O casarão azul e branco que é sede da terceira edição do Flitabira se tornou local de convivência dos escritores -  (crédito: Keven Willian/divulgação)

O casarão azul e branco que é sede da terceira edição do Flitabira se tornou local de convivência dos escritores

crédito: Keven Willian/divulgação

Itabira (MG) - O casarão azul e branco que fica na esquina entre a rua Major Paulo e a Avenida João Soares Silva, no Centro histórico de Itabira, serviu como ponto de encontro de escritores e jornalistas que participavam e cobriam a terceira edição do Festival Literário Internacional da cidade, o Flitabira, entre os dias 31 de outubro e 4 de novembro. O evento termina neste domingo (5/11).

Diferentemente do que ocorre em outros festivais do tipo, onde o espaço destinado aos autores acaba servindo quase exclusivamente como guarda-volume para os participantes, o casarão era uma espécie de QG, um espaço de respiro para os convidados entre uma mesa-redonda e outra.

Ambiente de livre circulação e cheio de vida, o casarão emulava o poema “Casa arrumada”, de Carlos Drummond de Andrade, homenageado desta edição.

Foi o que se viu na noite de quinta-feira (2/11), quando, na sala de jantar do casarão, o jornalista Jamil Chade pegou uma flauta e tocou “Carinhoso”, acompanhado por Celso Adolfo ao violão, para uma plateia que tinha, entre outros, os convidados do festival Conceição Evaristo, João Candido Portinari, Lívia Sant’Anna Vaz e Silvana Gontijo.

Ou na sexta-feira, quando Jefferson Tenório, Marco Lobo, Trudruá Dorrico, Márcia Kambeba, Rodrigo Lacerda e Eliana Alves Cruz jantaram juntos no mesmo local, conversando sobre uma canção que Gilberto Gil escreveu, mas nunca lançou.

IMPASSES

Nas rodas de conversa, o clima era mais comedido, contudo. Talvez porque os temas abordados fossem mais carregados, como impasses na produção literária de negros e indígenas, e questionamentos a respeito do autoconhecimento e da finitude da vida.

Na mesa “No tempo da madureza”, por exemplo, realizada na sexta-feira (3/11), Ricardo Ramos Filho e Ricardo Prado partiram do poema “Campo de flores”, de Drummond, para falar do próprio amadurecimento e da relação de cada um dos autores com Deus.

Já no bate-papo “ Cidade sem rio”, também na sexta, Sérgio Abranches (curador do festival) e Silvana Gontijo fizeram um paralelo entre o texto homônimo do poeta itabirano com a necessidade de se tratar de sustentabilidade para a manutenção da vida na Terra.

Os poemas de Drummond, aliás, foram o ponto de partida de todas as mesas. “Áporo”, por exemplo, foi o tema da conversa do advogado Kakay e do escritor Alexandre Amaro. “E agora, José?” guiou o bate-papo entre Márcia Tiburi e Wagner Schwartz. E o consagrado “Memória” foi a premissa da mesa com João Candido Portinari, Pedro Drummond e Ricardo Ramos Filho, todas no sábado (4/11). Nessa última, Paloma Jorge Amado, filha do baiano Jorge Amado, participaria, mas cancelou depois de ser diagnosticada com COVID-19.

LITERATURA INDÍGENA

Uma das preocupações desta edição do Flitabira, no entanto, foi dar espaço para autores indígenas. Na abertura do festival, o destaque foi o recém-eleito imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Ailton Krenak, que falou sobre a história recente do Brasil e o poder que a literatura tem de “nos constituir em humanidade”, conforme afirmou.

Outra mesa que deu ênfase à literatura dos povos originários foi “Pranto geral dos índios”, que reuniu as escritoras Trudruá Dorrico e Márcia Kambeba, na sexta-feira.

“Quando comecei a escrever, em 2008, tudo era muito difícil para a gente (indígenas). Eu ia para as praças e dizia: ‘Você quer ler literatura indígena? Já conhece o poema indígena?’ E aí distribuía meus poemas”, conta Kambeba, em conversa com o Estado de Minas. “Eu ia para São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, para todo lugar que você possa imaginar. Nessas cidades, eu ia para a praça, fazia recital de poesia, no gogó mesmo”, diz ela, que é do Amazonas.

“Por muito tempo, houve suspeição sobre a identidade indígena na literatura”, complementa Dorrico. “Eram publicados somente aqueles que já tinham algum destaque. Era um movimento centralizado. E a gente descentralizá-lo é muito importante. O Brasil precisa saber que existem vários escritores indígenas atuando, que estão em diversas regiões do país mostrando o quanto a cultura indígena é plural”, diz.
Aos poucos, isso vem acontecendo, afirma ela. Habituada a catalogar as escritoras indígenas publicadas, orgulha-se ao dizer que já chegou a um total de 250. “E olha que isso foi antes da pandemia”, conclui ela.

* O jornalista viajou a convite do Flitabira

DISPONÍVEL NO YOUTUBE

Aproximadamente 100 autores participam desta edição em homenagem aos 121 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). O Flitabira conta ainda com a exposição “Portinari Negro”, que reúne 42 reproduções de telas do pintor paulista, e com o Festival Literário de Viola Caipira, que integra a programação do evento como atração paralela aos debates e exposição. Os vídeos das mesas-redondas estão disponíveis na íntegra no canal do festival no YouTube.