Só quem já participou de uma reunião de condomínio sabe como é -  (crédito: Wikimedia Commons)

Só quem já participou de uma reunião de condomínio sabe como é

crédito: Wikimedia Commons

Recentemente o Congresso Nacional reeditou, por meio de lei, a desoneração da folha de pagamento para diversos seguimentos da sociedade. Entretanto, esta reedição foi vetada pelo Presidente da República, o que implica um aumento relevante da carga tributária relativa às contribuições sociais de diversos setores.

O veto presidencial foi derrubado no fim do ano, o que significa que a desoneração permanece. O Governo, por sua vez, editou (aparentemente em resposta) uma Medida Provisória que derruba a desoneração (ou seja, com o mesmo efeito do veto) e agora estamos em um limbo que precisa ser desatado.

Mas o que está por trás de tudo isso e que não é explicado com clareza? Antes de a gente começar um animado ano brigando por político de estimação (dado que, aparentemente, é a única coisa que se faz bem neste país), deixa eu tentar explicar a raiz de toda esta questão com uma pequena anedota.

Vou contar a história do Condomínio Caramuru. Esse edifício é bonito, razoavelmente alto, fica no centro e tem uma fachada “art déco” que orna bem com a paisagem. Entretanto, como era de se esperar, o prédio tem custos para que as áreas comuns funcionem. Para todo mundo desfrutar de uma área comum funcional, cobra-se um valor a título de condomínio.

Parêntesis 1: você acabou de descobrir o conceito básico de tributo.

Voltando: a vizinha do 701 presta um relevante serviço para o condomínio, cuidando das plantinhas do jardim vez ou outra, o que o torna muito mais belo e agradável. O vizinho do 502, por sua vez, é um exímio cortador de grama, o que auxilia muito na entrada do prédio, pois evita acidentes e carros escorregando na entrada da garagem. E, obviamente, a vizinha do 101 (a surda), é a síndica e dá conta de todas as notas fiscais, tarifas de consumo, contratação e pagamento de serviços gerais e portaria.

Pois bem, a vizinha do 101 não paga condomínio, afinal de contas ela é responsável pela parte mais chata e burocrática de tudo. É necessário que não assuma esse custo para assumir esse risco. Além disso, não fosse assim, ela pagaria a si mesma e cobraria de si mesma, o que não faz muito sentido.

Parêntesis 2: analogicamente, você acabou de aprender o conceito de imunidade tributária.

Voltando: entretanto, a vizinha do 701 é amiga de infância da síndica e vive na sua cozinha tomando café e relembrando casos da infância. Em uma dessas tantas conversas, ela reclamou como era injusto ela contribuir tanto para o condomínio e pagar o mesmo tanto que a vizinha do 702 que mal se interessa pela qualidade das áreas comuns, não cumprimenta os vizinhos, mas faz questão de trazer os amigos todo fim de semana para apreciar o agradável condomínio.

A síndica, sentida com o pleito (e temerosa de se ver diante de um jardim caótico, já que não tem a menor habilidade com plantas e a amiga sabe disso) se manifestou no sentido de que era justo que ela pagasse apenas 50% do condomínio, mandado alterar o sistema de emissão de boletos para o apartamento 701.

Parêntesis 3: parabéns, você acabou de ser apresentado ao conceito de incentivo fiscal.

Voltando: ocorre que o vizinho do 502 é um rabugento nato. Reclama de tudo o dia inteiro! A sua reclamação principal é de que absolutamente ninguém faz o que ele faz pelo condomínio. Não fosse por ele, tudo já estaria uma bagunça e acidentes teriam ocorrido. Para lembrar a síndica da sua importância, o vizinho bate à sua porta todos os dias (de manhã e à tarde) para saber o que se pode ser feito para reconhecer o grande esforço que ele faz em prol da coletividade.

A síndica pouco acredita no que o vizinho do 502 diz, mas precisa de saúde mental, o que não é possível tendo que o aturar dia sim e dia também. Então acatou a sua solicitação e determinou a alteração do sistema de emissão de boletos do condomínio, para reduzir o valor a cobrar do apartamento 502 em 25%.

Na primeira reunião de condomínio depois dessas mudanças foi uma confusão só. O vizinho do 302 ficou irado, pois é advogado e ajudou o condomínio em uma ação sem receber nada por isso e pleiteou, pelo menos, a redução em 25%. O vizinho do 902 questionou porque ele paga o mesmo tanto de condomínio de todo mundo se o vizinho de cima (da cobertura do 1002) deixa uma interminável infiltração fazer explodir a rinite dele sem fazer nada.

Nem reclamou de pagar, mas pelo menos o vizinho de cima tinha que pagar mais para compensar o dano. Por sua vez, a vizinha do 401 (que é arquiteta) reclamou que há muito tenta viabilizar um belo projeto para o condomínio, mas as condições nunca são favoráveis, de modo que pleiteou a isenção temporária do condomínio para permitir que conseguisse concluir o projeto.

Por fim, o vizinho do 501 (que acha a vizinha do 401 muito barulhenta e pouco eficiente, mas acha que precisa dela para resolver a sua questão) concordou com o pedido da vizinha arquiteta e ainda solicitou o mesmo para si, já que é empreiteiro e acabará, inevitavelmente, sendo o executor da obra.

Com os ânimos acalorados e uma briga sem fim, a síndica resolveu acatar o pedido de todos para que a briga parasse. Os ânimos se acalmaram e a reunião pode ser encerrada. Faltavam algumas assinaturas, pois alguns não estavam presentes. Os vizinhos do 102, 201 e 202 não moram lá e o apartamentos estão vazios, então pouco participam das reuniões.

A vizinha do 301 e o vizinho do 402 trabalham à noite e nunca podem participar. O vizinho do 601 também é dono do 602 e sempre vota contra tudo, mas é sempre voto vencido, pois todo mundo acha que ele só pensa em si mesmo.

A vizinha do 702, como esperado, não compareceu porque não quis. Todo mundo sabia que estava em casa e por lá ela ficou. É uma irresponsável. Os vizinhos do 8º andar não se dão muito bem e evitam participar destas reuniões, o que todo mundo agradece porque sozinhos fariam uma briga duas vezes pior do que a desta noite.

O vizinho do 901 é tímido que só e, apesar de querer muito dar a sua opinião, não conseguiu achar o momento certo. Acabou a reunião e ele, mesmo insatisfeito com o resultado, ficou sem graça de não assinar a ata. Por fim, os vizinhos das coberturas se acham importantes demais para participar dessas picuinhas e não gostam de “misturar” com todo mundo. Gente metida a besta porque mora por cima, como se a entrada do prédio não fosse a mesma para todo mundo.

Qual foi o desafio do dia seguinte para a nossa dileta síndica surda (e garanto a vocês que a surdez não ajuda nestas reuniões, ela me confessou): ao final da reunião, o sistema de emissão de boletos teve que ser reprogramado inúmeras vezes, pois ao contrário de um condomínio único, vários apartamentos tinham um condomínio “próprio” para pagar. A empresa que entrega o sistema foi embora, pois não valia o trabalho, de modo que foi preciso contratar outra e com mais pessoal para dar conta de tantas peculiaridades.

Parêntesis 4: sem querer, você descobriu porque o art. 37, XXII, da Constituição (sim, do livrinho!) estabelece que a Receita Federal e as receitas estaduais e municipais terão recursos prioritários para funcionarem, sendo destacadas (e intocadas) no orçamento.

Voltando: A manutenção do sistema ficou mais cara. Além disso, as decisões condominiais não reduzem o valor da tarifa de água, luz e dos serviços contratados. Logo, começou a entrar menos dinheiro no caixa do condomínio para cobrir as mesmas despesas. Não teve jeito: foi preciso aumentar o condomínio das demais unidades que não foram “contempladas” na reunião.

O porteiro ainda fofocou para a síndica que o vizinho do 901 estava muito chateado, pois tentou vender o seu apartamento, depois de tanta confusão, e o interessado não quis comprar, já que não conseguiu entender como era essa divisão maluca do condomínio. Achou que estava sendo passado para trás.

O porteiro, fofoqueiro que só, ainda contou que a vizinha do 701 comprou umas plantas artificiais e economizou um trabalhão com o jardim. Agora só precisa de um borrifador para tirar a poeira das folhas de vez em quando e está tudo verdinho. O vizinho do 502 também se deu bem: ele paga um moleque da esquina para cortar a grama toda semana. Não gasta nem R$ 50,00, o que compensa bastante pelo desconto do condomínio que recebe. O moleque fica feliz e ele também.

O vizinho do 501 e a vizinha do 401 ficaram amigos e, toda semana, se reúnem para tratar do projeto do condomínio. Como a suspensão do pagamento é enquanto perdurar o projeto, dizem as más línguas (quanta maledicência!) que esse projeto não vai sair nunca.

Por causa de toda essa confusão, a inadimplência aumentou, tinha gente achando que pagava 50%, mas era 100%, o condomínio ainda teve que devolver um dinheiro para o vizinho do 302, pois ele cobrou uns retroativos que pagou a mais antes da alteração do sistema.

Não fosse só isso, potenciais compradores e alguns moradores foram embora, o projeto da piscina não foi para frente e agora a fachada está horrorosa e não tem ninguém para arrumar. Ninguém está feliz com isso: nem a vizinha do 702, que sequer participou da reunião, nem a vizinha do 701, que acha um absurdo ter um jardim bonito e o resto feio.

Entretanto, se você perguntar para a vizinha do 701 se ela acha justo não pagar o condomínio, ela acha muito justo e vai comprar uma briga daquelas se você quiser convencê-la do contrário. Os vizinhos do 501 e 401 acham a síndica muito incompetente, pois está tudo uma baderna. Algo precisa ser feito, desde que não se altere o cronograma do projeto do condomínio. Afinal, são apenas 5 anos desde a deliberação e não é possível entregar nada neste tempo tão curto.

O vizinho do 502 também não aceita sequer que se comente do desconto dele. Se ele consegue um ganho de eficiência com o moleque da esquina, isso é mérito dele e não tem qualquer relação com o condomínio. Cada um que busque o seu e ninguém reconhece que ele ainda está gerando empregos na vizinha. Por certo esse moleque estaria riscando carros na rua não fosse pelo pagamento que ele dá.

E assim, cada um no seu direito vai vivendo nesse condomínio maluco onde tem gente que paga, gente que não paga, gente que paga menos e tudo a depender de fatos um tanto quanto imponderáveis. A dificuldade é que todo mundo tem uma opinião, mas só serve se não mexer no que já está feito (e aí fica um pouco complicado mudar as coisas).

Entretanto, dizem que o vizinho novo do 901 é um gênio das finanças e trouxe uma proposta de solução sensacional: todo mundo paga igual e isso vai gerar mais caixa, o que consequentemente levaria, ao mesmo tempo, a uma inevitável redução do valor do condomínio e uma maior capacidade de execução para as obras da piscina e da fachada. Não fosse só isso, poderíamos dispensar esse sistema que já está todo travado e contratar outro bem curtinho, simples e com uma emissão de boletos só. Barato e não trava!

Pronto... vai começar a briga toda de novo. Esses novatos não aprendem...