"Acho o ambiente mais fresco e fico mais à vontade", diz engenheiro César Marques, na companhia de Luisa Fortini, que dá preferência a bares com calçada

crédito: Marcos Vieira /EM/D.A Press

Fora das quatro paredes, a vida boêmia ganha em Belo Horizonte um charme especial com a cena dos bares e restaurantes que ocupam as calçadas, transformando-as em verdadeiros palcos de encontros e sabores. Muita animação, boa prosa, cerveja gelada e, claro, boa comida são a soma perfeita para atrair os belo-horizontinos para as ruas. Seja para aproveitar as paisagens, fugir do calor ou conhecer gente nova, o importante é chegar com antecedência, pois as calçadas são as primeiras a lotar.


Atentos ao comportamento do público, o setor tem investido em espaços externos, música ao vivo e apostado até nas famosas estufas para conquistar quem busca a calçada.
Após um mochilão pela Europa, Lucas Duarte e Tamara Lacerda perceberam o poder da gastronomia de contar histórias e resolveram trazer a comida de rua dos quatro cantos do mundo para Belo Horizonte. A primeira unidade do Trip Food não poderia ter sido inaugurada em um lugar mais simbólico: a calçada da Rua Alberto Cintra, no Bairro União, famoso ponto da região Nordeste da capital pela variedade de bares e restaurantes, em sua grande parte, no passeio.


“O público gosta de ir até o bar para ver o movimento e as pessoas passando na rua. A Alberto Cintra une todos os bares em um. Quando a calçada está cheia, temos a impressão de união, todo mundo junto”, conta o sócio-proprietário Lucas.

Área externa do Trip Food, no Bairro União, tem grama sintética, bandeiras e luzes coloridas

Área externa do Trip Food, no Bairro União, tem grama sintética, bandeiras e luzes coloridas

Marcos Vieira /EM/D.A Press


Para deixar a calçada ainda mais autêntica, foram colocadas grama sintética, bandeiras de diversos países e muitas luzes coloridas. “Foi um desafio. Deixar um ambiente externo bonito é mais difícil. Tivemos muito trabalho para nivelar a calçada, por exemplo”, explica Lucas.


O engenheiro César Marques fez o “check-in” no Trip Food e contou que dá preferência aos bares com calçada. “Acho o ambiente mais fresco e fico mais à vontade”, justifica.

Viagem pelo mundo


Com drinques variados e comidas de diversos países, o Trip Food promete uma verdadeira viagem pelo mundo. O país mais “visitado” pelo público é o Canadá, com o Poutine (R$ 36,90). O prato une uma porção de batatas fritas em corte caseiro cobertas por muito queijo, molho com creme de leite, barbecue e costelinha suína desfiada.
A casa também serve o Bunny Chow (R$ 49,90), prato tradicional da África do Sul com curry de frango e batatas bem temperados em panhoca de pão branco. O segredo do gosto mais que especial é o gengibre em pó entre os temperos.


O Bunny Chow surgiu por volta dos anos 1930, quando, durante uma grande crise econômica, um indiano residente na África do Sul fazia curry e vendia mais barato. As crianças da região, então, corriam para comprar, mas, como não havia pratos, compravam pães e usavam de base para o curry.


Como em toda viagem, podemos encontrar boas surpresas. Por que não experimentar o Suprise (R$ 32,90)? O drinque é preparado com exclusividade para o cliente, que pode escolher a base (entre as opções, gim, vodca, espumante, rum, uísque, cachaça ou até sem álcool) e se quer o sabor mais doce, equilibrado ou cítrico. O Moscou Mule (R$ 29,90), mistura de vodca, soda de gengibre, espuma de gengibre e limão, está entre os mais pedidos.

Resgate afetivo


O D’Avenidinha começou com duas lojas de 80 metros quadrados cada na Avenida Alphonsus de Guimarães, Bairro Santa Efigênia, Região Leste de Belo Horizonte. O espaço era suficiente para a cozinha e o caixa, mas as mesas precisavam de um outro lugar. E foi assim que se popularizou uma das calçadas mais movimentadas da capital mineira.


Hoje, na Avenida do Contorno, o bar possui dois pavimentos e espaço interno repleto de mesas em um ambiente de encher os olhos. “No início, colocamos as mesas na calçada e começamos a atender em um horário que desse para os clientes assistirem ao pôr do sol na calçada. Agora, com outra proposta, a casa está com um perfil mais noturno”, conta a chef e proprietária Núbia Novaes.


Ela só não esperava que, com a mudança, a casa atrairia dois públicos distintos. “O público da calçada é diferente do público que está no ambiente interno. Quem está na calçada prefere tomar uma cerveja com os amigos e petiscar, ou pedir direto da estufa. Já quem está dentro vem para comer bem e explorar o cardápio”, observa a proprietária, que estima que 70% do público prefere estar na calçada.

