Na tarde de ontem, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, deixou o Palácio do Planalto para conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no seu gabinete no Congresso. Chegou pela chapelaria, pegou o elevador privativo dos deputados, cruzou o cafezinho, circundou o plenário e entrou direto no gabinete, pela porta que dá acesso direto ao plenário, a mesma que outrora era do comitê de imprensa. Não falou com ninguém pelo caminho. A conversa durou meia-hora e não chegou a lugar nenhum.
Costa levou 479 dias para descer do pedestal de homem forte do Palácio do Planalto e atravessar a Praça dos Três Poderes para fazer política na Câmara, tarefa que cabe, principalmente, ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, com quem o santo de Lira nunca bateu. Costa segue a orientação do presidente Lula, que cobrou de seus ministros, inclusive do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas empenho nas conversas com deputados e senadores.
Depois da trombada entre Lira e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o governo perdeu interlocução eficaz com quem manda na pauta da Câmara. Lula tenta restabelecer essas relações, minimiza o conflito e manda seus ministros conversarem com suas respectivas bancadas. Partidos como o PP, União Brasil, Republicanos e o PSD têm ministros no governo, mas a maioria de seus deputados segue a orientação do presidente da Câmara e não de seus correligionários na Esplanada.
Costa ocupa o posto político mais importante da equipe ministerial, com a experiência de quem foi governador da Bahia por dois mandatos e elegeu o seu sucessor. Lida, porém, como uma realidade muito mais complexa, ocupa o vértice do sistema de alianças do governo, logo abaixo de Lula, mas não consegue coordenar os ministros politicamente. Além disso, sua relação com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, não é de sintonia fina.
Somente 1% das emendas parlamentares previstas para 2024 haviam sido liberadas pela Casa Civil, o equivalente a R$ 439 milhões, até 12 de abril deste ano. O jogo duro feito por Rui Costa na liberação dessas emendas, além de tirar o tapete de Padilha, foi um tiro pela culatra. Na semana passada, Costa endureceu ainda mais o jogo e liberou R$ 2,4 bilhões em emendas, mas privilegiou o PT, o MDB e o PSD, que receberam mais da metade do valor empenhado: R$ 1,3 bilhão.
O PP, partido de Arthur Lira, ficou em 10º lugar entre os partidos que mais tiveram emendas liberadas, apesar de ser a 4ª maior bancada na Câmara e a 6ª maior no Senado. Deu ruim, porque Lira resolveu pôr na pauta da Câmara os projetos de interesse da oposição e passou a fazer corpo mole para aprovar a regulamentação da reforma tributária. Pisou nos calos inflamados do governo.
Derrubada de vetos
O mais dolorido é a ameaça de derrubada dos 35 vetos de Lula às emendas ao Orçamento, que serão apreciados hoje pelo Congresso, no valor total de R$ 17 bilhões. Costa disse a Lira que o governo se dispõe a manter apenas R$ 2 bilhões dos R$ 5,6 bilhões de emendas da comissão, que substituíram o chamado “orçamento secreto”. Lira pleiteia R$ 3,6 bilhões de emendas de comissão e mais R$ 1,7 bilhão das emendas parlamentares da Câmara. Não houve acordo, mas a negociação continua.
Outra dor de cabeça para o Palácio do Planalto é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do novo benefício salarial para juízes, magistrados, promotores e defensores a cada cinco anos de serviço público. O Ministério da Fazenda estima um impacto de quase R$ 82 bilhões aos cofres públicos entre 2024 e 2026, caso seja aprovado pelo Congresso da maneira com que passou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, porque atinge todo o sistema judiciário, inclusive nos estados.
O governo tenta mitigar o projeto, em negociações com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que tem boa relação com o governo, mas também tem uma agenda conservadora, muito influenciada pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), seu principal aliado, que preside a CCJ e pretende voltar ao comando do Senado.
Aparentemente, para Lula, caiu a ficha de que o Congresso atual não tem nada a ver com o parlamento dos dois primeiros mandatos. É mais parecido com o Congresso que se relacionou com a ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu um processo de impeachment no segundo mandato. No café da manhã com jornalistas, ontem, Lula reconheceu a nova realidade:
“Não é o presidente do Senado que precisa de mim. Não é o presidente da Câmara que precisa de mim. Quem precisa deles é o presidente da República, é o Poder Executivo. Cada um tem uma função. Nós temos a nossa função. E quem aprova o Orçamento da União são eles. Quem aprova os projetos de lei são eles. Então, é o governo que precisa ter o cuidado de manter a relação mais civilizada possível, tanto com a Câmara quanto o Senado".