Jacob Elordi, Barry Keoghan e Rosamund Pike: elenco afinado  -  (crédito: Prime Video/reprodução)

Jacob Elordi, Barry Keoghan e Rosamund Pike: elenco afinado

crédito: Prime Video/reprodução

“Saltburn”, o segundo longa da escritora e diretora Emerald Fennell, que ganhou um Oscar em 2021 pelo roteiro de “Bela vingança”, tem estilo gótico de filmagem e mistura a Inglaterra de “Downton Abbey”, com toda a pompa e circunstância, com a de Ronald Biggs, o lendário assaltante de trem que fugiu da cadeia e se refugiou no Brasil entre 1970 e 2001.

Oliver Quick, bolsista da Universidade de Oxford interpretado por Barry Keoghan, não é um garoto popular, nem bonito, nem divertido, e sofre para fazer amigos. Os alunos tiram sarro de seu jeito diferentão, suas roupas de brechó e da sua aproximação forçada com o outro esquisito da faculdade, Michael (Evan Mitchell). 

Até que um dia, por acaso, Oliver faz um favor ao “Deus Sol” do lugar, o charmosérrimo aristocrata Felix Catton – papel de Jacob Elordi. Guarde esse nome, se é que você ainda está imune ao charme deste jovem australiano de 26 anos, o Nate da série “Euphoria” e o Elvis do filme “Priscilla”, de Sofia Coppola. 

Felix, de tão agradecido, aproxima Oliver de sua turma, garotos e garotas bem nascidos e malcriados que faz festas, bebe, cheira cocaína, transa livremente e usa o humor sarcástico inglês no dia a dia. Parecem alenígenas, em comparação a Oliver. 

Obsessão e desejo

O rapaz fica mais do que encantado por Felix, hipnotizado pela existência tão absurdamente fácil, charmosa e cheia de vida do garoto. O novo amigo o convida para passar as férias de verão com sua família em Saltburn – quando a propriedade tem até nome próprio, na Inglaterra, isso costuma querer dizer muita coisa. Tradição, dinheiro de família e comportamento exótico são o combo principal.

 

“Saltburn”, o filme, faz um retrato sombrio do que a obsessão e o desejo visceral podem provocar em um jovem como Oliver, desesperado para pertencer ao grupo mais cool da sua faculdade e tendo a certeza de que aquele lugar nunca será legitimamente seu.

Saltburn, a propriedade, é uma dessas casas de campo de famílias nobres da Inglaterra que talvez até fizesse sentido há dois séculos. Os cômodos são amplos e há uma biblioteca, uma galeria, uma ala norte, uma ala sul, obras de arte, tapetes gigantescos e lustres de cristal. 

A apresentação da casa, feita por Felix vestido de jeans e camisa amassados e pés descalços, em um plano sequência, já é um clássico instantâneo. O mordomo de Saltburn, Duncan (Paul Rhys), que recebe Oliver e parece ofendido pela presença do garoto classe média, deixa claro que o clima dali para a frente será mais de suspense que de drama. 

A direção de arte é ultracaprichada, não há detalhe que não tenha sido escolhido a dedo, nenhuma peça de roupa do figurino existe ao acaso, é tudo parte da linguagem transgressora desta trama. Preste atenção aos espelhos e aos reflexos, seja nas águas do lago perto da casa ou na mesa de jantar, de metal polido. 

Há metáforas em tudo. O roteiro de Fennell usa imagens de mariposas, aranhas e vampiros para compor o clima meio delirante, meio febril da realidade altamente improvável da família Catton e de Saltburn aos olhos de Oliver. 

O elenco, todo talentoso, se adequa perfeitamente à história e suas trágicas reviravoltas. Barry Keoghan é um protagonista sinistro e irresistível, que alterna momentos de doçura e abandono com outros de pura sociopatia. 

Alison Oliver, que interpreta a irmã problemática de Felix, Venetia, garota bulímica e insaciável sexualmente, está impecável, assim como Carey Mulligan, amiga excêntrica da família, Pamela. 

Mas a arma secreta é Rosamund Pike, como a matriarca Elspeth, ex-modelo exótica que parece fazer questão de exibir em cada fala que é diferente do resto da humanidade. Antes de apresentá-la a Oliver, Felix já avisa que sua mãe tem fobia de pelos faciais, então ele deve se barbear antes de encontrá-la. Quando isso acontece, ela conta, sem se desculpar, que tem intolerância irrefreável a gente feia. 

“Saltburn” é, em resumo, uma sátira. Se você não se divertir com a perversidade dos personagens, das situações e até dos desfechos cada vez mais amedrontadores, não há muito neste filme para você. Mas quem mergulhar por completo nesse estranho universo, cheio de desejo e repulsa e em tudo excessivo, vai ter duas horas e 11 minutos de muito prazer. 

“SALTBURN”

Filme disponível no Prime Video. Direção de Emerald Fennel. Com Barry Keoghan, Jacob Elordi e Rosamund Pike.