Quem fica na calçada gosta de tomar cerveja e petiscar com tira-gostos diretamente da estufa do boteco D'Avenidinha

Quem fica na calçada gosta de tomar cerveja e petiscar com tira-gostos diretamente da estufa do boteco D'Avenidinha

Marcos Vieira /EM/D.A Press


E não seria diferente. Para ela, o mineiro sente a necessidade de interagir com o mundo e bater aquele “dedinho de prosa” com quem estiver por perto. “Os bares se adaptaram à necessidade do mineiro de ver e ser visto, de estar na calçada observando o movimento e interagindo com pessoas, o que, em um ambiente fechado, não seria possível”, pontua Núbia.


Com música ao vivo todos os dias, o bar e restaurante funciona de quarta-feira a domingo, embalado por chorinho e MPB. No cardápio, os mais pedidos são torresmo de barriga com molho de rapadura (R$ 45) e a carne de panela da Núbia (R$ 65).


Para quem tem pressa e quer comer bem, é possível pedir os sucessos da estufa por R$ 15. Almôndega, jiló com calabresa e catupiri, moela, lagarto ao vinho e linguiça caipira podem acompanhar chope ou cervejas, das mais tradicionais às artesanais. A estufa faz parte do que Núbia chama de “resgate afetivo” da cultura de bares de calçada na capital mineira.

Veio para ficar


O Redentor está há 20 anos na mesma calçada. Inspirado na boemia carioca dos anos 1950, o bar caiu no gosto dos mineiros.
“O mineiro gosta de socializar, é de natureza de conversa, de resenha, de ver as pessoas. Os bares são pontos de encontro”, comenta o proprietário, Daniel Rocha, que enxerga uma só diferença entre as calçadas de Belo Horizonte e da capital fluminense: “No Rio de Janeiro, é muito comum o pessoal chegar no bar e tomar uma cerveja em pé. Em Minas, a galera prefere se sentar à mesa para petiscar e beber.”


Para celebrar a perfeita combinação entre a sociabilidade do mineiro com o clima agradável da capital das gerais, a casa preparou um cardápio especial para o verão, com destaque para o queijo coalho no espeto, empanado na farinha panko e servido com melaço de cana agridoce (R$ 39).

Últimos dias para se sentar na calçada do Redentor e se deliciar com o Festival de Verão, que tem pratos como o queijo coalho empanado no espeto com melaço de cana agridoce

Últimos dias para se sentar na calçada do Redentor e se deliciar com o Festival de Verão, que tem pratos como o queijo coalho empanado no espeto com melaço de cana agridoce

Victor Schwaner/Divulgação


O novo cardápio traz uma diversidade nos sabores de caipirinha, como a de rapadura e três limões (R$ 32), um mix de limão capeta, siciliano e taiti. O Festival de Verão vai até o fim da estação, nesta quarta-feira, mas Daniel avisa: “Tem novidade que veio para ficar e vai depender do gosto do público.”


No cardápio fixo, destaca-se a panceta pururuca (R$ 49), que são cubos de barriga de porco crocante, acompanhados por molho defumado de pimenta dedo-de-moça. A casa ainda tem como carro-chefe o tradicional chope carioca (R$ 12,90), sendo pioneira em BH em servir a bebida.

Calçada tem história


A ideia de Rafael Quick era abrir um bar com ares de mercearia, pequeno e intimista, na Região Leste de Belo Horizonte, próximo à fábrica da Cervejaria Viela. O espaço foi inaugurado com seis mesas e capacidade para 30 pessoas.


Rapidamente, o público colocou o boca a boca para funcionar: boa cerveja e boa comida na Rua Juramento, número 202. Rapidamente, o que era uma pequena extensão da cervejaria transbordou para uma das calçadas mais ocupadas de Belo Horizonte. Sem mesas e cadeiras, o público utiliza a mobilidade como aliada para socializar e tomar cerveja artesanal, a especialidade da casa.


“Escolhi uma região que foge dos lugares de gastronomia internacional, em uma época em que as cervejas artesanais estavam restritas a esses lugares. O Juramento está em uma região que diz respeito à história de Belo Horizonte”, comenta Quick.

Para os sócios do Juramento 202, o planejamento urbano em relação aos bares está longe do ideal: "Temos dificuldade de ampliar o espaço da calçada", relata Rafael Quick

Para os sócios do Juramento 202, o planejamento urbano em relação aos bares está longe do ideal: "Temos dificuldade de ampliar o espaço da calçada", relata Rafael Quick

Juramento 202/Divulgação


E, por falar em história, os bares nas calçadas, segundo Rafael, remontam às primeiras cervejarias da cidade, que começaram oferecendo mesas na calçada. “É parte da cultura. Ficar na calçada é mais fresco, dá para paquerar, papear e ficar batendo papo. Mineiro gosta disso”, explica.


