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Fernando Meirelles dirige Colin Farrell em série policial

Diretor brasileiro conta como fez do astro um parceiro em "Sugar", sobre investigador de Los Angeles aficionado por filmes antigos

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O cineasta brasileiro Fernando Meirelles estranhou ao ser convidado para o projeto da série norte-americana “Sugar”, que propõe uma releitura contemporânea do cinema noir. “O gênero não tem a ver comigo, não sou especialista. Mas o meu agente me convenceu a conversar com o Colin (Farrell, já escalado para o papel do protagonista que batiza a série, e um dos produtores-executivos) e a gente se deu muito bem. Ele me disse que queria o meu olhar estrangeiro nesse mundo e eu decidi fazer”, lembra o diretor de filmes como “Cidade de Deus” e “Ensaio sobre a cegueira”, em entrevista ao Estado de Minas.


Filmado em Los Angeles com verba e estrutura de grandes produções hollywoodianas, o drama policial narra a história de um investigador (Farrell, estrela de filmes como “Os Banshees de Inisherin”) contratado para encontrar a neta de um consagrado produtor (James Cromwell). Em sua estreia na direção de séries nos EUA, Meirelles inicialmente assinaria apenas o primeiro episódio. Acabou dirigindo cinco dos oito episódios produzidos pela AppleTV+. Não abriu mão de trabalhar com dois colaboradores: o diretor de fotografia, César Charlone, e o montador, Fernando Stutz. “A nossa trinca era a minha condição”, conta Meirelles, que tentou emplacar atores brasileiros no projeto, mas não conseguiu.

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À ideia inicial, do showrunner Mark Protosevich, foram adicionadas contribuições do diretor e do protagonista. “A gente improvisava muitas coisas e sugeria outras. O Colin foi um grande parceiro: totalmente desprovido de estrelismo, entrou com o coração e fazia como a gente achava que tinha de ser”, revela. Entre as mudanças foi acrescentada uma narração em off (“Colin mandava áudios pelo WhatsApp e a gente ia testando na montagem”) e uma das escolhas narrativas mais atraentes da série: a inserção de cenas de filmes noir dos anos 1940 e 1950, mais algumas produções de outras décadas que ajudaram a moldar o cinema norte-americano.

Inserts 


“Acho que esses inserts funcionaram muito bem porque o Sugar entende o mundo através do cinema, é como se estivesse sempre passando um filme na cabeça dele”, explica o diretor. O resultado é delicioso e inusitado: ‘do nada’ surgem Glenn Ford, Humphrey Bogart, William Holden e outros astros do passado dialogando com o personagem de Farrell, em um trabalho preciso e precioso do montador Fernando Stutz. “Esses inserts são chiques, mas muito caros. Acabou que tivemos de trocar até 40% das imagens que tínhamos imaginado”, revela Meirelles.


Entre os filmes, “Os corruptos”, de Fritz Lang, “Gilda”, de Charles Vidor, “A morte num beijo”, de Robert Aldrich, “No silêncio da noite” e “Johnny Guitar”, de Nicholas Ray, e “Crepúsculo dos deuses” e “Pacto de sangue”, ambos de Billy Wilder. Em uma das sequências mais inspiradas, Sugar (Farrell) dá um tempo na investigação e vai ao cinema assistir “Minnie e Moskovitz”, drama setentista de John Cassavetes. Lá, ele acompanha o desabafo da personagem de Gena Rowlands sobre o efeito ilusório da sétima arte: “Acho que filmes são uma conspiração porque nos enganam desde que somos crianças, nos fazem acreditar em tudo.”


“O roteiro já tinha citações de filmes. O que nós encontramos foi a oportunidade de tornar a série um produto autorreflexivo sobre o ‘fazer cinema’. A psiquê do personagem Sugar é formada por qualquer imagem em movimento, então é quase um encontro de almas passadas”, afirma Stutz. Nascido em 1985, o montador trabalha com Meirelles desde a série “Felizes para sempre”, exibida pela Globo em 2015. “É um processo intenso e intuitivo. Ele é um cara muito pé no chão, e é assim que eu também gosto de ser”, afirma o autor também da montagem do longa-metragem “Dois papas”, que Meirelles dirigiu para a Netflix.

