Catherine Clinch, que nunca havia atuado no cinema, interpreta a protagonista da história, adaptada do livro de Claire Keegan, ainda inédito no Brasil  -  (crédito: imovision/Divulgação)

Catherine Clinch, que nunca havia atuado no cinema, interpreta a protagonista da história, adaptada do livro de Claire Keegan, ainda inédito no Brasil 

crédito: imovision/Divulgação

Cáit tem 9 anos e faz xixi na cama. Na escola, tem dificuldade. Quando alguém chega perto, ela se recolhe - o melhor lugar mesmo é o campo aberto, sozinha, com o céu inteiro à disposição. Muito melhor ali do que ao lado das irmãs mais velhas, que mal falam com ela. A mãe tem que cuidar do irmão mais novo - e espera mais um bebê. O pai, então, é incapaz de olhar para ela.

Um dia, Cáit é comunicada que vai passar o verão em outra fazenda, na casa de parentes. Vai com a roupa do corpo - imunda, por sinal. Mas é ali, com um casal mais velho, que Cáit conhece a infância que nunca teve - com cuidado, carinho, preocupação e amor.

É absolutamente simples - e comovente em igual medida - a estreia em longa de ficção do irlandês Colm Bairéad. Adaptação da novela "Foster" (2010, inédita no Brasil) de Claire Keegan, "A menina silenciosa" chega hoje aos cinemas brasileiros depois de consagrar-se mundo afora. Tornou-se, inclusive, o primeiro longa de ficção em irlandês indicado ao Oscar (de Melhor Filme Internacional).

Em entrevista ao Estado de Minas, Bairéad fala da adaptação da história, da língua irlandesa e da "onda verde" pela qual a produção cinematográfica de seu país está passando. "Temos a reputação de ser uma nação de contadores de histórias."

Qual foi sua reação quando leu a novela "A menina silenciosa"?
Enquanto lia, eu me apaixonava e já naquele momento a história foi tomando a forma de um filme na minha cabeça. A escrita de Claire é tão envolvente, e você vê, ouve e sente tudo por que esta garota está passando. Pareceu muito adequado para uma adaptação, pois adoro histórias em que se tem certeza sobre seu ponto de vista. Adorei também o tamanho da história, porque, na verdade, ela é incrivelmente simples: é sobre uma garota que passa algum tempo com os parentes, o que não parece muito emocionante. Mas há uma profundidade real e é isto que me atrai. Não fizemos um filme com muito barulho e coisas malucas. Mas se nós, como cineastas, prestarmos atenção suficiente, o público também o fará e verá que o que o filme está dizendo é realmente importante, que pode permanecer com as pessoas por mais tempo.

Você só teria este filme se tivesse a garota certa. Quão difícil foi encontrar Catherine Clinch?
Levamos sete meses para encontrá-la. Viajamos pelo país procurando garotas, pois tinha que ser alguém que falasse irlandês, o que nem todo mundo da Irlanda consegue, já que é uma língua minoritária. E a COVID chegou no meio do processo. Durante algum tempo, não pudemos conhecer os atores pessoalmente. Catherine Clinch foi simplesmente extraordinária desde a primeira gravação. Ela tinha um tipo de vulnerabilidade e entendia a personagem profundamente, além de não ter medo da câmera. E estamos falando de alguém que nunca tinha atuado na frente de uma câmera.

"A menina silenciosa" é seu primeiro longa de ficção. Suas produções anteriores também foram em irlandês. Você nunca pensou em filmar esta história em inglês?
Esta decisão foi tomada por razões práticas. Nosso filme foi feito por meio de um programa lançado na Irlanda há seis anos para produzir cinema na língua irlandesa. Parecia ter sido feito sob medida para alguém como eu, dada a minha história e meus interesses. O livro foi escrito em inglês. Mas vi que seria autêntico contar a história em um ambiente de língua irlandesa. A história me proporcionou isto porque ela acontece inteiramente no ambiente rural, já que são duas fazendas. Se você vier à Irlanda, o único lugar em que poderá ver o irlandês falado como primeira língua é nas áreas rurais. Acho ainda que o que Claire criou é um lindo retrato dos irlandeses como povo.


Alguns diálogos, em especial os do pai de Cáit, são em inglês. Qual foi a sua intenção?
Isto vem da minha própria experiência. Cresci em uma família onde um dos pais falava apenas irlandês e o outro falava inglês comigo. Além disso, os irlandeses têm uma relação estranha com a língua. Assim que conquistamos nossa independência, o irlandês se tornou matéria obrigatória na escola. Virou algo como comer vegetais. Voltando algumas gerações, quando você levava algum castigo físico, era também nesta língua. Então existe um ressentimento estranho em relação ao idioma. Eu era muito sensível a isto, como alguém que teve uma infância bilíngue e cresceu em Dublin, que não é uma área de língua irlandesa. Gosto de misturar duas línguas. Em relação ao pai, senti que era apropriado em termos do caráter. Ele, na verdade, não é capaz de se comunicar emocionalmente, pelo menos com as pessoas com quem seria mais próximo.

A indicação ao Oscar foi uma surpresa? Aliás, falou-se muito na "onda verde" em Hollywood neste ano, pois também houve "Os banshees de Inisherin", o curta "An irish goodbye", além de uma série de atores reconhecidos.
Sentimos uma espécie de confiança silenciosa, pois fizemos campanha, estivemos em Los Angeles e vimos como o filme estava ganhando impulso. Mas também foi bem estressante esperar pelo anúncio. Então, sim, foi realmente um sonho. Sobre a "onda verde", é só olhar para o Globo de Ouro (de 2024) na categoria de melhor ator (em filme de drama). Dos seis, três são irlandeses (Barry Keoghan, Cillian Murphy e Andrew Scott). Você tem consciência de que está fazendo alguma coisa certo e que isto continuará no futuro. Mas também temos que ser realistas: ajuda muito o fato de estarmos em um país de língua inglesa, especialmente para os atores. Ao mesmo tempo, temos a reputação de ser uma nação de contadores de histórias. Espero que possamos continuar a cultivá-la. n

“A MENINA SILENCIOSA”
(Irlanda, 2022, 95min., de Colm Bairéad, com Catherine Clinch, Carrie Crowley e Andrew Bennett) - Estreia nesta quinta-feira (21/12), no Ponteio 4, às 16h20 (todos os dias) e 18h30 (exceto 24/12) e no UNA Cine Belas Artes 1, às 17h30 e 20h10 (exceto 24/12 e 25/12).