O Brasil recebeu quase 10 bilhões de dólares em investimento estrangeiro direto no mês de março. É o maior valor para março nos últimos 12 anos. Dias atrás também foi divulgado relatório da OCDE que aponta que, em 2023, o país foi o segundo maior receptor de investimento estrangeiro direto do mundo. Em um ambiente de contração global do investimento estrangeiro direto, o Brasil só ficou atrás dos Estados Unidos no tocante ao total de dinheiro recebido do exterior para compra, expansão, ou abertura de negócios no país. Em terceiro lugar veio o Canadá e, algumas posições depois, o México, demonstrando que o continente americano está bem-posicionado no contexto atual de investimentos privados globais.


Um termo típico dos tempos atuais é o de nearshoring. O conceito implica que o investimento enviado para a produção de bens e serviços no exterior seja destinado preferencialmente a países “próximos”. Tal proximidade é medida tanto em termos de distância física, quanto em termos de afinidade, ou distância cultural.


Nos Estados Unidos de hoje há quem defenda que a mensuração do tal grau de afinidade ou distância cultural possa ser medido objetivamente. Aponta-se, por exemplo, para a possibilidade de se avaliar a semelhança institucional entre os países, bem como o padrão de votação dos países nas Nações Unidas. Ainda que o segundo critério possa mesmo produzir contagens um tanto quanto objetivas, o primeiro critério é razoavelmente subjetivo. Entende-se por instituições como sendo “as regras do jogo, escritas e tácitas”, segundo a definição do prolífico pensador ganhador do prêmio Nobel de economia, Douglass North, que faleceu aos 95 anos em 2015.


North, a propósito, visitou o Brasil numa missão oficial que se deu entre o lançamento da proposta da "Aliança para o Progresso" pelo então presidente Kennedy e seu início oficial na conferência de Punta del Este em agosto de 1961. North veio entender especificamente o funcionamento da Sudene. Menina dos olhos de Celso Furtado, a instituição foi dedicada para a região Nordeste, que estava àquela época capturando a atenção da grande imprensa americana por conta das Ligas Camponesas no contexto global da Guerra Fria e suas implicações na América Latina.


Guardadas as devidas proporções, na cabeça de muitos, os tempos atuais têm um quê daqueles tempos em que estavam muito aguçadas as preocupações acerca da afinidade ideológica entre Brasil-URSS-EUA. De todo modo, a história está aí para se aprender com ela e não para ser repetida. Inclusive porque tal período histórico de acirramento da rivalidade entre dois polos não foi nada benéfico para a América Latina. Mas no contexto atual não devemos chegar a tanto.


O que sabemos é que até aqui, países como o México estão surfando nessa onda de privilégio do nearshoring para empresas que querem produzir mais em conta e ainda assim fornecer para o mercado estadunidense. São muitas as empresas que estão trocando seus investimentos da China para o México. A própria China tem realizado investimentos no México com esse intuito.


Por outro lado, a boa performance do Brasil na atração de investimentos estrangeiros nesse cenário conturbado ainda se dá, principalmente, pela atratividade do mercado interno brasileiro e do Mercosul, num contexto de melhor estabilidade governamental.


Sendo assim, falta ainda uma estratégia de maior conexão do Brasil a cadeias globais de valor que forneçam produtos e serviços de maior valor agregado aos Estados Unidos, por exemplo. Isso seria bem-vindo, mas é uma negociação delicada, como vem se mostrando a claudicante negociação com a União Europeia. Some-se a isso o potencial de confusão do possível retorno de Trump à presidência. O candidato republicano dias atrás afirmou seu desapreço pelo nível de proteção que o Brasil mantém para seu mercado, citando especificamente o caso dos automóveis. Assim, o Brasil, que precisava melhor se organizar para exportar carros para os EUA, como faz o México aos montes, corre é o risco de acabar pressionado para servir de escape para a produção americana. Será necessário muito jogo de cintura para navegar os anos que vêm por aí. Com ou sem Trump.


Todavia, que não se enganem os atuais mandatários de nossa vizinha Argentina, os quais parecem acreditar que com adesão irrestrita e automática a tudo que preconiza Washington, levará de fato a algum lugar melhor. Se pensarmos bem, ater-se às similaridades “das regras do jogo, escritas e tácitas”, implica justamente saber bem defender seus interesses reais a fim de que seja autenticamente respeitado. Quem desconhece isso pouco conhece a personalidade das instituições dos EUA.