Desafio na narrativa


Para o montador, que iniciou os trabalhos no Bairro do Butantã, em São Paulo, enquanto Meirelles ainda filmava em Los Angeles, o maior desafio foi encontrar o tom da narrativa de “Sugar”. “Demoramos um tempo porque tem a tinta do Fernando, mas também há a proposta de releitura de um gênero, com o modo de ver e de sentir de outra época, da produção majoritária norte-americana. As imagens não morrem. Isso guiou a gente a ‘bagunçar’ um pouco ‘Sugar’ e chegar ao nosso objetivo: criar pequenas fraturas em um sistema de produção industrial como o de Hollywood”, define o montador. “O resultado é único porque, quando você se abre ao acaso, ele te presenteia com agradáveis surpresas.”


Ao menos pelos primeiros episódios (toda sexta-feira é disponibilizado um inédito), os realizadores conseguiram o objetivo de homenagear o gênero noir sem cair na paródia. Classuda como o figurino - terno, gravata, suspensórios – do protagonista, a narrativa desliza pelas ruas largas de Los Angeles com a liberdade e desenvoltura de quem dirige um carro conversível (no caso, um Corvette 64).


A atenção de Meirelles aos coadjuvantes, entre eles a ex-roqueira Melanie Macintosh (Amy Ryan) e um cachorro ‘ladrão’ de cenas (“ótimo ‘ator’, fazia tudo de primeira”, lembra o diretor), confere maior empatia a uma trama que inicialmente se assemelha a “Chinatown” (de Roman Polanski, com Jack Nicholson) e ganha corpo e alma quando avança na investigação do passado e da mente do personagem principal (como fez Alan Parker em um neo noir dos anos 80, “Coração satânico”).


Mas, na verdade, nem importa tanto o que “Sugar” é ou parece ser, mas o prazer que a série proporciona ao espectador. “É um noir moderno bem editado e muito elegantemente dirigido por Meirelles”, afirmou o cineasta Joe Dante, de “Gremlins”, em suas redes sociais.

Próximos projetos e uma decisão


Aos 68 anos e depois de décadas à frente da produtora O2, Fernando Meirelles tomou uma decisão: produção, daqui para a frente, somente de abacate, coco, goiaba e café nas duas fazendas – uma em São Paulo, outra na cidade mineira de Sacramento. “Estou abandonando a produção (audiovisual). Achei tão bom somente dirigir, não cuidar de orçamento que decidi que é o que vou fazer. Gosto mesmo é de contar histórias”, afirma.

 
Além de “Sugar”, ele dirigiu um episódio da série “O simpatizante”, produção da HBO com Robert Downey Jr. “Foi uma experiência ótima: cheguei para fazer o meu trabalho, fiz e fui embora. Gostei disso.”


Sem poder revelar muitos detalhes sobre os próximos projetos, ele conta que começa, nos próximos dias, a rodar no Rio a ficção distópica “Corrida dos bichos”, produção da Amazon, com outros dois diretores, Ernesto Solis e Rodrigo Pesavento. Depois fará uma série para a Netflix. No próximo ano é a vez de um documentário na América Latina com o diretor Marcelo Machado e um longa-metragem fora do país. “Esse é o meu ano de Brasil, 2025 é ano internacional”, resume.


E, para 2026, outro projeto brasileiro: uma série inspirada na família Collor de Mello. Vai ser menos sobre política e mais um drama familiar, como ‘Sucession’, uma coisa meio shakespeariana”, antecipa.

“Sugar”

Com Colin Farrell, Amy Ryan, Kirby Howell-Baptiste e James Cromwell.
Série dirigida por Fernando Meirelles e Adam Arkin.
Cinco dos oito episódios estão disponíveis no streaming AppleTV+.

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