Lula e Janja se beijam no casamento -  (crédito: Ricardo Stuckert)

Lula e Janja se beijam no casamento

crédito: Ricardo Stuckert

Considerando que eu tenho uma dificuldade imensa com metáforas, desde muito cedo desenvolvi uma natural curiosidade pelos ditados. Ditados são máximas produzidas pela cultura oral que transmitem sabedoria.

Daí porque você nunca vai ler um ditado, mas ouvi-lo, o que justifica o nome no particípio do verbo “ditar”. O problema (para mim pelo menos) é que eles não são claros, mas metafóricos e transmitem algo que te faz pensar e, normalmente, entregam uma lição que se aplica a inúmeras situações da vida.

O desafio e a beleza estão aí: eles são atemporais. Um ditado nascido no século passado vale bastante para os dias de hoje. Essa introdução imensa tem uma razão de ser: o presidente da República já é um senhor de 78 anos e não pode mais se escorar na imaturidade para se esquivar de qualquer coisa. Ao contrário, em razão da idade, deveria ser mais conhecedor dos ditados populares e, apreendidas as suas lições, deveria aplica-los no dia a dia da sua gestão.

Entretanto, o último episódio com a primeira-dama é um exemplo surreal de aplicação da lógica (ensinada em tom de alerta e não de incentivo) do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Isso porque o Palácio do Planalto simplesmente não lança a agenda da primeira-dama, mesmo nas suas atividades exercidas dentro do Palácio do Planalto ou do Palácio do Alvorada.


Parêntesis 1: tem muita gente que não sabe, mas são 2 palácios. O do Planalto é a sede do Poder Executivo (onde o presidente trabalha) e o do Alvorada é a casa do presidente, bem de frente ao Lago Paranoá.

Voltando: não fosse "só" a ocultação da agenda, o Palácio também não divulga os presentes que a primeira-dama recebe! Ou seja, se ela está recebendo um boneco de palitos de picolé ou uma caixa com diamantes cravejados, nós simplesmente não sabemos.

Mas como viver no Brasil não é função para amadores, fica pior! Questionado, o Planalto me vem com uma justificativa digna de um seriado à lá “Two and a Half man”: ela não é servidora pública.

Pois é, como eu sempre digo, não tenho qualquer problema em ser enganado. Afinal, vivemos no Brasil e aqui matar um leão por dia e se esquivar das hienas é função básica de qualquer cidadão. A questão é que até para isso é preciso um certo refinamento. Eu e você, como cidadãos brasileiros, temos direito de ser enganados com um pouco mais de dignidade e respeito à nossa integridade intelectual.

Obviamente que a primeira-dama não exerce um cargo formal, pois não foi eleita e não existe concurso público para primeira-dama. Entretanto, historicamente (e há tempos imemoriais, pois isso não é uma invenção nossa), o cônjuge (não “conge”, Senhor!) do chefe do Poder Executivo exerce função política e pública.

Parêntesis 2: se está na dúvida, quando a posição política se inverte, o posto se torna o de “primeiro-marido”.

Voltando: quer uma prova mais do que evidente disso? O meu e o seu dinheiro pagam as viagens da primeira-dama na companhia do presidente em eventos oficiais no Brasil e mundo afora. Ora, se o erário arca com a brincadeira, o cidadão merece saber a quantas anda o estado do parquinho.

E isso tem fundamentação legal, para não virem me dizer que estou só lamuriando. A Lei n. 12.813/2013 estabelece expressamente que os agentes públicos que menciona devem “divulgar, diariamente, por meio da rede mundial de computadores - internet, sua agenda de compromissos públicos” (art. 11). E dentre os agentes que menciona, tem lá uma cláusula geral incluindo no rol os agentes “de natureza especial ou equivalentes” (art. 2º, II).

Se a primeira-dama não é agente de natureza especial ou equivalente eu realmente não consigo fazer ideia de quem seja especial. Presta atenção no nome: “primeira”... Não demanda muito fosfato para entender que a posição da primeira-dama é excepcionalíssima e, exatamente por isso, tem impacto na vida pública do país.

