Será a realidade apenas uma invenção feita por nós para dar à vida um sentido que, algumas vezes, nos escapa? “Os não tolos erram”, disse Lacan em um seminário. Esta frase ecoa em nós com estranheza. Pensando nela, chegamos a pensar: só os tolos têm a pretensão de não errar, onipotência ou arrogância que os leva a se protegerem não fazendo nada. É a única forma de não errar, já sendo isso um erro! Rigidez e autoexigência tremendas, como se alguém detivesse poder de ser pleno.

 

 

Outra coisa que Lacan disse: o real está sempre atravessando na frente da charrete. Isso também aponta para a impossibilidade de prever tudo, de controlar tudo e de que não há como não errar diante das contingências, dos acasos. Afinal, a vida não é um filme, é real.

 

 


Então, estar atento ao real é mais importante do que estar fixado na realidade factual. Pois o real nos abre possibilidades de outras leituras, de sair do planejado e do controlado com outro olhar, sem que isso signifique prejuízo.

 


A possibilidade de escutar esse real e lidar com ele abre uma liberdade e um respiro. Porque o real é o que acontece o tempo todo, nos surpreendendo, puxando o tapete, exigindo brincar com inesperados.

 

 


Escutar os pacientes, sem se adiantar em compreender, é a única forma de saber o sentido que eles dão, e ir além, ligados à ressonância da palavra mais do que ao significado enciclopédico. Essa escuta sonora vem de um saber do real. A palavra é prenhe do inconsciente, de um outro sentido.

 


Para isso, é preciso o exercício de esvaziar o sentido, permitir a escuta do que é dito e o além. Porque no que se fala, sem saber, por obra do inconsciente, pode-se escutar mais do que se diz. E isso pelo simples fato de que a existência do inconsciente está sempre mandando mensagens cifradas a serem captadas na escuta. Não é fácil. Aliás, é muito difícil. Muitas pessoas lerão isso que escrevi e dirão: Não entendi nada!

 

 


Fato é que nos agarramos demais à realidade, à sua veracidade tal como nos é apresentada, e nos apegamos aos mandamentos e ideais da cultura, temendo errar ou lidar com as durezas da vida. Mesmo assim, erramos e nos deparamos com faltas que não pudemos evitar e com a constatação da persistência do furo e da incompletude inegável nos desencontros, insucessos, incapacidades, impotências nossas de cada dia. Estamos aí, na vida... Não dá pra pular fora!

 


Nos aferramos à realidade e tampamos assim a entrada em outra cena, aquela cena do subsolo, do subjetivo, escondida no inconsciente e que, de fato, nem sempre nos parece tão clara!

 

 

Por que nos aferramos nas discórdias, nos desentendimentos, nas pequenas coisinhas e rixas com os nossos semelhantes? Seria mais fácil relevar e seguir em outra direção, mais leves por desencanar do que não é importante, mesmo perdendo algo, a disputa por exemplo. Mas evitamos fadiga, repetições desgastantes, presos à defesa da racionalidade das ideias preestabelecidas e verdades estáticas. Assim, tudo o que nos parece tão sólido se desmancha no ar e podemos ser livres para seguir caminhos, refratários aos custos causados por revisitar vícios.

 


Limitados à antecâmara de uma outra cena, recaímos em repetições, naquilo que chamamos bater com a cabeça na parede, dar murro em ponta de faca, que só nos leva aos ferimentos, a sangrarmos em nossa incapacidade de ver além do óbvio.

 

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