideal de adequação de estruturas internas da instituição de modo a assegurar uma atuação que priorizasse a adoção de métodos alternativos de solução de controvérsias proporcionando governança dos conflitos no âmbito do Poder Executivo e movimentando o Judiciário como última ratio, optando-se sempre que possível pelos ambientes institucionais de consensualidade. Neste contexto, a nova lei orgânica da AGE (Lei Complementar 151, de 17 de dezembro de 2019), consolidou a Câmara de Resolução Administrativa de Conflitos – CPRAC, que passou a ser um órgão de interface com seus congêneres das demais instituições, a exemplo do Compor, órgão público vinculado ao MPMG e aos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC’s vinculados ao Poder Judiciário e, mais recente, com a Mesa de Conciliação e Prevenção de Conflitos do TCE. Ao mesmo tempo, instituiu-se pela atualização da lei orgânica da AGE, o Núcleo de Teses Jurídicas (NUT), espaço institucional da AGE voltado a consolidação de precedentes administrativos e judiciais no objetivo de ser a ponte entre os universos da atuação contenciosa e consultiva da advocacia pública descortinando horizontes de construção de soluções consensuais e efetivas para a segurança jurídica das políticas públicas, sempre à luz da análise econômica do direito de modo a assegurar, a partir de uma visão holística do caso concreto, a vantajosidade dos consensos apoiados pelas áreas técnicas do orçamento e das finanças públicas. Nesta breve síntese, considero que a priorização de uma atuação técnico-jurídica apoiada na priorização de soluções dialógicas, com empatia e sinergia com o conjunto das instituições de justiça, OAB, Poder Judiciário e TCE, é uma das principais conquistas institucionais da AGE ao longo da gestão 2019-2025, apoiada, paralelamente, pelo movimento institucional de aperfeiçoamento tecnológico mediante incorporação da inteligência artificial humanizada no ambiente da advocacia pública e atuação preventiva para superar o surgimento dos conflitos.
O Sr. agora assume uma nova e importante missão, que é a vice-presidência jurídica da Cemig, a principal empresa com participação do estado. O convite veio do próprio governador Romeu Zema. A mudança para o privado, após tanto tempo envolvido com o direito público é um desafio? O que pretende construir à frente do jurídico da Cemig? Quais serão suas principais metas?
Há uma passagem da saudosa poetisa Cora Coralina que diz: “Recria tua vida sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça”. Essa poesia me inspira sempre a colocar-me diante da vida na perspectiva de que os desafios não são obstáculos intransponíveis, ao contrário, são degraus para oportunidades que se colocam adiante. Dessa maneira, recebi com entusiasmo e redobrada disposição o convite do governador Romeu Zema e do vice-governador Mateus Simões de atuar no âmbito da Cemig, empresa estatal líder nacional em sua área de atuação que é a prestação do serviço público de energia elétrica, para além de representar meu retorno a empresa da qual fui estagiário de direito e, ocasionalmente, representante do acionista majoritário nas assembleias gerais da companhia. Ainda que profissionalmente possa ocorrer a circunstância de se aprofundar mais em um ou outro ramo do direito pela área de atuação, a advocacia pública apresenta desafios que favorece uma atuação jurídica holística e transversal favorecendo navegar pelos temas do direito público preponderantemente e do direito privado, especialmente nas questões envolvendo as empresas estatais. Logo, a cessão pela AGE para minha atuação na Cemig implicará em oportunidade de aprofundar nos temas próprios do direito privado que envolvem a atividade empresarial da empresa, a qual, contudo se vê igualmente inserida no regime híbrido das empresas estatais que alcança matérias típicas do regime de direito público, tais como contratações públicas, regulatório e tributário. O horizonte na Cemig, que possui um quadro de profissionais do direito altamente qualificado, será de dar sequência ao excelente trabalho realizado pelos profissionais que me antecederam na gestão da vice-presidência jurídica, com o ideal de incorporar o que denomino de cultura da paz, priorizando métodos de solução alternativa de conflitos de maneira estruturada e articulada com as demais áreas da empresa, visando conferir segurança jurídica aos atos dos gestores e colaborar para a efetivação do planejamento estratégico da empresa, estabelecido de maneira articulada pela diretoria executiva e o conselho de administração, com a realização do plano de investimentos e resultados financeiros que repercutem para toda a sociedade mineira. Entre as metas traçadas, posso destacar a incorporação de mecanismos de desjudicialização do contencioso de massa em prol da concretização, entre outros, dos princípios jurídicos da continuidade, generalidade, modicidade, mutabilidade e eficiência na prestação do serviço público de energia elétrica, bem como, a incorporação de ferramentas de tecnologia da informação no âmbito da estrutura das áreas jurídicas da Cemig aproximando-as do estado da arte, por exemplo com a utilização da inteligência artificial generativa(IA), apoiada em monitoramento humano para maior adequação dos serviços à velocidade das demandas dos acionistas e da atividade econômica que depende da energia elétrica para o sucesso dos seus empreendimentos.