Logo, é preciso entender que “o pior cego é o que não quer ver”, principalmente se a gente considerar que essa galera achou que essa justificativa capenga ia colar. O cenário é ainda mais catastrófico quando nos lembramos que a eleição passada (que completou apenas 1 ano nesta semana) foi pautada, dentre outros temas, pelas severas críticas do então candidato Lula aos inúmeros sigilos impostos pelo então presidente Bolsonaro.

À época, o então presidente era questionado sistematicamente sobre o motivo porque se impunha tanto sigilo a um sem número de coisas (incluindo agendas ou encontros fora da agenda). Tal fato foi usado explicitamente na campanha eleitoral do Lula, inclusive ao argumento de que, se eleito, iria retirar o sigilo para que o povo soubesse o que tanto era acobertado.

Todo esse imbróglio foi amplamente inflado quando foram descobertos inusitados presentes recebidos pelo então presidente Bolsonaro, sorrateiramente esquecidos de se mencionar nas declarações oficiais. Daí houve uma enxurrada de acertadas críticas, com reais e sérias discussões sobre os limites destes presentes, suscitando questionamentos dificílimos de responder, do tipo: a gente sai recebendo Rolex e Diamante de presente em cada cliente que a gente visita? Ah tá...

Como nos lembram os velhos, onde há fumaça, há fogo. E se tem alguém querendo esconder alguma coisa, é porque tem caroço nesse angu. Daí agora, menos de um ano depois, me vem o presidente, em pleno exercício do cargo, e me lasca um sigilo sobre agendas e presentes? Tem cara, gosto e cheiro de golpe...

Virá o lulista me questionar: ah Hudson, mas é da primeira-dama e não do presidente. Meu consagrado, se a sua esposa ganhar um caixa de diamantes cravejados no valor de R$ 16 milhões de reais e você não participar nem um centavo deste gracejo, eu sinto informar mas o seu relacionamento é abusivo. Ou é na riqueza e na pobreza ou é quebra de sacramento. Vá procurar um cartório para se divorciar.

Afinal, o que foi (posteriormente) registrado era que as joias presenteadas por Mohamed Bin Salman eram para a então primeira-dama Michele Bolsonaro.

Aqui vale a mesma coisa pelo óbvio de que não há diferença alguma! E nem haveria de ser. Se lá era um problema, aqui deveria ser um problema dobrado, considerando tudo que vimos e tudo que foi criticado. Afinal, gato escaldado tem medo de água fria.

Não por outro motivo, a oposição (validamente) se esbaldou em demonstrar que o eleitorado do presidente caiu no conto do vigário ao acreditar que a mudança da gestão implicaria em efetiva mudança de cenário. E se tem algo que um político pode evitar e o governo Lula vem se esforçando de forma tocante no sentido oposto é dar argumento para a oposição.

Chama a atenção a capacidade do governo em semear vento para colher tempestades inúteis, como se fosse divertido apagar incêndios que o próprio governo criou. Esse é só mais um de tantos episódios em que o governo escolhe de forma espontânea tomar posturas injustificáveis e que se afastam muito do discurso que levou à eleição do Presidente Lula.

Na maioria dos casos é pura falta de bom senso. Nem precisava de lei, dado que muitas vezes ela diz o óbvio, como no caso de se estabelecer que há interesse público em saber quem toma café no Palácio do Planalto. Até porque se eu ou você tentarmos tomar um café por lá seremos recepcionados de modo nada cortês pelos Dragões da Independência e seremos conduzidos para o outro lado da rua.

E sabe o pior? É ver o povo se digladiando por isso com frases tão inteligentes como a descrição da borda da terra plana, com afirmações do nível: “o Bolsonaro fez pior” ou “quem mandou fazer o L”. Quem está neste nível está na arquibancada da torcida de futebol “político de estimação futebol clube” e ainda não entendeu que nesse jogo quem sai rebaixado somos nós.

Passar pano para isso, independente de quem o faça, só reforça a zona de conforto de quem quer que esteja ocupando aquela cadeira e potencializa ações inaceitáveis como essa. Afinal, pimenta no olho dos outros é refresco. Esses "outros" somos nós que, independente de quem está com a caneta, arcamos com essa brincadeira toda.

E mesmo com toda a minha admiração com os ditados e sabedoria que eles carregam, em um ponto eles erraram. Todo dia é dia do caçador. Não tem dia da caça. Ou você já viu uma zebra com um leão na boca? Pois é... vigiemos nossa posição na cadeia alimentar.