Árvore

Árvore "aprisionada" na série "Madeira de lei"

crédito: Pedro David/divulgação

 

Difícil fotografar o silêncio, escreveu Manoel de Barros. Entretanto, o fotógrafo Pedro David tentou. Ele conta: “Quando me mudei para a Serra do Cipó com minha família, em 2020, deparei com uma série de líquens. Ao fotografá-los, descobri várias coisas, entre elas que o líquen é indicador de ar puro. Então, fiquei pensando: ‘Se fotografar um líquen, estarei fotografando a qualidade do ar’. Mas era algo difícil como fotografar o silêncio. Uma coisa meio Manoel de Barros mesmo.”

 


As imagens captadas na Serra do Cipó compõem a individual “Em colaboração com a natureza”, que será aberta nesta quinta-feira (18/4) no Museu de Artes e Ofícios (MAO).

 

 


Em três salas, cerca de 70 fotos traçam um panorama dos quase 25 anos de carreira de Pedro David. São trabalhos desenvolvidos em diversos formatos e técnicas – vídeo, gravura e escultura. Há, por exemplo, imagens produzidas em fotograma, técnica desenvolvida por Man Ray.

 


O meio ambiente, especificamente o cerrado, tem lugar de destaque. No primeiro compartimento, estão obras mais antigas do fotógrafo, concebidas no início dos anos 2000, imagens das séries “Fissuras soltas”, “Carimbos de esporos” e “Ar puro” (a dos líquens).

 

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Cogumelos pintados

 

A primeira traz registros de nascentes de rios e rochas que, de acordo com Pedro David, “têm formatos orgânicos, parecendo que alguém nasceu delas”. Já “Carimbos de esporos” reúne imagens timbradas por cogumelos e pintadas posteriormente pelo fotógrafo.

 

Detalhe de fotografia da série "Carimbos de esporos", de Pedro David

Detalhe de fotografia da série "Carimbos de esporos"

Pedro David/divulgação

 


“Pego o cogumelo e ponho em cima do papel. Só de fazer isso, ele já joga os esporos para a folha em branco, produzindo imagem belíssima, análoga à parte de baixo de suas lamelas”, conta Pedro. “Fotografo esse desenho, amplio e pinto com cores que têm a ver com o efeito psicodélico que ele causa na gente. São cores básicas da tinta, como ciano, magenta e amarelo.”

 


A série, que guarda semelhanças com o processo de serigrafia, é resultado da influência da pop art, sobretudo de Andy Warhol, na formação artística de Pedro.

 

Fotografia de Pedro David

Série "Fissuras soltas"

Pedro David/divulgação

 


Na segunda sala, há um apanhado da série “Madeira de lei”, ponto de partida para o fotógrafo ter o cerrado como foco. Em cerca de 10 imagens relativamente grandes (60 cm x 60 cm, em média), o artista denuncia o modelo industrial irresponsável, que desmata a vegetação nativa do cerrado para plantar eucaliptos, matéria-prima do carvão vegetal usado na transformação do minério de ferro em aço.

 


A denúncia é feita de maneira sutil, com retratos de árvores do cerrado atrás de plantações de eucalipto, cujos troncos se parecem barras que deixam encarcerada a vegetação nativa.

 


“As fotos desta série rodaram muito, me deram bastante projeção. Foram expostas em muitos lugares”, conta Pedro, referindo-se a mostras realizadas nos EUA, França, México, Holanda, Argentina, Uruguai e Bélgica.

 

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A série se desdobra em esculturas de galhos mortos de árvores do cerrado fundidos em bronze. Em gesto irônico, Pedro David deturpa o material usado nos monumentos urbanos em homenagem a personalidades ilustres.

 


“O bronze tem a carga milenar que nós importamos da Europa dentro das artes plásticas. Ao invés de construir um português ou espanhol montado num cavalo, decidi usar o material para conceber um galho morto de uma árvore do cerrado. É uma forma de quebrar essa homenagem inventada pelos europeus”, explica.

 


Vídeos experimentais

 

Na terceira sala, são reproduzidos dois vídeos resultantes de experimentações. Considerados pelo artista “imagem em movimento”, ambos contam com um único take. O primeiro é de uma corredeira no auge do verão; o outro mostra uma sucupira branca próxima de um rio, de onde sobe vapor.

 

“A partir do surgimento das câmeras digitais, a opção vídeo chegou até a gente com facilidade. Decidi fazer experimentações, coisas bem etéreas, que dialogam com a minha produção até hoje”, conclui Pedro.

 


“EM COLABORAÇÃO COM A NATUREZA”


Mostra individual de Pedro David. Museu de Artes e Ofícios (Praça da Estação, Centro). Abertura nesta quinta-feira (18/4), das 19h às 22h. Até 2 de junho. Funciona de terça a sexta-feira, das 11h às 17h; sábado, das 9h às 17h. Entrada franca. Informações: (31) 3248-8621.