Para embalar as noites do “Jura”, como é popularmente chamado o bar, tem o Samba de Madrinha aos domingos, onde a sambista Dona Elisa elege um convidado para dividir o palco, ou melhor, a calçada. Para quem não abre mão do happy hour durante a semana, às quartas-feiras acontece o Chorinho do Jura, que toca grandes sucessos da MPB.


Para aproveitar a calçada, os mais pedidos do cardápio são a cerveja artesanal APA Mineira (R$ 11), que combina com o petisco de jiló em conserva (R$ 14), desenvolvido pelo chef Bruno Gelape. O pastel de queijo de cabra (R$ 34), recheado com nozes, queijo de cabra, queijo minas e favo de mel fresco, também é um dos destaques da casa.

A cidade agradece


A presidente da Associação de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), Karla Rocha, explica que as calçadas são importantes para manter Belo Horizonte mais “vibrante” e segura. “É o que o mineiro busca. É um povo que curte estar ao ar livre, sem a sensação de estar preso. E isso tem tudo a ver com o projeto de revitalização para manter a cidade mais viva”, pontua Karla.


O setor não tem poupado esforços para trazer os belo-horizontinos para a rua e agora conta com o retorno de uma velha amiga: a estufa. “A estufa voltou com tudo. Isso é uma coisa que há muito tempo a gente não via e é uma opção mais barata com boas comidas”, explica Karla.


Outra tendência para ocupar as calçadas, segundo a Abrasel-MG, são os parklets operacionais, extensões temporárias de calçadas que ampliam o uso do espaço público. Com as concessões da Prefeitura de Belo Horizonte durante a pandemia, diversos bares e restaurantes puderam oferecer um espaço maior e mais próximo da rua.

Flexibilização


No dia 20 de fevereiro, foi publicada no Diário Oficial do Município (DOM) uma medida que amplia o horário para uso de mesas e cadeiras à 1h da madrugada. Antes do decreto, as mesas podiam ficar nas calçadas até as 23h. “É uma vitória para o setor, um ganho”, celebra Karla.


Núbia Novaes, do D'Avenidinha, aprova a medida. “O movimento por aqui começa por volta das 22h. Depois da flexibilização, as vendas foram ampliadas”, relata. Para Lucas Duarte, do Trip Food, encerrar as atividades na calçada às 23h estava tornando inviável a abertura da casa. “A Alberto Cintra só tem calçadas. Essa medida é fundamental para a sobrevivência das atividades dos bares na região”, defende. Daniel Rocha, do Redentor, afirma que a medida é positiva para o setor e que se trata de uma “oficialização do que já era comum”.

Para Rafael Quick, do Juramento 202, o planejamento urbano em relação aos bares está longe do ideal. “Ainda não sentimos os impactos, mas aguardamos para os próximos meses. Temos uma dificuldade de ampliar o espaço da calçada com novos espaços operacionais, até para a segurança do cliente”, afirma. Em crítica ao executivo municipal, Quick afirma que “falta olhar com a devida profundidade o lado do empreendedor”.

Transporte público


Apesar de reconhecer o avanço, a Abrasel-MG aponta que esse ainda não é o cenário ideal. “A gente precisa que o transporte público atenda à necessidade dos empresários que trabalham no horário noturno, pois os colaboradores estão tendo dificuldade para voltar para casa após a 1h”, pontua a presidente. Ainda de acordo com a organização, as viagens durante a madrugada teriam sido reduzidas no período da pandemia, mas ainda não foram restituídas.


O que diz a PBH


Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que o sistema de transporte coletivo municipal conta com 525 viagens no horário noturno (de 0h às 3h59). E que, para aumentar o número de viagens, assim como incluir veículos novos à frota, leva em consideração, não apenas as demandas da população, mas também estudos técnicos realizados pela equipe da Superintendência de Mobilidade do Município de Belo Horizonte (Sumob). Por fim, disse que os ajustes em itinerários e quadros de horários e a criação de linhas seguem sendo implementadas na cidade.


Serviço


Trip Food
Rua Alberto Cintra, 56, União
(31) 97554-4642
@tripfoodbh

D’Avenidinha
Avenida do Contorno, 3379, Santa Efigênia
(31) 99542-4651
@butecodavenidinha

Redentor
Rua Fernandes Tourinho, 500, Savassi
(31) 3568-8469
@redentorbar

Juramento 202
Rua Juramento, 202, Pompéia
(31) 99803-3696
@juramento202


*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino