Com a era digital, os desastres naturais ganham outra dimensão -  (crédito: Flickr)

Com a era digital, os desastres naturais ganham outra dimensão

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Para todo lado que se olha hoje tem alguém afirmando que vivemos na era da informação, alardeando que “dados são o novo petróleo” e tantas outras coisas análogas. Entretanto, talvez o que pouca gente se dê conta é o fato de que toda essa “maravilha tecnológica” é muito mais física do que pode parecer em um primeiro momento.

 

Como hoje tudo é “digital”, as pessoas são levadas a imaginar, quase que por intuição, que a “internet” e o “mundo online” não existem no “mundo físico”. Ocorre que este pensamento é equivocado. Além de equivocado, este pensamento é perigoso.

 

A internet e toda a infraestrutura de rede de tecnologia da informação e comunicação são sustentadas exatamente por uma “infraestrutura”. A redundância aqui é proposital, pois a palavra infraestrutura está vinculada a coisas físicas mesmo e esta etimologia não foi alterada pelo advento da internet.

 

 

Como a gente usa wi-fi o tempo todo, podemos ter a impressão que o digital está no “ar”, mas essa é a pontinha da estrutura (quase insignificante). Para o wi-fi funcionar, tem um cabo físico que vai até um modem, que está pertinho do seu celular/computador e captando o wi-fi. Esse modem está ligado por cabo até uma central de uma provedora de internet.

 

Esta provedora de internet está ligada a um backbone, que é uma rede gigantesca de cabeamento que leva e traz informações loucamente de um ponto a outro. Esses backbones são ligados aos datacenters dos grandes provedores, que são as grandes empresas globais. O datacenter nada mais é que uma HD enorme (no nível bizarro de tão grande) que guarda estas informações para serem acessadas e enviadas de um lado para o outro.

 

A nuvem, que tanto se fala, nada mais é do que outro HD enorme de alguém que “aluga” um pedacinho do HD para você usar. Nada fica “no ar”. E sabe o whatsapp que você envia para o seu parente/amigo que mora em Portugal e chega rapidinho? Pois é, o caminho é físico!

 

Sai do seu celular, vai para o cabeamento do modem, central, provedor, backbone, cabo marítimo que cruza o Oceano Atlântico inteirinho de forma física, chega no backbone dos patrícios, no provedor, distribuição, modem, wi-fi e aí sim o seu parente/amigo vê a imagem do Garfield que você mandou para dar bom dia.

 

E acredite, isso tudo que eu falei é de um simplismo que o pessoal da TI vai me odiar...

 

Obviamente que com governos isso não seria diferente. Na verdade, com governos isso ganha uma dimensão de complexidade ainda maior, pois governos armazenam dados de populações inteiras. Há dados de registro, saúde, segurança pública, planejamento urbano, arrecadação tributária, assistência social e mais uma infinidade de informações.

 

Por óbvio, não dá para tratar estes dados na mesma “avenida” que a imagem do Garfield que você enviou para dar bom dia. Logo, governos, normalmente, possuem seus próprios datacenters e infraestrutura para acessar, compartilhar e tratar este volume maluco de informações que são necessárias para que uma estrutura de poder funcione minimamente.

 

Este contexto se amplia com a estratégia de Governo Digital estabelecida pela Lei 14.129/2021 e que vem sendo replicada no âmbito dos Estados e de muitos Municípios. Um dos princípios desta lei é a “disponibilização em plataforma única do acesso às informações e aos serviços públicos” (art. 3º, II), o que demanda a concentração de dados e informações em plataformas centralizadas.

 

Pois bem, o desastre natural e humanitário que estamos acompanhando no Rio Grande do Sul é uma amostra de como esta nova configuração de governos exigirá redobrado cuidado com a segurança e amplos investimentos em infraestrutura. O datacenter da Companhia de Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul teve que ser desligado para que a água não destruísse a base de dados sobre a qual opera o Governo.

 

O resultado disso foi uma paralisia dramática de serviços essenciais para a população justamente no momento em que as pessoas estão mais carentes de suporte do Estado. Neste contexto, salvar a infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação do Estado do Rio Grande do Sul é fundamental para garantir que o Poder Público continue operando para cumprir as suas funções constitucionais.

 

O desastre gaúcho é uma mostra de como os direitos digitais estão cada vez mais umbilicalmente ligados com direitos fundamentais. Considerando que o prognóstico é de que cada vez mais tenhamos que lidar com eventos climáticos extremos e com intervalos cada vez menores, é de suma importância incluir a temática da segurança da infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação nos debates sobre garantia de direitos fundamentais.